No cenário brasileiro, com características marcadas pela desigualdade social e conflitos, torna-se imperativo que o Estado intervenha para garantir a ordem e a segurança pública, buscando soluções eficientes e rápidas. Nesse contexto, a aplicação de modelos de gestão administrativa, tanto no setor público quanto no privado, tem sido adotada em diversas partes do mundo, com o intuito de aprimorar as atividades policiais.
A transparência e a publicidade das ações estatais são princípios fundamentais em um Estado Democrático de Direito, aproximando a população das instituições policiais. No entanto, para garantir um controle social efetivo da Administração Pública, é necessário ir além da simples divulgação dos atos, exigindo-se um maior nível de detalhamento e coesão na gestão.
A gestão por resultados, que engloba a coleta, administração e análise de dados das atividades policiais, aliada ao uso de indicadores de desempenho, tem se mostrado uma abordagem eficaz para melhorar a qualidade do serviço público. Contudo, é importante ressaltar que, no caso da Polícia Judiciária, essa mudança demanda o estabelecimento de parâmetros diferentes dos já utilizados, uma vez que o trabalho de investigação não está diretamente relacionado aos índices de criminalidade.
Enquanto os índices de criminalidade são dados estatísticos que medem a incidência de crimes em determinada região, o trabalho de investigação policial é voltado para identificar os culpados por esses crimes e reunir provas que subsidiem os processos judiciais. Assim, o objetivo principal da investigação é reunir evidências sólidas o suficiente para embasar uma acusação criminal.
É possível que em determinados momentos, os índices de criminalidade estejam em declínio, o que pode levar à suposição de que o trabalho investigativo está sendo eficiente. No entanto, é importante destacar que isso nem sempre é uma correlação direta. Um baixo índice de criminalidade pode ser resultado de fatores diversos, como redução de oportunidades, aumento do grau de conscientização da população ou mudanças socioeconômicas.
Além disso, é preciso levar em consideração que muitos crimes não são reportados ou não chegam ao conhecimento das autoridades policiais. Isso pode ser influenciado por diversos fatores, como medo de retaliação, falta de confiança no sistema de justiça ou mesmo falta de acesso a mecanismos de denúncia adequados. Dessa forma, é importante salientar que os índices de criminalidade por si só não podem ser um indicador direto da eficácia do trabalho investigativo.
O trabalho de investigação policial exige conhecimento técnico na análise minuciosa de evidências, entrevistas, pesquisa e coleta de informações. O foco está em identificar os responsáveis pelos crimes e reunir as provas necessárias para levar à justiça. Ele busca trazer justiça para as vítimas, responsabilizar os culpados e, consequentemente, colaborar para a construção de uma sociedade mais segura. A eficácia desse trabalho está nos resultados obtidos após um processo minucioso, que se concentra na busca da verdade e na aplicação da lei.
Nesse contexto, a inteligência policial desempenha um papel fundamental, fornecendo informações relevantes sobre os tipos de crimes, suas localizações e frequência, que merecem uma atenção especial por parte das forças policiais. Com base nesse conhecimento, é possível racionalizar as ações policiais e alcançar uma maior efetividade na redução dos índices de criminalidade, aumentando, consequentemente, a segurança da população.
Além disso, o uso de indicadores de desempenho deve considerar as particularidades da Polícia Judiciária. Diferentemente de outras forças policiais, cujo trabalho está mais voltado para a prevenção e repressão imediata de crimes, a Polícia Judiciária concentra-se na investigação e na coleta de provas para a responsabilização criminal. Portanto, os indicadores utilizados devem estar alinhados com os objetivos e especificidades desse trabalho, levando em conta não apenas a quantidade de casos solucionados, mas também a qualidade e a profundidade das investigações.
Com base na análise dos indicadores de desempenho, torna-se possível identificar eventuais pontos fracos ou falhas no trabalho policial. A partir dessas informações, são definidas medidas corretivas que visam aprimorar os processos e garantir uma atuação mais eficiente. Essas medidas podem incluir investimentos em capacitação, redistribuição de recursos, revisão de procedimentos e estabelecimento de parcerias estratégicas.
Em suma, a utilização de indicadores de desempenho na gestão policial é uma abordagem positiva para elevar a qualidade do trabalho desenvolvido. Contudo, é imprescindível que essa busca por eficiência seja feita de forma crítica e integrada a outras informações e ações, dentro de uma política pública bem estruturada. Somente assim será possível avaliar, aprimorar e corrigir as atividades da Polícia Judiciária, visando sempre à garantia da segurança e ao bem-estar da sociedade.
*Raquel Gallinati é Delegada de Polícia; pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia; Diretora da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol) do Brasil; e embaixadora do Projeto Mulheres no Tatame e Instituto Pró-Vítima.
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