Recentemente recebemos o seguinte questionamento:
O artigo 39 parágrafo 9° diz que é vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança.
Ocorre que no meu município essas gratificações vinham sendo incorporadas as aposentadorias, mesmo a legislação local vedando essa incorporação, baseado somente no fato de que incidia contribuição pra o RPPS em cima dessas gratificações. Portanto gostaria de saber se é legal a abertura de procedimento administrativo pra cessar essas gratificações de quem já as recebe a um certo tempo e se é legal também vedar a incorporação para aqueles que vierem a se aposentar já que a lei local não dá direito a levar essas gratificações para aposentadoria; sendo que o município incidiu o desconto da contribuição em cima dessas gratificações, desconto esse que foi cessado recentemente pela administração municipal.
Com o advento da reforma da previdência por intermédio da Emenda Constitucional n.º 103/19 foi estabelecida a vedação de incorporações aos proventos de aposentadoria, nos seguintes termos:
Art. 39 ...
§ 9º É vedada a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo.
Proibição essa que não tem o condão de alcançar aquelas que ocorreram em período anterior à referida Emenda, como se depreende do teor do artigo 13 da reforma de 2.019, razão pela qual o período pretérito deve ser regulado pela legislação local de cada Ente Federado e pelo entendimento sedimentado pela Corte Suprema em sede de repercussão geral com a seguinte tese:
Não incide contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como terço de férias, serviços extraordinários, adicional noturno e adicional de insalubridade.
De outra monta a Administração Pública possui o poder de autotutela cuja maior representação está materializada na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal cujo teor é o seguinte:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Portanto, em restando evidenciada a existência de contrariedade à Lei ou à Constituição Federal, vigentes no período pretérito à Emenda Constitucional n.º 103/19, no cálculo dos proventos, é possível a instauração de procedimento administrativo com o objetivo de rever os atos anteriormente praticados.
Sendo necessário, contudo, a observância do contraditório e da ampla defesa em favor do segurado e também as questões de envolvem a prescrição do direito de a Administração Pública rever seus próprios autos, as quais serão analisadas caso a caso.
Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso - MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, da APEPREV e da APPEAL; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288 - www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor), para os sites fococidade.com.br e entrefala.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr, do livro A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS (editora Alteridade) e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.
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