Flávia Borges - Foco Cidade
Com perfil operacional, o delegado da Polícia Civil, Flávio Henrique Stringueta, à frente da Gerência de Combate ao Crime Organizado (GCCO), comanda investigações como roubos a bancos, ataques a caixas eletrônicos, sequestros, roubos e furtos de defensivos agrícolas, e outros crimes de alta complexidade. Em entrevista ao Foco Cidade, Stringueta diz que a maior arma que pode entrar em um presídio é o celular e não armas de fogo.
O delegado também comenta sobre a situação enfrentada nos presídios brasileiros, com rebeliões e superlotação e diz que se a polícia fizer ainda mais, o número de presos aumenta e haverá um caos ainda maior no sistema prisional.
Stringueta também acredita que bandidos que faziam parte do novo cangaço ‘migraram’ para o furto de defensivos agrícolas, por se tratar de um crime ‘mais fácil’ de ser cometido.
Polêmico, Flávio Stringueta se diz contrário ao desarmamento e diz que pessoas de bem deveriam ter o direito a optar por ter ou não uma arma legalizada para defender a família. Confira.
Foco Cidade - O crime organizado tende a se fortalecer com alguns problemas como a fragilidade das fronteiras e na atuação de crimes menores, mas de grande envergadura, como assaltos a bancos e roubos de agrotóxicos?
Flávio Stringueta - Sempre que foi falado de facções criminosas aqui no nosso estado, tanto no passado com o PCC, quanto agora, mais atuante, o Comando Vermelho (CV), o que a gente tem levantado e tem de informações é que eles querem essa rota, que a gente chama de corredor, que é de Mato Grosso para São Paulo, para o Rio de Janeiro, com a Bolívia. Isso para eles é muito importante, tanto para o tráfico de drogas quanto para armamentos. É uma rota em que eles levam os veículos apreendidos, já que na Bolívia são uma boa moeda de barganha para a aquisição de drogas e armas. Então a principal fragilidade que a gente tem com relação às fronteiras, gera para essas facções criminosas uma rota de fácil acesso para o cumprimento desses crimes.
Foco Cidade - Enquanto delegado, onde está a falha no sistema prisional?
Flávio Stringueta - A maior crítica que eu faço ao sistema prisional é com relação à permissividade que tem em relação à entrada de celulares. Tenho sempre dito que quando um criminoso é preso, é levado ao cárcere, o que a sociedade espera é que no mínimo ele deixe de cometer crimes contra a sociedade. E com celulares lá dentro ele continua com esse caminho de crimes. Lá de dentro ele pode continuar com aqueles crimes que já são bem conhecidos como, por exemplo, falso sequestro, alguns outros golpes que eles cada vez estão se especializando mais sobre a forma de cometer, e a sociedade continua sendo vítima de um criminoso que deveria estar afastado. Para mim o celular é a pior arma que pode entrar em um presídio, porque com um celular eles continuam mantendo seus grupos criminosos, continuam em contato com seus parceiros e comparsas aqui fora e, além disso, cometendo crimes contra a sociedade. A entrada de aparelho celular dentro dos presídios, para mim, é muito mais grave do que a entrada de uma arma, porque a arma de fogo, ainda que o bandido use lá dentro, ele estará usando entre quatro paredes, enquanto um celular, vai para o mundo o crime por ele cometido. E o crime de colaboração para a entrada de um celular em um presídio tem uma pena máxima de dois anos de prisão. É considerado crime de menor potencial ofensivo.
E com celulares lá dentro ele continua com esse caminho de crimes.
Foco Cidade – Acredita que a estrutura, o aparelhamento da polícia algum dia alcançará o modelo ideal para se comprovar os crimes?
Flávio Stringueta - A gente vê que já melhorou bastante, pelo menos desde que eu entrei para a polícia aqui em Mato Grosso, em 2001, nossa estrutura era infinitamente pior do que é hoje. Acredito que possa melhorar bastante, principalmente na esfera do efetivo. Hoje o efetivo está muito longe do ideal e isso causa muito desgaste, tanto para nós, delegados, que acabamos tendo que trabalhar, principalmente no interior, em mais de uma delegacia, atender em mais de uma delegacia, quanto também para os investigadores e escrivães, que têm que cumprir muitas ordens de serviço, precisam administrar muitos inquéritos e isso traz consequências não só para a sociedade, que não tem um atendimento ideal ou adequado, quanto para o servidor, que perde muito em qualidade de vida.
Foco Cidade – Como inverter a pirâmide em que um preso custa pelo menos quatro vezes mais do que um estudante?
