A relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, historicamente estratégica, entrou em turbulência após a imposição de tarifas adicionais de 50% pelo governo de Donald Trump sobre uma ampla lista de produtos brasileiros. Embora parte das exportações - como suco de laranja, petróleo e aeronaves - tenha sido enquadrada na taxa mínima de 10%, setores-chave do agronegócio, como carne bovina, café, pescado e produtos florestais, estão entre os mais atingidos.
Os Estados Unidos ocupam hoje a terceira posição entre os maiores destinos das exportações do agro brasileiro, atrás apenas de China e União Europeia. Em 2024, as vendas ao mercado americano somaram US$ 12,1 bilhões, cerca de 7,4% da pauta total do setor, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
O impacto das tarifas é expressivo porque os EUA são líderes mundiais no consumo de alguns produtos que dependem fortemente do fornecimento brasileiro. No caso do café, por exemplo, 34% do consumo americano tem origem no Brasil. Apenas com o tarifaço, as perdas para esse segmento podem chegar a US$ 481 milhões em 2025, de acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A carne bovina também figura entre os setores mais impactados pelas medidas. O Brasil é o maior exportador do mundo e tem nos EUA seu segundo maior cliente, atrás da China. Nos primeiros seis meses deste ano, a imposição de uma taxa inicial de 10% já havia provocado queda de 62% nos embarques: de 48 mil toneladas em abril para apenas 18 mil em junho. Com o aumento para 50%, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) estima que os prejuízos possam chegar a US$ 1 bilhão ainda este ano.
O impacto não atinge apenas grandes players. Piscicultura e apicultura, altamente dependentes dos EUA, estão entre os setores mais afetados. O mel, com 80% da produção destinada ao mercado americano e ligado sobretudo à agricultura familiar, corre risco de inviabilidade. A tilápia, que rendeu US$ 59 milhões em exportações em 2024, tinha projeção de liderança nas vendas de filé fresco aos EUA, mas viu essa trajetória comprometida. No setor florestal, os efeitos já incluem cancelamentos de contratos, contêineres retidos em portos, férias coletivas e demissões de funcionários.
Diante desse cenário, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) calcula que as perdas totais do agronegócio brasileiro possam alcançar US$ 5,8 bilhões caso não haja reversão das tarifas. O governo brasileiro acionou a Organização Mundial do Comércio (OMC) para questionar as tarifas e iniciou o processo de aplicação da recém-sancionada Lei da Reciprocidade, que autoriza contramedidas como tarifas equivalentes, suspensão de concessões comerciais e restrições em propriedade intelectual. O Itamaraty notificou oficialmente os EUA e iniciou consultas formais que podem durar meses. Paralelamente, contratou escritório de advocacia norte-americano para representar os interesses do país na disputa.
Ainda que as medidas de retaliação estejam previstas em lei, a orientação de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) é de cautela e diálogo. A justificativa é que tanto Brasil quanto Estados Unidos têm a perder: os consumidores americanos já enfrentam pressões inflacionárias em itens básicos, enquanto produtores brasileiros avaliam a dificuldade de redirecionar grandes volumes de exportação para mercados alternativos em curto prazo.
O cenário atual expõe a vulnerabilidade de cadeias produtivas dependentes de poucos compradores e reforça a necessidade de diversificação. Mais do que uma disputa política, a crise acende um alerta jurídico e econômico: sem previsibilidade e estabilidade comercial, todo o sistema agroexportador se torna suscetível a perdas bilionárias. A busca por acordos multilaterais, a consolidação de novos mercados e a gestão estratégica de riscos contratuais e logísticos serão essenciais para que o Brasil reduza sua exposição a choques unilaterais e preserve a força de um setor que responde por quase metade das exportações nacionais.
*Gilberto Gomes da Silva é advogado, especialista em Direito Civil e Processual Civil, com MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E-mail: gilberto.gomes@irajalacerdaadvogados.com.br
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