Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.
Para quem não sabe, essa bela frase está no artigo 144 da Constituição Federal Brasileira. E, para quem também não sabe – e são muito poucos os que não sabem – estamos cada vez mais distantes de sermos devidamente agraciados pela proteção estatal em todos os níveis.
Quando digo “em todos os níveis”, não me refiro somente aos níveis de atuação estatal, ou seja, aos níveis federal e estadual de segurança pública. Mas aos mais inúmeros patamares de atuação do poder público, incluindo aí as polícias, os ministérios públicos estaduais e federal, os magistrados, deputados estaduais e federais, senadores e governantes em geral.
Dias atrás, acordamos, ou dormimos, com uma decisão desastrosa, a meu ver, da nossa Corte Máxima, o Supremo Tribunal Federal. As Suas Excelências decidiram que presos que forem mantidos em celas superlotadas terão direito a indenização do poder público. Ou seja, a sociedade, vítima da criminalidade que não é devidamente controlada pelo poder público, terá que pagar, por meio de suas contribuições financeiras (tributos) pela incompetência estatal de não vir cumprindo suas obrigações.
Quais obrigações? Vamos lá.
A Lei de Execução Penal, datada de 1984, prega que o detento tem direito a cela individual, com área mínima de seis (6) metros quadrados, previsto em seu artigo 88. Salvo alguns poucos presos privilegiados, sabe-se muito bem que esse preceito legal nunca foi aplicado na nossa terra pátria. Seria porque a Lei de Execução Penal ainda está muito recente, para os padrões brasileiros?
Com base nisso, fica fácil entender que a decisão do Supremo foi tecnicamente perfeita. O que não consigo compreender é o total desapego dos Julgadores Máximos Brasileiros com os interesses prementes da sociedade. E não que os interesses dos presos não devam ser protegidos. Estou somente concluindo que o Supremo, mais uma vez, deixou de ver primeiro o lado da sociedade, sofredora e incumbida de pagar a mais alta carga tributária de nosso planeta.
Quando digo que o Supremo agiu, mais uma vez, com desapego aos interesses mais básicos da sociedade, me refiro à inércia dos seus julgadores quanto ao descumprimento estatal dos direitos do indivíduo contribuinte, que nunca recebeu do Estado o mínimo necessário nas áreas de segurança pública, de saúde pública, de educação pública, infraestrutura viária, habitação, saneamento...
Com essa decisão desaforada do Supremo, o recado dado foi que a sociedade brasileira, desatendida em todos os seus direitos básicos, ficará novamente em segundo, ou outro mais longínquo, plano. Estamos, meus queridos leitores, abaixo até do plano dos descumpridores contumazes das leis penais: os presos.
Novamente digo: não que os presos não tenham que ser atendidos em seus direitos, mas, e nós? Quando seremos atendidos em nossos direitos (gritando, agora)?
Quanto mais pagamos de impostos, mais somos empurrados para planos inferiores de preferência estatal. Vejam agora o que estão falando que irão fazer conosco na questão previdenciária. Mais uma demonstração de que a incompetência estatal de gerir suas atribuições será cobrada do contribuinte.
Quando o Supremo diz que o preso em celas superlotadas tem direito a indenização, mas não diz o mesmo aos contribuintes que penam nas filas hospitalares, com a falta de remédios, que morrem nas estradas mal cuidadas, ou que sofrem com a falta de segurança pública e educação, está dizendo que quem paga seus deveres têm menos direitos do que os que burlam a lei.
Quando o estado vem dizer que os contribuintes deverão arcar com o rombo na previdência, que só poderão se tornar inativos aos 65 anos e sem proventos integrais, está dizendo à sociedade brasileira que será você, o cumpridor de seus deveres, que irá arcar com a deficiência estatal de prover a seguridade social dos que são os verdadeiros mantenedores do Estado.
O contribuinte não está pedindo nada mais nada menos do que o seu direito de viver bem na terceira idade, e a resposta que lhe está sendo dada é que sequer poderá chegar a essa idade, pois terá que trabalhar mais e mais para manter o mesmo Estado que não lhe dá assistência alguma.
Outro exemplo da sanha estatal por arrecadação está no famigerado imposto de renda. Os anos passam e raramente se vê reajuste no valor mínimo de contribuição, hoje na casa dos R$ 1.900,00. Segundo especialistas, esse valor está defasado em 80%. Ou seja, o trabalhador está pagando sobre um valor que não deveria, o que significa aumento de impostos. E o que fazemos? Nada.
Ainda me pergunto por que somos tão passivos? Por que não cobramos do poder público nossos direitos? Não sei a resposta. Como já escrevi antes algo parecido, vou replicar aqui. Creio que nossa passividade está no fato de que ainda não está tão ruim, ainda estamos conseguindo ter uma certa vida social, ainda fazemos nosso churrasco no final de semana, ainda damos conta de sair com os amigos para um chope.
Mas não está certo. Não podemos aceitar tão pouco diante do tanto que pagamos. Não podemos nos deixar ser conduzidos por políticos que só pensam em seus direitos e interesses, que ampliam seus benefícios à custa de nossos suores, que meterão o dedo na nossa previdência e não farão o mesmo com a deles.
Nobre leitor, você sabia que um político pode aposentar com apenas uma parte de um mandato? Sabiam que ele também pode acumular aposentadorias? Sabiam que eles têm direito a plano de saúde integral e vitalício, e não só para eles, mas também aos seus familiares? Sabiam que eles também têm direito a auxílio moradia?
