• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

Se não tem Constituição, não pode ter Código Penal

Em algumas comunidades paupérrimas o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Juventude, o Estatuto do Idoso, nem mesmo a Constituição Federal e seus direitos e garantias são promovidos pelas autoridades. 

Nesses lugares, defendo que o Código Penal também não seja aplicado, não haja algemas, cacetetes, fuzis e camburões, como suposta, única e exclusiva "política pública" para o povo favelado, em sua maioria negros e pardos, que toda hora são confundidos com alguém e participam do último passeio rumo ao cemitério, se o cadáver continuar ali e não sumir.

Ora, por que o Estado comparece apenas para prender e superlotar os presídios e não garante os direitos básicos, fundamentais, que poderiam dar alternativas para essas pessoas?

Tratam-se em sua maioria de jovens, quando não crianças e adolescentes, desesperançosos, que se não forem presos, por praticamente não terem oportunidades diferentes da criminalidade, fatalmente serão mortos, quase todos. Deixando uma vida de abandono e um rastro de exclusão em suas biografias sujas de lágrimas e sangue.

Ninguém para e pensa que não escolheram nascer, sobretudo nessas condições, e que já foram bebês, recém-nascidos, passando privações desde então, nos momentos em que os pais, ou uma mãe sozinha, os avós ou até adotou porque expostos ao léu, e faltou o leite ou a fralda, o saneamento básico, o sossego de não crescer ouvindo balas de noite e de dia?

Muitas vezes morrem, são assassinados friamente pelo braço repressor do Estado, não raras vezes em chacinas, sem sequer terem o direito de serem julgados pelo Judiciário.

Invariavelmente, para não dizer todo dia, essa brutalidade perversa e animalesca ocorre contra essas pessoas, que tem amigos e familiares, como se fossem uma espécie de sub-humanos, sem dignidade e cidadania.

São jogados em qualquer vala ou simplesmente "desaparecidos", como o Amarildo. Homem trabalhador, abduzido após ter sido visto pela última vez detido e em uma viatura da polícia, numa ida que não teve volta, decerto por estar com a mão calejada de tanto trabalhar e "não ter nada para dar".

Enfim, o ordenamento jurídico é um todo interconectado, tendo como guarda-chuva a Carta Magna Federal, sinto ser inconstitucional fazer vigorar num lugar, como numa favela ou um cortiço, uma pequena parte do Direito, logo a que reprime, prende e mata, enquanto todo o resto não passa nem perto da vida das pessoas que moram ali.

Já pensou se só os artigos 1°, 3° e 6°, da Carta Cidadã de 1988 tivesse vigência nesses lugares? 

Teriam muito menos seres humanos atrás das grades e nos cemitérios desses espaços urbanos nas periferias das grandes cidades, bem como menos playboy subindo o morro atrás de cocaína, assim como não tantos milicianos ocupando os territórios e trazendo mais medo do que os traficantes, até do que as facções criminosas, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital.

Nada é pior do que bandido de farda. Como seria bom se os bons policiais, que são muitos, conseguissem se unir à sociedade para não só expulsar, como prender esses meliantes de farda, que pegam propina de boate e boca de fumo, que torturam e executam no mato ou às vezes na frente da família, que apreendem drogas e ficam para eles, consumo próprio ou revenda e fazem vários serviços de aluguel.

Tudo porque tem uma arma na cintura, o apoio de alguns colegas, a tal da fé pública e o Estado nas suas costas. 

Não tivessem nada disso, não passariam de covardes, incapazes de enfrentar de frente qualquer um, inclusive aqueles que são agredidos por eles.

 

Paulo Lemos é advogado criminalista, especialista em Direito Administrativo e Eleitoral, professor universitário principalmente de matérias propedêuticas, como Filosofia e Sociologia, atualmente na Faculdade de Direito de Matupá, articulista de opinião, palestrante e assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, do deputado Lúdio Cabral.

paulolemosadvocacia@gmail.com



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