Não gastarei seu tempo falando demais sobre o que você está cansado de ouvir, pois a invasão da Ucrânia dominou os noticiários tal qual a pandemia o fez anteriormente. Mas alguns pontos eu preciso esclarecer: Putin entrou pra KGB em 1975, teve destaque na contrainteligência da URSS, e desapareceu de cena após a queda do muro de Berlim; reapareceu no fim do governo Yeltsin e, do fim dos anos 90 pra cá, não saiu do poder - ora 1º ministro, ora presidente. Putin representa muitos russos saudosos da visão alimentada por décadas pelo regime soviético, de uma mãe Rússia poderosa - e ainda que enfrente protestos, ele tem muito apoio popular.
A Rússia herdou da União Soviética um arsenal nuclear de uma dezena de milhares de ogivas, semelhante ao total somado do Ocidente; num conflito dessa natureza, faltaria planeta para destruir com tanta bomba. E o problema na Ucrânia começa aí: após se separar da URSS, a Ucrânia devolveu 3 mil ogivas que estavam em seu território para a Rússia depois de ambas assinarem junto com EUA e Grã-Bretanha o Memorando de Budapeste, em 1994; portanto, independente de não fazer parte da Otan, a Ucrânia teve a garantia dos outros 3 signatários quanto à sua integridade territorial - e o desrespeito a isso começou em 2014, na Criméia.
Se acho que isso justifica uma intervenção da Otan? Jamais. Na verdade, tudo começa com a tentativa de atrair a Ucrânia para a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Para não perder tempo no assunto, basta lembrar da crise dos mísseis em Cuba, durante a Guerra Fria: se os Estados Unidos não aceitaram que a URSS fizesse a ilha próxima de Miami de base militar, por que a Rússia deveria aceitar o mesmo na sua fronteira? Pois é. Mas agora que a lambança está feita, resta ao Ocidente ajudar a Ucrânia indiretamente, pois diretamente será uma 3ª guerra mundial. Uma nova Guerra Fria, como foi nas Coreias, Vietnã e Oriente Médio. Pobre Ucrânia.
Porém, Putin não tem ameaçado usar armas nucleares apenas se a Otan intervir, diretamente. Ao mandar deixar as ogivas “no jeito”, ele as chamou de "armas de dissuasão", porque bomba atômica faz cidades desaparecerem: é arma de extermínio, não de combate - serve pra fazer o outro lado desistir. Sabe Hiroshima e Nagasaki? Após Pearl Harbor, os EUA decidiram invadir o Japão e se depararam com um povo pronto para morrer em defesa da sua terra, a exemplo dos kamikazes. Usaram as bombas para dar o recado, e o imperador japonês se rendeu. Havendo resistência em Kiev, pode ocorrer o mesmo? Eu espero que não. Mas não será a 1ª vez, né?
Recentemente, o ministro das Relações Exteriores da Rússia fez a mesma ameaça, contudo em relação às sanções econômicas. E isto sim é diferente da Guerra Fria, pois naquele tempo isso era o padrão: bloquear as relações comerciais entre os países do bloco comunista e capitalista. Lembra da Glasnost e da Perestroika no ensino médio? A primeira foi a reabertura política, e a segunda foi a reabertura econômica – esta última é a que colocou a Rússia de volta no mercado internacional, coisa que a China também fez (mas não fez a reabertura política, mantendo-se lá um partido único). A reabertura tirou ambos da penúria para a opulência econômica atual.
Poderíamos passar horas falando de mais detalhes, de como Putin desmontou as máfias russas e retomou setores essenciais da economia local para as mãos de seus aliados, sobre repressão às liberdades individuais na Rússia e China, e etc. Mas o que importava ser dito o foi, pelo menos para deixar claro que esta guerra é apenas o prelúdio da queda de braço que nos aguarda. Disso, entramos no verdadeiro assunto deste artigo: que presidente queremos em uma eventual 3ª guerra mundial? Vejo três requisitos fundamentais na escolha das eleições deste ano - um 4º já foi sanado por Juscelino Kubistchek: transferir a capital federal para longe do litoral; visionário!
O primeiro requisito é não meter, em hipótese nenhuma, nosso país em conflitos que não nos pertençam. É diferente de condenar a invasão da Ucrânia, por exemplo. E é diferente também de abraçar a Rússia e a China, ou a Otan, em especial militarmente. Exemplo melhor não há do que a bravata de mudar a Embaixada Brasileira para Jerusalém, seguindo Trump: que bom que aqui não tem terrorismo xiita, e devemos nos esforçar pra que continue não existindo. O recente “rolê” dos blindados decrépitos na Praça dos 3 Poderes prova que temos muito a fazer só para defender o nosso território continental - quanto mais para entrar em briga de cachorro grande.
O segundo é um compromisso real em reconstruir a essência nacional de país tolerante – não com a corrupção e cia, mas com a diversidade: de credo, de opinião, de visão política, e etc. A miscigenação que nos deu origem nos faz um país tolerante por excelência, mas isso se perde mais a cada dia na polarização insana que vivemos. Se nem a Rússia de Lênin e nem a China de Mao existem mais após a reabertura econômica, por que ainda há quem combata o comunismo no Brasil? Essa confusão gera uma divisão artificial que nos impede de debater o que importa para escolhermos o melhor projeto de país (incluindo não nos meter em uma guerra global).
Por fim, o 3º requisito é ter uma bandeira que não dá voto, mas dará resultado: ensinar nas escolas o que cai de direito constitucional em um concurso de nível médio. Quem não aprende português e matemática se dá mal na vida profissional, mas quem não sabe para que servem aqueles que elege, prejudica a todos – e o voto do instruído e do ignorante tem o mesmo valor. Se nada disso é ensinado na escola, como quem não sabe vai ensinar em casa? Por isso há médicos que sabem tanto quanto um semianalfabeto sobre o papel dos Poderes. Veja: a democracia só funcionará a contento se todos aprenderem na educação básica sobre o contrato social que assinaram ao nascer. Todos.
Inclusive, este último requisito é uma prioridade que não se aplica apenas ao Brasil, mas ao Ocidente: o crescimento econômico meteórico da China coloca em xeque a democracia, e permite que alguns pensem: “de que adianta votar e ter legislativo e as liberdades individuais, se quem não tem nada disso consegue resultados melhores?” Ilusão. E quem vai pras ruas no Brasil para pedir intervenção militar nesse mesmo raciocínio, esquece que está exercendo sua liberdade de expressão para pedir o fim de todas as liberdade para todos os demais. Autocracia ou totalitarismo é regredir. A guerra que esta geração precisa travar é para fazer a democracia funcionar. É a nossa missão.
Fellipe Corrêa é 2° suplente de vereador por Cuiabá pelo Cidadania. Redes sociais: @fellipecorreamt
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