Flávio Stringueta - É uma inversão de valores tremenda. Tenho dito que o que a gente pode fazer para melhorar todos os setores do estado é investir mais em cultura, e cultura não é só educação. Cultura abrange muito mais coisas. Culturalmente, a sociedade brasileira aceita muita coisa ilegal. E se a gente não mudar isso, principalmente em relação à aceitação dos nossos políticos, e às coisas erradas que eles fazem, a sociedade tende a não melhorar. Há aquele ditado que o exemplo vem de cima, só que se a gente ficar esperando o exemplo vir de cima, estamos fadados ao fracasso. O ideal somos nós, através da nossa consciência, alterar essa cultura do famoso ‘jeitinho brasileiro’. Já que o outro está fazendo errado, vou fazer também. Isso não pode existir. Quanto a essa inversão de valores no custo, tem que partir dos nossos governantes através de pressões sociais. Já foi dito em mais de um canal que nós estamos pagando com essa crise no sistema prisional um peço alto relativo à educação do passado, de 20 anos atrás. Se a gente não modificar isso, daqui a 20 anos teremos o mesmo problema, até maior.
O ideal somos nós, através da nossa consciência, alterar essa cultura do famoso ‘jeitinho brasileiro’.
Foco Cidade- Existe de fato uma migração de crimes da área urbana para a área rural?
Flávio Stringueta - O que nós levantamos é em relação ao novo cangaço. Nós temos mais de dois anos que não temos atuação do novo cangaço aqui no estado. O criminoso, principalmente o ladrão, ele não deixa de cometer crimes. Na minha visão é um defeito de caráter incorrigível. Uma pessoa que pegou algo que não lhe pertence e se sentiu bem com isso, nunca vai deixar de cometer crimes. Então esse criminoso que atuava no novo cangaço e parou, ele continua cometendo algum tipo de rime. Para nós, ele passou a atuar no roubo de defensivos agrícolas, que tem uma pena menor do que no cangaço, a estrutura criminosa é menor também, então o custo-benefício do crime com a possibilidade de ser descoberto ou até preso, compensa mais. O montante que ele leva em um furto ou em um roubo chega a quatro vezes mais do que no melhor assalto a banco que ele possa cometer. Teve um caso que nós tivemos R$ 2 milhões em produtos levados, enquanto o maior roubo a banco do novo cangaço, pelo menos do tempo em que eu estou aqui, foi de R$ 500 mil. Claro que ele não vai vender esses defensivos por R$ 2 milhões. Vai ter um lucro menor. No caso do cangaço, depois que ele comete o crime, ele vai pro meio do mato, ele precisa ficar de 10 a 15 dias escondido. Tem que ter um aparato lá para mantê-lo, com comida, rota de fuga, envolve muitas coisas que dificultam. Além das armas que têm que ser mais fortes, como fuzis, o que aumenta o custo. O que é diferente no caso dos defensivos, que na maioria das vezes é furto. Eles até vão armados para o caso de encontrar alguém, mas normalmente não é utilizado o emprego de armas de fogo, principalmente de grosso calibre.
Foco Cidade- A máxima de que se prende o ladrão e soltam os ‘mestres’ é real?
Flávio Stringueta - O peixe pequeno ele se expõe mais. Por exemplo, vamos falar do tráfico de drogas, que não é muito a minha área, mas o grande traficante ele não se expõe. Então é mais fácil a gente prender o pequeno do que o grande. Mas eu não tenho dúvida que todo policial bem intencionado almeja uma prisão de peixe grande. A gente batalha para isso. Nosso problema é falta de efetivo e de estrutura. Se hoje os presídios estão abarrotados de gente, é por conta da ação policial. Se a ação policial fosse melhor ainda, onde nós estaríamos colocando esse pessoal? Eu gostaria mesmo de estourar os presídios de gente lá dentro, no sentido de ter muito mais gente lá dentro presa, só que infelizmente é o que a gente consegue fazer com a estrutura que temos hoje, tanto estrutura física quanto de pessoal.
Se a ação policial fosse melhor ainda, onde nós estaríamos colocando esse pessoal?
Foco Cidade – O que fazer para que Mato Grosso saia do estigma de um dos estados mais violentos do país?
Flávio Stringueta - A informação que tenho é que no Brasil morem em torno de 160 pessoas por dia. Isso é muito. Mostra uma violência extrema. A impressão que tenho é que a sociedade não tem a vida como um bem tão valioso. Às vezes matam por coisas muito pequenas, dívidas muito pequenas, desaforo no trânsito, isso é cultural. Precisamos mudar isso. Eu não acredito que a pessoa cometa um crime pensando em ficar presa. Pessoas de bem, que são bem intencionadas, não suportariam ficar uma hora presas. Um homicídio qualificado dá uma pena de pelo menos quatro anos, então voltamos àquela questão da cultura.
