No final da década de 1980, quando o Brasil se preparava para eleger diretamente seu primeiro presidente após a ditadura militar, o genial ator Lima Duarte deu vida, em uma telenovela, ao personagem Sassá Mutema, o Salvador da Pátria. Mais do que apenas uma obra de ficção, a ideia dialoga com um pensamento coletivo que persiste até os dias de hoje, o de que em um momento qualquer, um grande líder assumirá a nação e nos salvará de todas as mazelas vividas. É pena que isso nunca ocorrerá.
Ao longo destes 30 anos, já elegemos um caçador de marajás, um presidente que ajudou a estabilizar nossa moeda, aquele que defendia que a esperança venceria o medo e, por fim, um presidente que promete colocar o Brasil acima de tudo. Analisando sem paixão, nenhum deles foi ou é o salvador da pátria, todos eles cometeram erros e acertos e foram estes erros e acertos que nos trouxeram aos dias de hoje.
A crença, ao longo dos anos, de que algum deles seria nosso líder supremo, que algum deles seria o nosso salvador, nos cegou em vários momentos da história. Embora o slogan seja usado para falar de um político que nunca foi presidente, o “rouba, mas faz” foi e é usado pelos defensores destes políticos para justificar erros, deslizes, desacertos e até malfeitos, o que atrapalha em muito nosso amadurecimento enquanto democracia.
O que se vê hoje em dia nas redes sociais é uma radicalização enorme, um desejo de exterminar aquele que pensa diferente, sob os mais variados pretextos. O resultado disso, ao invés de um país melhor, são famílias divididas, amizades rompidas, relacionamentos acabados, tudo porque somos incapazes de reconhecer a humanidade de nossos gestores e a importância da divergência para o amadurecimento.
Como eu já disse em artigos anteriores, não importa se você pensa que o Estado deve agir em todas as áreas, nem se você pensa justamente o contrário, que o Estado deve prover apenas o essencial. Precisamos que ele seja eficiente e esta eficiência não se alcança enquanto tratarmos os gestores públicos como nossos amores, ou como nossos ódios. É preciso ser mais racional.
Precisamos ter maturidade e entender que nossos governantes, aqueles em quem votamos de tempos em tempos, são tão humanos quanto nós. Eles erram, acertam, buscam resolver os problemas da nossa sociedade, melhorar nossa condição de vida, oferecer serviços públicos de qualidade, mas isso não os coloca em um pedestal, não faz deles deuses, inatingíveis, inacessíveis.
Ter um político de estimação é um dos grandes motivos pelos quais não avançamos o quanto podíamos ao longo das décadas. Desde antes da exibição da novela, se dizia que o Brasil seria o país do futuro. Ouso dizer que o fato de não termos uma sociedade capaz de julgar seus gestores sem paixões, ignorando os erros e enaltecendo os acertos, foi um dos fatores que impediram essa profecia de se concretizar.
Enquanto não tivermos um senso crítico, não formos capazes de entender que nenhum gestor é ou será o salvador da pátria, mas sim um servidor público que deve satisfação ao povo, que tem o dever de ouvir seu empregador e trabalhar para avançarmos, vamos ficar à espera do Sassá Mutema que, para nossa felicidade, já nos deixou um conselho. “Não sou o salvador da pátria porque uma pátria que se preza, que tem a sua dignidade, não precisa de salvadores. Quem salva a pátria é o povo. Vamos salvar a pátria!”.
Fábio de Oliveira é servidor público estadual e professor universitário.
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