Sonia Fiori - FocoCidade
A decisão do Tribunal de Justiça, atendendo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), de suspender o efeito de ações que questionam a legalidade na cobrança do ICMS sobre a TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição) nas faturas de energia elétrica, toma como base maior a sustentação na Lei 4.348/64, do período da ditadura militar, prevendo sua aplicação quando vislumbrada “situação extraordinária de risco ao Estado”.
A posição do TJ provoca reação entre especialistas de Direito Tributário, que alertam ser prematuro o entendimento de que é legal a cobrança do ICMS sobre a TUSD. Um dos contrapontos que remete à reflexão e reconhecendo a seara fática da crise que atingiu em cheio os cofres públicos do Estado, é a crescente arrecadação de Mato Grosso, contrariando sua defesa de “grave lesão financeira” gerada pelas decisões da Justiça sobre a isenção da TUSD.
Advogado e consultor jurídico tributário, Victor Humberto Maizman observa ser a lei originada na época da repressão militar, inconstitucional. “O pedido de suspensão de segurança é uma medida prevista na legislação que assegura ao Poder Público requerer que qualquer decisão que venha a acarretar no abalo à economia, segurança e ordem pública do Estado, sem adentrar no mérito jurídico da questão que embasou a decisão atacada por tal expediente. Trata-se de uma medida originada na época da repressão militar e que, segundo vários doutrinadores, é manifestamente inconstitucional, uma vez que mitiga a garantia de jurisdição ao suspender toda e qualquer decisão contrária ao Poder Público (antes do trânsito em julgado).”
Maizman pontua ainda ser “isolada” a posição do TJ baseada em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “No caso em questão, o que motivou a decisão proferida pelo presidente do TJ do Estado foi o recente precedente do STJ no sentido contrário aos interesses dos contribuintes. Todavia, trata-se de decisão proferida pela Primeira Turma daquela Corte, divergindo do entendimento das demais Turmas, ou seja, estava pacificado o entendimento em favor dos contribuintes. Portanto, trata-se de uma decisão isolada frente o entendimento pacificado pelo STJ".
Outro aspecto que leva a questão para o palco complexo da interpretação se refere à alegação de grave risco de abalo às finanças do Estado, considerando ser imprescindível a comprovação de tal alegação. “Ademais, é certo que a mera alegação de que as decisões proferidas a favor dos contribuintes terá o condão de acarretar em ‘grave risco de abalo às finanças do Estado’ deve estar sobejamente comprovada, não cabendo a mera alegação do Estado no pedido efetivado. A concessão da suspensão dos efeitos da decisão liminar deve ser interpretada de forma restritiva, face ao que dispõe o princípio da salvaguarda da tutela jurisdicional, conforme preconizado no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal’, evidencia Maizman.
Reação oposta ao TJ também é manifestada pelo presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-MT, Rodrigo Palomares Maiolino de Mendonça. “Parabéns ao procurador pela tese deferida pelo TJMT, mas não corroboro do mesmo entendimento. Atualmente deixamos de ter um Estado democrático de direito e estamos vivenciando um imperialismo segmentado".
Presidente da Comissão de Estudos Tributários e Defesa do Contribuinte, Carlos Montenegro salientou o contexto da insegurança jurídica. “Mês passado o STJ alterou seu entendimento, pacífico até então. Com base nessa decisão foi feito o pedido de fisco. A alteração de posicionamentos consolidados é o que quebra a banca. Custo Brasil.” Montenegro asseverou ainda que “a outra turma do STJ não mudou de opinião e a situação ainda pode ser revertida. Ainda é prematura a conclusão de que é legal o ICMS sobre a TUSD”.
Acerca do tema, o presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), José Arimatéa Neves Costa, constatou que “no momento atual do nosso Sistema de Justiça há uma espécie de queda de braço entre a vontade da cúpula da Justiça de restringir a independência cognitiva da base e está defendendo a ferro e fogo sua independência e a limitação do livre convencimento motivado, em outras palavras, a independência do julgador de base”.
Estado
Ao tomar ciência da decisão do TJ, o procurador-geral do Estado, Rogério Gallo, disse que “a PGE conseguiu uma importante vitória para os cofres do Estado, a partir da decisão do desembargador Rui Ramos. Com a decisão, evitamos uma grande evasão de ICMS”.
O Governo ressalta que “no início do mês, baseado em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a PGE protocolou novo pedido em suspensão de liminar que já havia sido ajuizada em 2015, mostrando os prejuízos que o Estado de Mato Grosso teria com a não cobrança do ICMS sobre a TUSD/TUST. Nos três primeiros meses do ano a perda de receita para o Estado foi da ordem de R$ 11.653 milhões, projetando para o ano de 2017 um prejuízo próximo a R$ 70 milhões”.
No despacho, o presidente do TJ, desembargador Rui Ramos, justifica sua decisão “diante da possibilidade de grave lesão aos cofres públicos, bem como os efeitos multiplicadores da ação proferida pondo em risco a ordem pública e econômica”. Rui Ramos determinou que sejam suspensos todos os julgamentos sobre a questão, até nova manifestação da presidência do Poder Judiciário e análise da Procuradoria Geral de Justiça.
Aplicação em MT
A primeira decisão do TJ nesse sentido foi a cargo do então presidente, egresso do Ministério Público, desembargador Paulo da Cunha, em 2015. A decisão de Paulo da Cunha foi contrária a de seu antecessor, desembargador Orlando Perri. Paulo da Cunha acatou pedido do Governo do Estado e determinou a imediata suspensão das liminares na Justiça estadual concedidas em favor daqueles que impetraram ações para isenção da cobrança do ICMS.
No período, contrariando a decisão do então presidente do TJ, o juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública de Cuiabá, Luiz Aparecido Bertolussi Júnior, acatou liminares favoráveis aos contribuintes. Bertolussi, em seu deferimento, frisou que a decisão de Paulo da Cunha era desprovida de eficácia impeditiva para a concessão de novas liminares. À época, o assunto foi discutido no TJ longe dos holofotes da imprensa, provocando no desembargador revisão de sua decisão por um curto período, sendo novamente imposta a derrubada de liminares.
Em 2015, o Governo já sustentava “lesão à ordem econômica do Estado” de aproximadamente R$ 265 milhões. Seria o total do prejuízo aos cofres públicos em razão do deferimento pela Justiça de pedidos de isenção da cobrança da TUSD. De lá para cá, o Executivo vem contabilizando ganho de causa, em um tópico não pacificado na Justiça e que pode projetar nova interpretação acerca do assunto.
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