No lugar comum das vaidades humanas, o recato sempre teve seu destaque. O ambiente recluso, familiar, é caro aos que se preservam do avanço das críticas infundadas.
Aliás, delas tentou escapar o saudoso ministro Teori Zavascki do STF, buscando entre os pares o perfil da discrição. Não conseguiu de todo, mas deixou legados, destacando-se o da sobriedade.
Seja no Direito ou na vida social a importância dada aos assaques das injurias, calunias e difamações, se fizeram caros com a criação de mecanismos legais ou morais de anteparo.
Contudo, apesar de parecer contraditório, o mal uso dos instrumentos legais está jogando a sociedade numa confortável vestal de individualismo que, ao invés de trazer felicidade, produz ressentimentos. Nunca se imaginou haver excesso democrático ou mesmo de direitos numa jornada contemporânea pró-solidariedade. Mas há, infelizmente (recomendo a leitura do livro de Pondé, A Era do Ressentimento).
Acontece que tudo mudou. Não há mais honra que se preserve imaculada e nem ambiente que persevere na paz dos esquecidos, pois o direito de crítica, de manifestação, está transformando ignorantes em entendidos. Recato e esquecimento é coisa do passado. Uma nota, um apontamento, é suficiente para ganhar o mundo nos arquivos digitais.
Claro está que os erros, as atitudes ilegais e imorais, o abuso de autoridade, dentre outros, deve ser combatido, sempre e sempre. Não se cuida disso, aqui, mas da crítica infundada de quem pensa tudo saber e ainda quer emprestar ‘conhecimento’ aos outros.
A idiotice é acreditar na indiferença do tempo. Estamos todos amarrados a uma mesma sementeira, a dos frutos duvidosos, dos boatos, das injustiças e dos farisaicos e autoritários comentários dos que se arrotam no dever da língua felina.
Segundo Jeremy Bentham, a natureza colocou a espécie humana sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. Acrescentaria nisso a dor dos masoquistas e o prazer dos sádicos. A história é desenhada por essas figuras.
O medo (dor) das críticas está sendo elevado a patamares nunca vistos. Ninguém se dá à aventura, arriscar-se pelo sonho é coisa do passado. Somente os masoquistas o fazem, vivem às margens do politicamente correto.
O prazer, também, tem seu viés na tragédia humana. Sentir-se realizado e feliz causa espécie e pode naufragar diante de uma calúnia. O sucesso cria inimigo, parece ser ofensa pessoal (Tom Jobim), o conhecimento traz aborrecimentos. Os sádicos estão a postos, gostam da miséria alheia, zombam da inveja e são ouvidos.
A sociedade atual é de risco, não se pode ‘ser’ simplesmente por agregar parcela do ‘ser’ do outro, num interminável feixe de direitos recíprocos. Ao mesmo tempo, num instante, o recato e a simplicidade de sua vida podem mudar, sem dó e piedade.
Somos apenas números numa comunhão de estatísticas. O mundo passou a ser dos audaciosos que subjugam o sofrimento próprio ou de terceiro. Há um preço a ser pago, desespero e ressentimento.
Isso tudo me faz lembrar Kant, que afirmou: ‘Não ensino para gênios, pois sendo estes tão bem dotados abrirão seu caminho por conta própria; nem para estúpidos, porque não valem a pena; mas ensino em benefício daqueles que se encontram entre essas duas classes e querem estar preparados para seu futuro...’.
O mundo vai tendo sua lógica e, aqui na planície, também temos a nossa.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito, autor da pagina Bedelho.Filosófico do Face, Insta e You Tube e escreve aos domingos em A Gazeta (email: antunesdebarros@hotmail.com).
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