Um dos mais antigos conceitos filosóficos de verdade é a verdade por correspondência. Tem-se outros, como por exemplo a verdade como conformidade a uma regra (Platão, Agostinho, Kant) ou mesmo a verdade como coerência (Bradley).
Para Platão (discurso verdadeiro feito em Crátilo), ‘Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como são; falso aquele que as diz como não são’. O fundamental, aqui, é o sentido de discurso, levando a entender que a verdade está no pensamento ou na linguagem (Aristóteles acrescenta, além do pensamento e da linguagem, a segunda concepção desse conceito de verdade: a medida da verdade é o ser ou a coisa) (Nicola Abbagnano).
Na correspondência da linguagem com a coisa em si se tem a verdade sobre ela. É assim que se nos revela e a apreendemos.
No Direito, dependendo de suas várias divisões, se tem a verdade real (verdade verdadeira, imprescindível na pena criminal) e a verdade formal (verdade processual, própria daquilo que se pode dispor). Portanto, descortina na verdade real e oprime na verdade formal (nesta reside a esmagadora maioria de suas reflexões existenciais – na pergunta: o que é o certo? -, além da incompreensão do jurisdicionado).
Mas e a verdade do dia a dia (não a científica, mas aquela utilizada pelo senso comum nas escolhas), que interessa mais de perto aos viventes?
Fugindo da abstração universalista de Hegel (consciência história etc.), Kierkegaard foca no subjetivo, na vida individual. Este filósofo dinamarquês, considerado o pai do existencialismo, estrutura sua filosofia na liberdade de escolha e na busca por propósito. Assim, somos livres para escolher. Na sentença de Sartre: estamos condenados a sermos livres. Primeiro existimos, depois somos.
Esse arbítrio na escolha (liberdade de vontade) e a busca por um sentido de vida nos condiciona, diferente da moralidade hegeliana que afirma ser o contexto histórico que a determina (a escolha).
Mas por que isso é importante para a verdade do dia a dia (não a filosófica ou a do Direito)? Porque o pensamento, a linguagem, a ‘medida’ (como a enxergamos) das coisas, passam pela liberdade de escolha. Porquanto, a existência é individual e angustiante. E é essa angústia que faz caminhar, nos empareda e encaminha para a escolha.
A verdade estará alicerçada no resultado desse emaranhado de valores, culturas, dogmas, experiências, educação, ideologias, traumas, conceitos, reflexões etc., que, somados, utilizamos no processo final de escolha, instrumentalizando a liberdade para permitir avanças com uns, detratando outros. Somos responsáveis pelo que nos tornamos.
A uns, a vida ética, carregada de ideal e luta solidária, sem egoísmos, vaidades, permeada por viés superior de dignidade, cavando masmorras às formas e erigindo conteúdos de humanidade.
Alguém teve um sonho, vários tiveram o mesmo sonho, mais ainda pelo mesmo sonho, e alcançaram a verdade no cume da consciência individual, sendo cativos de uma ideia universal: respeito na alteridade.
A verdade de um nem sempre tem correspondência com a do outro. Somos alguém, não somos ninguém.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é juiz em Cuiabá.
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