• Cuiabá, 28 de Abril - 00:00:00

A Suprema esculhambação jurídica

As últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) tem revelado uma conotação mais política do que técnica, patrocinando uma insegurança jurídica abominável no país. 

Não é exagero dizer que estamos numa fase de “esculhambação jurídica” patrocinada  justamente por aquele que tem a missão de ser o guardião da Constituição Federal.

Os 11 ministros da Suprema Corte já não escondem mais suas atuações pautadas pela ideologia no campo político. 

Basta lembrar-se da lamentável cena em que os ministros Marco Aurélio de Mello e Ricardo Lewandowski questionaram de forma intensa o voto da ministra Rosa Weber durante a sessão na qual a maioria denegou o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e consolidou o entendimento a favor da execução provisória da pena nos processos criminais. 

E o que dizer da drástica mudança de pensamento dos ministros Gilmar Mendes e José Dias Toffoli? Anteriormente, ambos defendiam a prisão em segunda instância na esfera penal. 

Agora, com muitos de seus amigos e padrinhos políticos na mira do Judiciário, defendem uma nova tese na qual a prisão só seria autorizada a título de execução provisória após o esgotamento de recursos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Apesar disso, o que me despertou a atenção foi o recente entendimento jurídico esdrúxulo adotado pelo ministro José Dias Toffoli de restabelecer em caráter liminar os direitos políticos de Demóstenes Torres (sem partido) cassado em 2012 pelo Senado Federal por quebra de decoro parlamentar. 

A decisão invade o mérito da decisão do plenário do Senado Federal e pode ser considerada uma afronta à separação dos poderes assegurada pela Carta Magna e tida como cláusula pétrea.

Ao Judiciário, é válido adentrar ao mérito de uma decisão do Legislativo desde que essa se mostre desarrazoada. Porém, não é o caso. A legislação é clara ao estipular que a cassação do mandato e a perda dos direitos políticos são penas cumulativas e não alternativas em um processo de quebra de decoro parlamentar conduzido pelo Legislativo.

O que me deixa ainda mais estarrecido é que a decisão monocrática do ministro José Dias Toffoli, agora já referendada em mérito pela Segunda Turma com votos favoráveis dos ministros Gilmar Mendes e José Dias Toffoli, contraria julgados históricos da própria Suprema Corte.  

Basta lembrar que, em 1994, em julgamento análogo, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a devolução dos direitos políticos ao ex-presidente da República Fernando Collor de Mello. Dois anos antes, Collor renunciou ao cargo horas antes de o Senado julgá-lo por crime de responsabilidade em processo de impeachment movido em 1992.

Conforme relatado por Collor em seu brilhante e histórico discurso na tribuna do Senado Federal no dia 11 de maio de 2016, o mandado de segurança na Suprema Corte requeria a devolução de seus direitos políticos que lhe foi devidamente negado.

Embora o pedido tenha se reservado a devolução dos direitos políticos – alheio ao mérito do impeachment – o Supremo negou o mandado de segurança sob a alegação de que não cabia à Corte se pronunciar sobre decisão do Senado, ainda que tomada após a renúncia de Collor. 

Naquela ocasião, o ministro Paulo Brossard negou a devolução dos direitos políticos de Collor sob a seguinte ótica jurídica.  “Absolutória ou condenatória, justa ou injusta, sábia ou errônea, da decisão do Senado não cabe recurso, direto ou indireto. Mas, isso não é novidade. Todo órgão, seja de que natureza for, que decide em única ou última instância, decide inapelavelmente, acerte ou erre", justificou.

O que levou Toffoli e posteriormente Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski a adotar posição em sentido tão contrário? 

A impressão que tenho como cidadão é a seguinte: a decisão de Toffoli foi dada dias antes da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Reprovado duas vezes para concurso de juiz em São Paulo e alçado a condição de ministro do Supremo Tribunal Federal pelo critério de ser “petista”, ao conceder a decisão favorável a Demóstenes Torres, Toffoli agiu para favorecer a ex-presidente Dilma Rousseff, que para manter foro por prerrogativa de função já sinaliza que é candidata ao Senado em Minas Gerais.

Além disso, Toffoli não respeitou o caráter político da decisão do Senado como bem frisou Paulo Brossard em seu voto contra Collor. Porém, ao mesmo tempo, fragilizou a lei da Ficha Limpa abrindo espaço a um registro de candidatura de seu padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva. 

Aliás, dias depois, Toffoli concedeu prisão domiciliar ao deputado federal Paulo Maluf e ao deputado estadual Jorge Picciani. Ou seja, abriu dois precedentes a Lula: a possibilidade de registro de candidatura com base no exemplo de Demóstenes Torres ou mandar Lula a prisão domiciliar a exemplo dos parlamentares. Sem dúvida, opção muito melhor que permanecer encarcerado na sede da Polícia Federal em Curitiba. 

A suprema esculhambação jurídica por conta da conotação política da atuação de seus ministros já havia se revelado na votação do impeachment de Dilma Rousseff. 

Para atender ao pedido da bancada petista de votação fatiada das penas, Lewandowski considerou um item do Regimento Interno do Senado acima da Constituição Federal, o que se revela um verdadeiro absurdo, para assegurar os direitos políticos de Dilma Rousseff. 

De esculhambação em esculhambação e páginas rasgadas da Constituição Federal por quem deveria protegê-la, só nos resta torcer para que o Brasil não caminhe para a “venezuelização do Judiciário” e tampouco ao “bolivarianismo jurídico”.


Rafael Costa é jornalista em Mato Grosso.



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