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A vida como ela é...

  • Artigo por Gonçalo Antunes de Barros Neto
  • 06/06/2022 08:06:10
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A domesticação dos dominados (Weber) é o propósito maior de quem detém o poder. Os símbolos utilizados e que dão referenciais às instituições, coisas e costumes fazem parte da estratégica de perpetuação da dominação.

Os símbolos foram construídos tendo como objetivo sedimentar as estruturas de dominação, tornando-as consensuais, de forma que os dominados não se apercebam dos interesses por trás dos referenciais. Portanto, infirmá-los deve ser acompanhado de tempo (paciência) e muita disposição (pragmatismo).

É preciso exercitar a reflexão para desnudar e enxergar o tamanho e os movimentos desse “poder simbólico”, invisível que é; até por ser completamente ignorado. A manipulação sempre está presente sobre o significante e o significado, podendo-se exemplificar: a bandeira nacional, o hino, brasões e até o discurso de soberania. 

É forçoso reconhecer que essa estratégia manipuladora não tem camisa ideológica, é exercida por quem se assenhora do poder. Qualquer um em posição de autoridade dela se apodera, e, quanto maior o grau de importância do cargo, maior efetividade e abrangência quanto às consequências.

O poder simbólico é um poder de construção da realidade (Pierre Bourdieu) e exerce o controle da conformação, do conformismo lógico (Durkheim), ou seja, uma concepção homogênea do tempo e do espaço que torna possível a concordância entre senso e consenso.

O sistema simbólico se assenta na coesão, na integração social, portanto, tem função social. É seu objetivo e razão da sua existência. A farda, a toga, as vestes talhares, a batina etc., fazem parte de sua representação e presença.

Todo o sistema jurídico é montado dentro desse “consenso” e, para que não haja contestação, o uso da força pelo Estado faz parte das possibilidades de reação, justamente para que a oposição não seja efetiva e forte. As polícias e as Forças Armadas, ainda que seus agentes não tenham consciência disso, encenam esse papel. 

A imigração das ideias raramente se faz sem danos (Marx), razão da necessidade de se desencadear um processo de emparedamento das produções culturais e do sistema de referências teóricos, ainda que haja desconforto social.

Os magistrados e magistradas, e as exceções são raríssimas, não têm consciência do papel que representam dentro do sistema simbólico, de reprodução de seus valores, possibilitando, também, a produção de novas ideias a alicerçá-lo. A cada investida de novos paradigmas a confrontá-lo, seus ideários entram em cena, criando infinitas possibilidades de conformação.

A própria seleção de novos agentes do sistema de justiça passa pela justificativa de que a seleção atende a critérios objetivos e uniformes. São universais e garante a igualdade de todos. Isso tudo é manifestação do poder simbólico, dando ensejo à resignação social. Em nenhum momento se discutirá as estruturas de pensamento da classe média (reacionária, religiosa e sem autocrítica, entendendo-se como “elite”), principal fornecedora de mão de obra intelectual a ocupar os postos de autoridade dentro da quadra jurídica, e muito menos seus privilégios educacionais frente aos mais pobres.

A crença na legitimidade desses cargos e no seu exercício é fundamental para o poder simbólico. E a linguagem tem seu papel definidor. Mas para quem conhece o sistema de justiça de perto, sabe da fraqueza e do despreparo de muitos, que só conhecem o dogma emanado pelo constitucionalismo conservador e legitimador das diferenças de classe, excluidor de qualquer possibilidade de ascensão dos que ocupam o andar de baixo da escala econômica.

De vez em quando elegem (os criadores de símbolos) alguém, pobre, que passou em determinado concurso como símbolo da eficiência e justeza do sistema. Torna-se propagador simplório da destruição dos sonhos de seus antigos “iguais”.

Que os de cabelos e barbas, unhas e dentes bem aparados, arejados e brilhantes, entendam, de uma vez por todas, que o limite da audácia é a ponta do aço. Um dia a maioria será uma maioria consciente e, daí por diante, os privilegiados de hoje clamarão pelos direitos dos grupos minoritários ou mesmo dos excluídos. Eles também o serão...

É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto é graduado e professor de Filosofia, magistrado e escreve aos domingos em A Gazeta (email: bedelho.filosofico@gmail.com).   



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