O filme “Não olhe para cima”, ficção científica de 2021, retrata um mundo – o nosso mundo – em que a distância entre o real e o Estado é de tal ordem que a negação da ciência é praticamente uma forma de governar. No filme, assim como na realidade, a ciência alerta sobre uma situação catastrófica e iminente, porém, no filme, assim como na realidade, é preferível ignorar.
Isso se reflete de maneira tão tragicamente forte na sociedade que cria blocos de compreensão da realidade de maneira quase religiosa, ou seja, não se trata de viver ou entender a realidade, mas de crer nela. Essa forma de agir é como a tática do avestruz que, ao sinal de perigo, esconde a cabeça num buraco: se eu não vejo o perigo, o perigo também não me vê.
Voltando à realidade. Em Mato Grosso, as esferas de poder vêm se esmerando em enfiar a cabeça no buraco e apresentar, na maior parte das vezes, pelo Poder Executivo de mãos dadas com o Poder Legislativo, legislações que são o avesso das necessidades atuais e, pasmem, muitas vezes com as bênçãos do Poder Judiciário.
Quando mais necessitamos de biodiversidade, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 12/2022) declara a suspensão da criação de Unidades de Conservação em Mato Grosso; enquanto a Crise Hídrica se instala de maneira dramática, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) aprova a Resolução 45/2022 que permite drenos em áreas úmidas, ou seja, tirar a água de onde tem água (e cada vez em menor quantidade, diga-se de passagem).
Enquanto isso, na Assembleia Legislativa tramita o Projeto de Lei 1.833/2023 que diminui a distância de pulverização de agrotóxicos próxima a residências e mananciais; no Tribunal de Justiça, a discussão sobre mineração em área de Reserva Legal, LC 717/2022, aguarda uma decisão sobre a possível realização de uma Audiência Pública, porém… o que passou na Casa de Leis foi uma nova versão, a Lei Complementar 788/2024 que, segundo os conciliadores, traria ganho ambiental, mas… as contradições são tão difíceis de conciliar.
Ainda mais recentemente, o governador de Mato Grosso utilizou a proteção ecológica como pretexto para avançar na degradação: a Lei da Pesca, 12.434/2024, proíbe o exercício da profissão de pescadoras e pescadores, quer dizer estão proibidos de pescar as principais espécies para seu sustento com base numa suposta e nunca comprovada diminuição do estoque pesqueiro. Utilizando a mesma lógica, o governador sancionou a lei que permite agropecuária em Área de Preservação Permanente (APP) com a possibilidade de retirada de mata ciliar para... evitar incêndios(?).
Por falar em incêndios...
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, diante do cenário crítico, convocou estados e União para que apresentassem a forma como estão enfrentando as queimadas na Amazônia e no Pantanal. Detalhe: quase 30% dos incêndios em todo o Brasil ocorrem apenas em Mato Grosso, então, no que diz respeito ao momento político e ecológico, vimos com incredulidade os números do estado e, para nosso espanto, o governador praticamente afirmou que está tudo bem! Ainda que, pelo site do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Mato Grosso haja registros de 18.255 focos de calor, somente em setembro, tristemente contribuindo com os 5.794.738 de hectares incendiados em 2024.
Assim, muito embora o governador esteja festejando, não é o que vemos quando olhamos para os rios, para as APPs, para as Áreas de Proteção Ambiental (APA), quando pesquisamos os percentuais de danos nos três biomas que formam o estado, principalmente o Pantanal. Lembrando que, neste bioma, os incêndios criminosos de 2020 não foram punidos, sequer investigados. Outro lembrete é que, recentemente, o TJMT, ao contrário do que se espera para um criminoso contumaz, não aceitou o pedido de prisão preventiva requerido pelo Ministério Público do Estado, mesmo após 15 autuações por danos ambientais e o desmate químico. Para saber: a área quimicamente desmatada equivale a 80 mil campos de futebol!
Fumaça...
Mais do que uma cortina de fumaça, diferentemente ou até pior do que o filme “Não olhe para cima”, o que o estado de Mato Grosso, através de seus governantes e legisladores, está dizendo é...
Não olhe para a realidade! Se olhar, não veja, mas, se vir, diga que não é real.
Herman Oliveira é secretário executivo do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad).
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