Como advogada especializada em recuperação judicial e defensor dos interesses do agronegócio brasileiro, sinto a necessidade de esclarecer pontos cruciais sobre esse instituto, especialmente diante das recentes declarações do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), do Secretário de Política Agrícola do MAPA e do ofício 162/2024/GAB-G emitido pelo mesmo órgão ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para medidas visando orientar a aplicação da Lei 11.101/2005 que rege o instituto da recuperação judicial no Brasil.
Ficou bem claro que as declarações possuem o objetivo final de conter os pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais, sem oferecer qualquer medida efetiva para conter a crise sem precedentes que se instalou no agronegócio brasileiro, devido as adversidades climáticas, queda da cotação internacional e commodities e encarecimento de custos de produção, dentre outras questões.
Apesar de reconhecer os desafios enfrentados pelo agronegócio brasileiro, as declarações em questão negligenciam aspectos fundamentais da recuperação judicial, interpretando-a erroneamente como uma saída para o não cumprimento de obrigações financeiras.
Primeiramente, é imperativo destacar que a recuperação judicial é um direito assegurado às empresas e empresários (leia-se produtores rurais) pela Lei 11.101/2005, e significativamente aprimorado pelas alterações introduzidas pela Lei 14.112 no ano de 2020.
Com foco no agronegócio, principalmente no produtor rural, a legitimidade para poder ingressar com o pedido de recuperação judicial foi construída pela doutrina e jurisprudência ao longo dos últimos 14 anos e com a promulgação da Lei 14.112/2020 não restaram dúvidas a esse respeito. A referida Lei introduziu o § 3º ao art. 48, que admite a comprovação do exercício da atividade rural para fins de recuperação judicial, por meio do Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial.
Desde então, segundo dados de um estudo realizado no programa de pós-graduação em Agronegócios da USP, não houve um aumento na taxa de juros ou falta de pagamento por parte de Produtores Rurais. Diferente disso, os números demonstram uma queda na inadimplência, evidenciando que o processo de recuperação judicial não tem qualquer impacto negativo no mercado de crédito ou taxa de inadimplência.
Certo é que a legislação está prestes a completar 20 anos de vigência e já socorreu inúmeras empresas e empresários em dificuldades financeiras, possibilitando a reestruturação das dívidas e a superação da crise por meio da preservação de suas atividades econômicas e, consequentemente, manutenção de empregos, contribuindo para a economia como um todo, objetivo estampado na própria Lei em seu artigo 47.
Portanto, convém ressaltar que recuperação judicial não é um mecanismo de impunidade, calote ou evasão fiscal, mas sim um recurso legal que permite a reorganização financeira e operacional do produtor rural, essencial para a continuidade de suas atividades. Desconsiderar sua relevância ou tratá-la como abuso é ignorar todos os anos de vigência da Lei que já socorreu empresários de inúmeros outros setores da economia brasileira.
Restringir o uso desse instituto pelos produtores rurais não resolve a crise no agronegócio e apenas beneficia alguns poucos agentes capitalizados, que poderiam facilmente satisfazer suas dívidas devido à solidez das garantias oferecidas, em detrimento das muitas famílias que dependem das atividades rurais para sua própria subsistência.
Dra. Isabella Nunes – DASA Advogados.
Sobre o tema, a DASA Advogados tomou a frente e se uniu a diversos outros escritórios de advocacia atuantes em processos de recuperação judicial, assinou à Nota de Esclarecimento sobre a Recuperação Judicial de Produtores Rurais, onde são pontuados todos os aspectos relevantes para o conhecimento dos produtores rurais brasileiros e todos os players do segmento.
Texto atualizado às 8h52 (22/3)
Ainda não há comentários.