• Cuiabá, 13 de Fevereiro - 00:00:00

Viu a Banda Passar?

O viver em democracia é imperiosamente exigente. Exige-se não apenas das instituições, nem tão somente dos agentes políticos e dos agentes públicos, mas também de todo o conjunto da população. Aliás, a democracia não brota, nem avança com meia dúzia de integrantes da comunidade. Tampouco veio em uma bandeja como presente, muito menos passou a funcionar por meio de decreto ou de uma canetada de um Manda-Chuva.

Mas, isto sim, pela conquista. Conquista da coletividade. Coletividade que tem desejos, vontades que, custosamente, se tornaram reivindicações, e, depois de lutas, transformam em direitos. Direitos garantidos, inclusive no estatuto do Estado, mas não assegurados. Por isso, claro, não deve acomodar-se, tampouco dormir “em berço esplêndido”, sempre “ao som do mar e à luz do céu profundo”. Ainda que se tenha, e têm mesmo “risonhos, lindos campos” com “mais flores” e os “bosques”, “mais vida, no teu seio mais amores” – decantada pelo hino nacional.

Até porque ao se deitar despreocupadamente, corre-se o risco de perder muita coisa, não apenas “a banda passar, cantando coisas de amor”, como diria Chico Buarque em uma de suas canções sob o título “A Banda”, mas igualmente a beleza da natureza, agredida corriqueiramente pelo motosserra, que deflora as matas, os bosques, apagando o “raio vívido”, destruindo o “formoso céu, risonho e límpido a imagem do Cruzeiro”.

 Nada, então, ficou como antes. Pois no antes, inexistiam clarões em razão das árvores derrubadas, do fogo que do cerrado alcançou o pantanal e a Amazônia. Nuvens escuras de fumaça contaminaram à abobada. Mudou o clima. Atingiu gente da cidade, asfixiando-se. Tanto que ficou sem forças para se despedir “da dor”, até o “velho fraco” foi incapaz de se esquecer “do cansaço”, e, por isso, não saiu “no terraço”, embora igualmente “dançou”, mas de tristeza ao assistir a morte de rios e o padecer de partes da fauna e da flora, queimadas pela ganância e pela bênção da “mão invisível do Estado”.

Quase tudo “que era doce acabou”. Até “o Sol da liberdade, em raios fúlgidos”, deixou de “brilhar no céu da pátria”, bem como para milhões de conterrâneos na fila da insegurança alimentar. Fila que cresce assustadoramente, e tende a ser muito maior em razão da perda “da esperança”, da autoestima e da descrença no futuro, ainda que não mais cultuam as lembranças da “glória do passado”. Passado esquecido por quem jamais deveriam esquecê-lo, a não ser aquilo que imaginou ser verdade ou vendido como real, mesmo despido de qualquer lastro.

Há um verniz. Maquiagem. Ostentam uma aparência, sem que haja “o lábaro que ostentas estrelado”, e “diga o verde-louro”, “paz no futuro”. Um futuro corroído pela descrença, desconfiança no governo de pagar suas dívidas sem inflação, o que afugenta parte dos investimentos.

Inflação crescente, enquanto a economia capenga a passos de tartaruga, com gastos públicos sempre maiores, o que levou a estourar com o teto de gastos – fruto da Emenda Constitucional 95-2016, que promoveu um novo regime fiscal, estabelecendo limites para as despesas públicas federais, ao menos para os próximos vinte exercícios. Teto, no entanto, quebrado, estourado, arrebentado por conta eleitoreiro.

Reeleição acima do interesse coletivo. Interesse, aliás, nunca levado a sério pelos agentes político-públicos. Interesse sempre relegado ao vigésimo plano, ainda que haja toda uma oração, usada para ludibriar a população, sempre sob o cântico de “Pátria amada”, porém de prática completamente distorcida daquilo que dizem a torto e a direito. Pobre povo! É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.



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