• Cuiabá, 23 de Março - 00:00:00

O Espetáculo

O jogo político-eleitoral é um espetáculo. Jamais deixou de sê-lo, ou deixará tal condição. Como todo espetáculo, conta com atores e espectadores. Atores que dependem da aprovação dos espectadores. Estes, porém, nem sempre, os aplaudem. Mesmo diante do jogo de imagens e do malabarismo de palavras bastante utilizadas pelos políticos. Isto contribui, e muito para que o discurso político se fortalecesse, de fato, no que costumeiramente é tido: “o lugar de um jogo de máscaras”.

O que leva o eleitorado sempre a se precaver, a dar um passo para trás, e a ser cotidianamente eleitor-sujeito, jamais eleitor-objeto. Eleitor-sujeito com potencialidade para não tomar ao pé da letra cada palavra pronunciada no espaço da política, e se ater também pelo que ela – a palavra – não diz. Recomendação antiga. Tão antiga quanto o próprio jogo político. Reforçada por Charaudeau. Contudo, nem assim seguida. Pois uma porção, muitíssimo grande de eleitores, prefere se comportar tão somente como torcedor.  

E, ao ser torcedor, abre mão da razão, da criticidade e de sujeito da própria ação, uma vez que esta, no espaço da política, sempre estará voltada a favor do seu político de estimação, sem que venha a levar em consideração os desacertos de seus “ídolos”, suas pregações desacompanhadas de qualquer racionalidade, bravatas e falsas verdades. A ponto de considerar suas mentiras como se verdades fossem. Condição que transforma o eleitor-torcedor em presa fácil, engaiolado, preso a arapuca dos interesses imediatos e individuais ou grupais do político “A”, “B” ou “C”.

Situação complicada. Bem mais quando se volta ao início deste texto, e tem o jogo político como espetáculo que, aliás, o é verdadeiramente. Não apenas em função da espetacularização de quase todas as manifestações de quem passou a ser chamado de político, o qual também foi eleito ou para chefiar a administração pública ou para representar a população no Parlamento municipal, estadual e federal.

A espetacularização permanece em qualquer uma dessas situações. Não deveria. Mas, infelizmente, acontece permanentemente, e ocorre tanto nas situações de maior formalidade quanto nas de luto, cuja ferida, no seio da família da perda, jamais será cicatrizada, nem mesmo com o tempo. Pois a ausência de quem se foram será sempre sentida pelos que ficaram. O que realça a insensibilidade. Insensibilidade diante de milhares pessoas que perderam suas vidas para o coronavírus, tornando órfãos muitos rebentos, viúvas muitas esposas, viúvos esposos, provocando choros desesperados de pais diante do vazio das camas de seus filhos. Tudo isso registrado pelas redes sociais.  

Redes sociais que transformam o desconhecido de ontem em celebridade no dia seguinte, com milhares de seguidores, ainda que nada tenha feito de proveitoso, ou produzido, nem mesmo para quadra em que mora, ou sua comunidade. Redes sociais que igualmente tornam candidatos-medíocres em eleitos com votação expressiva para o Congresso Nacional, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras de Vereadores.

São também as redes sociais que transformam parlamentares sem importância alguma em famosos e fundamentais, a despeito de suas insignificâncias. Invertem-se a ordem das coisas, com a habilidade política substituída pela habilidade da fanfarronice.

Negativo que também pode ser revelado como retrato nas eleições vindouras, até porque não acabou a ostentação do exagero, da mentira, bazófia, bravata e da jactância. Nesse processo de inversão de valores, a mediocridade ganha peso e relevância, o que reforça a condição de faz-de-conta do país, e o jogo político reduzido em espetáculo. Espetáculo, cujos atores dependem dos espectadores, mas a política, como espetáculo, carece de críticos, de analistas e de estudiosos. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.         



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