A vida em sociedade não é tarefa fácil. Ninguém disse que era, ou que deveria sê-lo. Mesmo assim, pessoas continuam a viver em grupos. E não tem o porquê mudar, o ser diferente, embora alguém possa viver sozinho em casa, mas não alheia ao grupo, até por necessidades de outrem, ou isolados no meio da floresta, a exemplo da comunidade Wild Roots, no oeste do Estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Afinal, o homem veio ao mundo inserido em família, ainda que esta não tenha mais do que um, dois ou três membros, mesmo assim, não deixa de ser um núcleo familiar, com sua história e vivencia própria e bem particular. E todo viver, ainda que não se queira, requer uma escolha. Escolhe-se, mesmo não tendo opções, e nem sempre se tem. Caminha-se, e pronto.
O caminhar é uma expressão ou um sopro do livre-alvedrio, o qual denota a vontade livre de escolha, de decisões, independentemente de se tomar partido no embate de Agostinho contra os pelagianos. A liberdade é um bem imprescindível. Torna-se o humano mais humano. Ainda que haja, e sempre há empecilhos, tanto do ponto de vista social, econômico, político, ou os promovidos pela intolerância e pelo preconceito, que são até mais severos que aqueles três primeiros, a ponto de destruírem o alicerce, a argamassa e os tijolinhos da construção do Estado democrático.
Este se ergue nos canteiros da liberdade, ao contrário das ditaduras e do totalitarismo, as quais peiam as pessoas e as jogam no interior da caverna, onde a realidade, no dizer de Platão, não passa de sombras, sombras das imagens que, através das frestas, veem lá de fora. E aí, esvaiu-se o agir livremente, e, então, neste estado, até os sonhos são fragmentados e as narrativas, quebradas. Urge-se alcançar o topo da caverna, e desta o salto para o mundo lá de fora, cujas realidades são bem outras, norteadas pelas passagens das águas, ainda que exista, e sempre existirá quem queira mudar-lhes o curso, até para tirar proveito da situação, e tira com meias-verdades, com lorotas, “história da carochinha”, ou o “conto do vigário”.
Massificadas ao extremo. Bem mais fácil agora, sob o signo das redes sociais. Arruma seguidores, e estes atraem outros, e mais outros. De repente, a corrente está enorme, capaz de apossar-se da “res publica”, e esta, uma vez feita de refém, aprisiona-se as minorias, limitando seus sonhos, ainda que sonhados, fragmenta o pensar, estreita-se o campo das ciências, e os que reagem a isso e se posicionam contra, são excluídos, logo estigmatizados “disso” ou “daquilo”.
Instala-se, desse modo, a divisão. Divisão entre os que são a favor e os que são contra. O que favorece sobremaneira “os novos donos do poder”, que se apropriam indevidamente dos símbolos e das coisas da e do amor pela pátria. Autoproclamam-se como “patriotas”, ainda que sejam de “araque”; ao passo que os demais, mesmo sendo a maioria, ou minoria, pouco importam, não os são (não considerados por eles?). Novamente, a divisão. Divisão, bastante semelhante a que se vê nas arenas, com as torcidas “A” e a “B”, acomodadas, passam a gritar, ovacionar seu time de estimação, e a vaiarem o dos adversários.
Mas a sociedade não pode, nem deve ser dividida em torcidas, e o país, muito menos, em uma arena. Isto, porém, não retira o direito que alguém tem em demonstrar ou não seu amor a um time de futebol, a um dado artista, etc., etc. Torcer-se é uma ação, ação movida pela liberdade de escolha, gerada no ventre da vontade. Mas, quando essa condição de torcedor é levada para o espaço público, onde ocorre o jogo político, as disputas eleitorais, o prejuízo é imensurável. Isto porque o prejuízo não é apenas para uma pessoa, ou meia dúzia, mas para o conjunto das pessoas, além de minar gradativamente a condição de cidadão, que é uma conquista, não uma dádiva, nem um presente, servido em uma badeja. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br.
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