O céu estava bem escuro. Nenhuma nuvem clara. Havia o anúncio de um temporal. Pressentia-se. A garota do clima tinha dito alguma coisa nessa direção, mas poucos telespectadores deram bola para a previsão, pois, historicamente, registravam-se erros dos especialistas. Ora, previam chuvas, porém, no lugar destas, um calor infernal marcava o dia; ora, anunciavam calor, e, no entanto, caiam chuvas. Daí a descrença, a desconfiança de que previsão alguma se concretizasse, embora todos desejassem uma temperatura melhor, mais suave, menos intenso. O espírito de torcedor prevalecia. Tomava conta do ambiente marcadamente dividido, tal como a uma arena, onde as torcidas se acomodam a favor de seus times. Torcidas que se opõem entre si. Cada uma delas só tem olhos para os acertos, jamais para os erros de quem lhe despertava paixão de torcedor. Paixão que se estende a outras esferas do viver, ainda que seja no da política. Torce por um político, e até por outra agremiação partidária, mas, na maioria das vezes, para o Fulano de Tal, ou Beltrano.
Este ou aquele não pode, nem deve ser criticado, ou apontado seus desacertos. Caso isso venha a acontecer, a pessoa do crítico, analista ou do comentarista que apontou a ação defeituosa, o erro ou o crime passa a ser atacada, como se ela fosse obrigada a ficar calada, apesar do acontecido, a exemplo do árbitro quando anula um gol, ainda que tenha sido feito em condição de impedimento, ou marca uma falta, mesmo que tenha acontecido. Pobre de sua genitora! “Paga o pato”, sem coisa alguma ter com isso. É sempre assim. O torcedor culpa a outrem, nunca os verdadeiros culpados, a menos que estes sejam os adversários. Aliás, os adversários, tanto as do futebol quanto as do jogo político, são sempre os considerados responsáveis por tudo: pelo descalabro do país, pela desorganização da sociedade e pela corrupção.
“Olhe, não se atreva a contrariar tamanha concepção!” – diria alguém, mais comedido, talvez pelos sinais de calejado, dada a própria experiência de vida. “Evite repetir as denúncias contra alguém que é tido como intocável pelos torcedores” – sugere o conhecido prudente. E, por fim, prossegue: “Mesmo diante das evidências, das provas robustas, procure não falar sobre elas”. “Porque senão...” Infelizmente, nada tem a ver com a música. Lembra-se dela? “É preciso muito amor”. Título dela. E, agora, se lembrou? Sua poesia melodiosa fala de um lamento, do fazer “das tripas coração” e do “sempre dizer sim”, “nunca digo não”. Continua, assim, a música, deixando rastros de comodismo, acomodamento, apesar da enorme tristeza, da estranheza e do sacrifício que se possa ter para “satisfazer” alguém. Ainda que este mesmo alguém seja insaciável, de personalidade controvérsia, cujo egocentrismo se revela a cada uma de suas aparições. Sempre teatral. Aliás, próprio dos atores de todo o jogo. Este é um espetáculo, e, como tal, requer uma platéia. No meio desta, de vez em quando, aparecem um, dois ou três que não se contentam em ser “Maria vai com as outras”. Sentem-se desconfortável na simples condição de expectador. E, então, nesta rebeldia necessária, revelam-se descontentes com determinada atitude, desgostosos com a permanente impunidade e chateados com quem procuram encobrir com o véu os podres.
Independentemente de seus autores, dos cargos ocupados e das trincheiras ideológicas em que possam estar. Seus nomes terão que ser revelados e suas proezas negativas identificadas. “Oh!...” – balbuciou o mesmo alguém, anteriormente citado. “Cuidado!...” – recomendou com insistência. “O torcedor finge não ver os desacertos, nem os crimes” – observou-o, para, em seguida, complementar: “Excetos quando os desacertos e os crimes foram praticados pelos adversários”. Em sua leitura, os outros são sempre os culpados. Não importa quem sejam, mas que estejam no lado oposto, e devem ser punidos com rigor, mesmo que inexistam provas, ou que estas foram manipuladas pelo acusador ou julgador. Novamente a escuridão do céu, desacompanhado do arco-íris. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.
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