Tenho uma filha, meu tesouro. Não consigo nem imaginar o sentimento do deputado Cattani e da sua família. Minha intenção aqui não é surfar em tragédia, isso é baixo e vil. Quero só destacar que a violência contra a mulher não tem classe social nem nível de instrução. E sabe por que? Porque se aprende em casa. E nossa sociedade precisa acordar e se unir para priorizar esse desaprender.
Meninas que crescem vendo a mãe sofrer violência tendem a se submeter à violência, e meninos que crescem vendo sua mãe sofrer violência tendem a repetir esse comportamento da referência masculina que tiveram. Não é regra, pode ser diferente, mas as árvores dão frutos semelhantes e esse problema precisa ser enfrentado na raiz, na família, antes da criança crescer e formar a sua.
É muito fácil falar dos outros, então vou falar de mim. Nunca vi meu pai levantar a mão pra minha mãe, e nunca levantei a mão pra uma mulher. Sempre achei que violência era isso, até minha filha nascer. Quando ela nasceu, fiquei atormentado por lembranças de ciúme doentio e palavras que machucam. E a violência contra a mulher tem muitas formas, antes de ser física ou mortal.
Quando segurei minha filha no colo pela primeira vez, percebi que nenhum conselho que eu desse a livraria de relacionamentos tóxicos se eu não fosse um bom exemplo em casa, e que ela aceitaria ser tratada da mesma forma que visse eu tratar minha esposa, sua mãe. Fiz terapia, sigo fazendo e nunca serei perfeito, mas sou melhor e nossa família é cada vez mais saudável, graças a Deus.
Falando nEle, muito debatem aquele trecho da Bíblia em Efésios 5:22, "mulheres, sujeitem-se aos seus maridos", mas pouco falamos do versículo 25 que vem na sequência: "maridos, amem suas mulheres, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se a si mesmo por ela".
E pode ter certeza que não agrada a Deus usarem trechos isolados da sua palavra para justificar injustiças e o mal. Se a igreja somos nós, que pecamos o tempo todo, pergunto: Cristo nos ofende e espanca? Não. Cheio de misericórdia com nossos erros, e de graça pra fazer novas todas as coisas, Ele veio por nós, doentes, e para chamar a nós, pecadores, ao arrependimento; está sempre de braços abertos ao filho pródigo que insistimos em ser, a cada tropeço, nos esperando com festa e vestes limpas.
E o assassino? Deve ser condenado à maior pena possível e, se a lei permitisse, poderia passar a vida atrás das grades. Mas não há prisão perpétua no Brasil e terá outros relacionamentos depois que for solto. Como ele, quantos potenciais feminicidas convivem conosco, criando filhos que vão conviver com nossas filhas? Essas crianças e suas futuras famílias não merecem viver diferente?
O problema é mais embaixo e não é novo, por isso está em todos os lugares, credos e classes sociais - em silêncio, atravessou infinitas gerações. Mudar exige tomar consciência do problema. Por isso incluíram na Lei Maria da Penha incisos obrigando o "comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação" e o seu "acompanhamento psicossocial (...) em grupo de apoio".
Não é por eles, mas por elas, seus filhos e filhas, e as famílias do amanhã. Diferente de iniciativas experimentais, os grupos reflexivos para autores de violência contra a mulher já tem comprovada sua eficácia: a reincidência cai de 75% para 5% quando tais homens são obrigados pela Justiça a comparecer. Ou seja: se de cada 20 agressores, 15 reincidiam, apenas 1 de 20 passa a reincidir.
Porém, para que o Judiciário possa obrigar agressores com medida protetiva a participar destes grupos, eles precisam existir e estar em funcionamento na cidade. A Lei n. 6.986/2023 institui os grupos reflexivos em Cuiabá, e além de propor a lei, destinei R$ 250 mil em emenda na LOA para Secretaria da Mulher do município executá-los. Infelizmente, até agora a Prefeitura não fez nada.
Quantas vidas ceifadas antes do tempo na capital já poderiam ter sido salvas em 2024? Quantas mulheres e crianças poderiam estar sendo poupadas de um ambiente familiar nocivo, opressor e violento? Ao não executar os grupos reflexivos, a atual gestão merecia punição por descumprir a Lei Orçamentária Anual mas também pelos resultados disso, inclusive os danos transgeracionais.
Fellipe Corrêa é vereador por Cuiabá-MT pelo PL.
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