• Cuiabá, 04 de Julho - 00:00:00

Caso Para se investigar

A sala estava cheia de gente. Gente que ia, gente que vinha, sempre em igual ritmo. Não tinham sido combinados, nem ensaiados, mas pareciam movimentos sincronizados, tal como a um balé clássico, sem sê-lo de fato. Pois estava longe, muito longe do fascinante “O Lago dos Cisnes”, uma das peças mais marcantes, cuja estréia se deu em 1877 no Teatro Bolshol, de Moscou, com a coreografia invejada de Julius Reisinger a partir da composição de Tchaikovsky, autor de outras obras, como “O Quebra Nozes” (1892).

A capacidade do autor, dizem os especialistas, era simplesmente extraordinária, casada com a destreza excepcional dos bailarinos. Naquela sala, a da primeira linha deste texto, o que se via nada tinha a ver com fantasias, ilusão, embora se possa dizer que a realidade da arte, muitas vezes, se confunde com a realidade da vida real. Ainda que nesta, claro, inexista alguém que orienta e marca os passos das pessoas.

Mesmo que haja, e como há, quem possa estar vigiando-as, ao mesmo tempo se sinta vigiada. Vigiar, talvez não seja bem o verbo a ser utilizado, mas, não se tem dúvida, pessoas chamam atenção de outras, e todas são vistas e observadas em um ambiente fechado. Não apenas pelos garçons, os quais se transitavam livremente, com o fim de atenderem a cada chamado, enquanto as pessoas seguem a conversar. São vários assuntos. Muitos deles inapropriados, sobretudo em época de celular, capaz de gravar imagens e sons apenas com um simples toque. Sons e imagens que são armazenadas, e podem fazer estragos imensuráveis, quando divulgados. A despeito deste perigo, alguns se ariscam, talvez por confiarem demais que não serão pegos ou, tampouco, revelados. Nunca se sabe.

Aliás, as avós já diziam: “as paredes têm ouvidos”, e as pequeninas frestas da porta ou da janela são enormes para quem tencionam bisbilhotar. Geralmente, a intenção é despertada pela curiosidade, e esta leva a descoberta infinita, ainda que um ou outro descoberto, registrado pelo olhar curioso, venha ser indesejado ou permitido. Pois bem, então, as conversas aconteciam, negócios eram concretizados, com envelopes lacrados a circularem entre pessoas de um dado grupo. A festa continua. Os copos não eram de todo esvaziados. Sempre havia um garçom para repor a bebida, sempre posta do lado direito dos pratos, igualmente abarrotados de comidas. Comiam-se e bebiam-se do bom e do melhor.

As filas eram intermináveis em direção as variedades que tinham sido distribuídas sobre duas mesas enormes, quase no centro da sala. Olhares se misturavam, enquanto com uma das mãos a comida era retirada dos recipientes e levados aos pratos. Novamente se tinha a ideia de um balé, com os movimentos quase coreografados. Sorrisos largos em cada rosto, semblantes festivos. O tempo era implacável. Mesmo ali, naquele ambiente melodioso e adocicado. O próprio viver tem bastante disso, embora por vezes com o sabor de sal onde deveria ser apenas doce.

O amanhã era um novo dia. As lembranças do dia anterior se esvaiam. Não demorou para logo elas sumirem de vez. Um belo dia, no entanto, o que fora armazenado veio à tona. Popularizou-se de boca em boca, e virou matéria policial. Um BO foi registrado. Os envolvidos procuraram se safar. Negaram as cenas dos envelopes que corriam de mão em mão. Juraram não ter participado de uma negociata, nem se recordavam de tê-los vistos a autora das gravações. Pois ela, a autora, não era um de seus pares, e nem podiam estar onde dizia que estava. Negaram de um tudo. Uma coisa, porém, ficou-lhes difícil negar, o dinheiro que saia do envelope, cuja mão o levava ora aos bolsos da calça ora as do paletó. Ou, todo o acontecido não passara de ilusão, de fantasia, a exemplo de quando se esta diante de uma representação no teatro. Caso para Sherloch Holmes. Mas a polícia talvez resolva. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor e analista político. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.



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