Foco Cidade – O atual cenário de insegurança sentido pela população pode ser atenuada de que forma?
Flávio Stringueta - A sociedade se sente segura com policiamento. Não é uma crítica à Polícia Militar, até porque a PM está no mesmo barco que nós em relação à estrutura. Hoje você vê muito pouco uma ronda policial no seu bairro. Existe aquela máxima de que onde tem polícia não tem crime. Isso é quase que certo. Se o policial estiver presente, ele vai prevenir e afastar o criminoso. Se a gente conseguisse colocar o policiamento em todas as esquinas, ainda haveria crimes, mas acredito que a sensação de segurança aumenta. Eu, não como policial, mas como cidadão, como contribuinte, fico feliz quando eu vejo uma viatura abordando pessoas na rua. Ele está ali em uma ação preventiva que vai gerar maior segurança para a sociedade.
Foco Cidade – Mato Grosso, no seu entendimento, deveria ser colocado ma lista de estados que terão apoio da Força Nacional de Segurança?
Flávio Stringueta - Eu acredito que não. A situação está tranquila, na medida do possível, mas com relação a essa animosidade entre as duas facções, o que nós precisamos é investir na estrutura física de presídios. Quem já foi em um presídio, não do sistema RDD, mas nos presídios de segurança média, vemos em estados mais estruturados como São Paulo, que o controle da entrada de celular é muito maior. Eu fui tratar sobre um preso em Marília (SP), e enquanto a máquina detectora de metais não parou de apitar eu não entrei. Eu, delegado de polícia, eles sabiam, deixei meu celular, minha arma, tudo na portaria, e ainda assim apitava o detector de metal. Depois vimos que era por causa do meu sapato. Só entrei depois que tirei o sapato. Isso é você levar a sério a segurança do presídio. Lá deve ser um lugar seguro e, já que lá é um lugar seguro, necessariamente eu não preciso de armas, essa é a ideia.
Foco Cidade – Como o senhor avalia o desempenho do Gaeco nessa seara?
Flávio Stringueta - O Gaeco está agindo dentro daquilo que eu espero dele. Na minha visão a atuação deles poderia ser mais com relação às organizações criminosas, na esfera administrativa, e deixar que essas do Grupo de Combate ao Crime Organizado (GCCO) continue com a gente. Vejo uma atuação exemplar do Gaeco nos crimes, especialmente naqueles cometidos contra a administração pública, com a prisão de figurões do estado. Isso mostra para a sociedade que a impunidade acabou.
Foco Cidade - Já não está na hora de se aprovar um novo Código Penal?
Flávio Stringueta - Sim, uma mudança não só no Código Penal, mas também na Lei de Execuções Penais, que é de 1984. É inadmissível que uma pessoa possa progredir de pena com um sexto apenas cumprido. Só que se houver essa mudança hoje, aumentar o rigor das penas sem melhorar o sistema prisional, sem aumentar o número de vagas, vai gerar ainda mais um caos. Então voltamos lá atrás. Tem que haver uma mudança completa. Porque melhoramos um setor, explode em outro, tem que vazar pra algum lugar. Tem que melhorar o todo. Agora, a sociedade está cansada de ver penas brandas para crimes graves, as pessoas estão cansadas.
Sou contra o desarmamento.
Foco Cidade – Qual sua opinião sobre o desarmamento?
Flávio Stringueta - Sou contra o desarmamento. Não vejo que a arma de fogo é nosso maior problema, não a arma legal. É claro que há os furtos de armas e passam para a clandestinidade. Mas precisamos permitir que a pessoa de bem decida se ela vai querer se defender ou se vai esperar que as forças armadas venham ao socorro dela. Vejamos uma situação em que um pai de família, dentro da casa dele, vê alguém forçando a porta. Ele tem que pegar sua família e se trancar no banheiro esperando que a polícia, já desaparelhada, venha ao seu socorro. A gente tem que dar condições da pessoa possa pelo menos decidir se ela quer ter ali dentro de sua casa uma maneira de defender sua família.
Marco antonio disse:
30 de JaneiroDesculpa de alegado é muleta.se a dele que tem viaturas de sobra armamento imagina as outras
Agnaldo disse:
29 de Janeiroparei de ler no "diz que pessoas de bem...". tipicamente bolsonariano. Eu tenho muito mais medo das "pessoas de bem" e da pessoas que defemdem a "moral e os bons costumes" por que eu tenho consciencia de classe!
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