Fellipe Correa
Era 2010, o segundo ano do governo Obama, quando James B. Fowler foi condenado pelo homicidio que cometera 50 anos antes. A vítima, Jimmie Lee Jackson, tinha 26 anos e sustentava sozinho os pais, a esposa e os filhos. Na noite de 18 de fevereiro de 1965, Jimmie participava com a mãe de uma marcha pacífica quando os postes de iluminação foram apagados e a polícia avançou sem piedade sobre os manifestantes; ele se escondeu em um restaurante com a mãe, mas o policial Fowler o encontrou e atirou nele.
Jimmie engrossava as fileiras pelo fim da segregação, e sua morte fez da cidade o epicentro da luta que levaria o presidente dos EUA a assinar a Lei que garantia o voto à população negra, seis meses depois. Em poucas semanas, a indignação com o assassinato reuniu mais de 500 pessoas no episódio que entrou para a história como Domingo Sangrento: Após caminharem poucos quarteirões, foram massacrados pela polícia com espancamentos e gás lacrimogênio. As imagens da polícia agredindo civis que não reagiam ganharam o mundo.
A marcha entre as cidades de Selma - de Jimmie e Fowler - e Montgomery só seria completada na 3ª tentativa. Em 21 de março de 1965, 8 mil pessoas de diferentes etnias e religiões, de todo o país, cruzavam a ponte. À frente, Martin Luther King Jr., pastor protestante que pregava a desobediência civil não violenta inspirada nos métodos do hindu Gandhi para levar a Índia à independência 20 anos antes, sensibilizando a opinião pública - incluindo a inglesa – por meio de filas indianas que não reagiam à brutalidade dos cassetetes britânicos.
Apesar de movimentos como a Ku Klux Klan, ranço persistente da escravidão, logo o movimento não violento liderado por King sensibilizaria inclusive a população branca dos absurdos da segregação, conduzindo a sociedade americana a uma mudança de mentalidade radical. Se em 1961 quase 60% da população de Selma era negra e, destes, menos de 1% tinham o registro necessário para o voto, meio século depois o presidente dos EUA por dois mandatos seguidos seria Obama, um negro eleito por americanos negros e brancos.
Democracia, portanto, não é apenas a existência de eleições. Também haviam eleições para legitimar os regimes totalitários no Egito antes da primavera árabe e no Brasil durante a Ditadura. É no Estado Democrático de Direito que todos são iguais perante a Lei, e submetidos à Lei tanto os cidadãos quanto o Estado. Nós, brasileiros, vivemos em um Estado Democrático de Direito desde 1988, quando a Constituição Cidadã foi promulgada garantindo as liberdades individuais – como a de expressão – e a igualdade de direitos – inclusive políticos.
A sociedade brasileira é das mais miscigenadas do mundo, um caldeirão de culturas e etnias que nos faz um povo tolerante à diversidade por excelência, visto que somos filhos dela. E a democracia é o melhor meio conhecido para harmonizar interesses de uma sociedade tão diversa. Se o 1º requisito para a democracia real é qualificar todos para a cidadania, o outro é uma cultura de paz que permita o diálogo entre aqueles que pensam diferente. E, se o respeito à diversidade de opinião é via de mão dupla, a vacina para o desrespeito é a não violência.
Infelizmente, a humanidade – incluindo o brasileiro – ainda não entendeu o conceito (e o poder) da não violência, apesar das lições de Martin Luther King, Mahatma Gandhi e do mestre dos mestres, Jesus Cristo. Se em 1919 Gandhi teve que suspender uma greve geral em defesa dos direitos civis porque os indianos partiram para a pancadaria em vários locais de manifestação, 100 anos depois a regra segue sendo o embate, seja na internet, nas ruas ou nos plenários – e cada ato de violência é justificativa para que o outro lado faça igual ou pior.
Neste contexto de polarização, tão nocivo aos debates que realmente importam, e sem perspectiva de diálogo, que é a matéria prima da democracia, a lógica se inverte: É o ódio que gera likes nas redes sociais, e as multidões se acotovelam para ovacionar candidatos que desafiam decisões judiciais ou cuja maior qualidade é a intolerância. Há também quem use a liberdade de expressão para pedir o fim de todas as outras liberdades, defendendo “soluções” como “intervenção militar” – que, sem previsão constitucional, é o mesmo que pedir Ditadura.
Ambos os posicionamentos caminham na contramão da história. A geração de nossos pais lutou para que vivêssemos em um Estado Democrático de Direito; à nossa geração cabe defende-lo, e fazer com que funcione – e isso não é colocar o país nas mãos de um tirano, seja um general ou um presidente, nem entrar em guerra defendendo políticos que brigam em público enquanto se abraçam no privado. A democracia exige diálogo, e este não existe entre inimigos – o que, definitivamente, não somos. Relembramos uns aos outros disso respeitando os que pensam de forma diversa e, quando isso não for reciproco, por meio da não violência.
Fellipe Correa é filiado à Rede Sustentabilidade desde 2015 e pré-candidato a deputado federal por Mato Grosso.


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