E nós? Temos quais direitos? Temos o direito de somente ficar indignados?
Gosto muito de uma frase que diz mais ou menos assim: pior que a ação dos ruins, é a omissão dos demais (Martin Luther King).
Estamos sendo omissos demais. Não estamos sabendo cobrar nossos direitos. Estamos sendo relegados cada vez mais a planos inferiores de preferência estatal e nada fazemos. Os bons não estão assumindo seus lugares nos cargos de direção, de decisão, de legislação, de gestão. Assim, deixamos para os ruins um espaço importante para decidirem nossas vidas.
Já me perguntei algumas vezes: será que um dos pré-requisitos para ser político é ser ruim? Se for, estamos num rumo sem volta para a derrocada da sociedade brasileira. Se não for, os bons não estão assumindo seus papeis nessa seara.
Está em voga na mais alta câmara legislativa do Brasil uma discussão sobre a isenção de responsabilidade dos políticos e partidos políticos que fizeram caixa dois. Isso é um imensurável tapa na cara do contribuinte. Os políticos estão afirmando, na prática, que o povo é que deve pagar seus impostos, eles não, já que caixa dois não é tributável. Antigamente se dizia que isso era crime de “lesa pátria”, pois atentava contra a existência do próprio Estado devido ao não pagamento de tributos, essencial para a sua sobrevivência. Hoje isso está sendo uma prática corriqueira e querem que seja lícita.
Assim, nobre leitor, estamos trabalhando com afinco para sustentar essa categoria de corruptos convictos, que não estão mais se envergonhando quando são pegos em ações indevidas (se é que se envergonharam um dia), que estão se lixando para a opinião pública, e ainda assim são reeleitos por seus eleitores que estão se omitindo de agir.
Quando iremos reagir? Somente quando não conseguirmos fazer nosso churrasco no fim de semana? Somente quando não conseguirmos mais tomar nosso chope com os amigos? Poderá ser tarde demais.
Aqui no Mato Grosso, o nosso Egrégio Tribunal de Justiça editou uma resolução dizendo que ninguém poderá entrar armado nas dependências dos fóruns. Disseram que estão seguindo orientação do Conselho Nacional de Justiça. Como os fóruns ainda não estão dotados de detectores de metais, somente o policial será impedido de entrar armado num primeiro momento, caso, é claro, se identifique como tal. Diante disso, que proteção teremos nesse ambiente, que é comumente frequentado por criminosos?
Vejam, caros leitores, que cada vez mais as decisões dos gestores são contrárias à proteção da sociedade. Como, em sã consciência, um juiz pode dizer que um policial não pode andar armado? Esse policial é intimado para audiências em ações penais que foram propostas em cima de investigações suas, de prisões suas. Ele irá ficar frente a frente como criminosos que prendeu. Mas não poderá estar armado para se defender, caso esse criminoso tenha conseguido burlar a segurança do local e entrado armado.
Ou será que não é possível burlar a segurança? Ora, ora, ora. Quem são os ingênuos que pensam assim? Se fosse impossível burlar a segurança, não teríamos roubos a bancos. Não haveria entrada de celulares e armas de fogo em presídios. Será que estou tão errado? Ou errados estão os nossos julgadores?
Nem preciso entrar numa discussão sobre hierarquia de normas. Se o fizesse, diria que a lei que permite um policial entrar armado em qualquer ambiente é maior do que a resolução de um tribunal. Porém, quem irá julgar uma discussão dessas é justamente quem editou a resolução. Será que irão dizer que estão errados?
Vejo uma imensa falta de bom senso nessa resolução. Mesmo porque nunca tivemos um incidente sequer aqui no Mato Grosso envolvendo algum policial armado.
Dessa mesma forma, como dito no início do presente texto, a nossa Suprema Corte tem agido. Quando ela disse o direito do preso antes do direito da sociedade, os Ministros não se atentaram que essa análise poderia, e deveria, ser sobrestada (adiada) em prol de interesses muito maiores: os dos contribuintes. Poderia simplesmente ter dito: não julgarei essa matéria até que sejam julgadas as que afetam os interesses básicos da sociedade.
Mais um tema que me ter tirado o sono são os pedágios nas estradas daqui do Mato Grosso. Sabiam que essas estradas, ainda não concluídas, mal sinalizadas, sem acostamentos adequados, cheias de mato e buracos, já estão devidamente “pedagiadas”? Pagamos todos os tributos para podermos ter um mínimo de conforto também ao viajarmos, e ainda temos que pagar pedágio por algo que ainda não nos foi entregue. Parece loucura, e deveria ser loucura, mas é tão somente a nossa realidade.
Com tudo isso, fica cada vez mais claro que a sociedade brasileira está abandonada à própria sorte. Fica explícito que o contribuinte terá que se esforçar cada vez mais para conseguir cada vez menos. Fica óbvio que nossos representantes nos diversos escalões da política nacional estão mais preocupados consigo mesmos do que com o país. Fica evidente que nossos anseios não recebem a devida atenção pelo poder judiciário. Fica latente que o descumpridor de leis tem mais benefícios do que os que agem dentro de seus limites.
O que nos resta, portanto, é rezar por dias melhores.
Flávio Henrique Stringueta é Delegado de Polícia
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