Da Redação
"A Quinta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso decidiu, por unanimidade, desprover o agravo de instrumento interposto por uma empresa de Tecnologia em Sistemas contra sua cliente, uma empresa do ramo de indústria e comércio de aço, que inicialmente moveu uma ação de nulidade de cláusula contratual e rescisão do contrato com restituição de valores pagos, referentes ao licenciamento de software utilizado na gestão empresarial" - ressalta o TJMT.
O Tribunal de Justiça evidencia: ?
A parte agravante defendeu que a relação jurídica firmada entre as partes não é de consumo, mas sim de permissão de uso de criação intelectual, consistente no licenciamento de uso de software do tipo ERP (Enterprise Resource Planning), aplicado diretamente para a consecução do objetivo social da empresa agravada. Sustentou ainda não haver compra e venda de produto, não ocorrendo transmissão de propriedade ou titularidade do software, inexistindo exaurimento de um bem (consumo final) e que a licença pode ser revogada a qualquer momento.
Além disso, argumentou que, afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC), deveria prevalecer a cláusula de eleição de foro, com a remessa dos autos à Comarca de Uberlândia/MG. Por fim, alegou ilegitimidade passiva devido ao fato de as queixas da agravada se referirem à implantação, parametrização e configuração do software, responsabilidade que seria da segunda requerida, conforme Contrato de Parceria Comercial.
Por outro lado, a empresa agravada, contratante do serviço de software, defendeu a aplicação do CDC ao caso, argumentando que o software contratado tem por finalidade dar suporte à gestão empresarial, não se integrando à sua atividade-fim, o que a caracteriza como destinatária final do produto. Sustentou também a legitimidade passiva da agravante, por ser a desenvolvedora do software adquirido, detendo responsabilidade objetiva pelos atrasos e ineficiências na implantação do sistema.
Em seu voto, o relator do caso, desembargador Sebastião de Arruda Almeida, considerou que a relação contratual entre as partes do processo está sujeita sim às normas do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a agravada figura como destinatária final do produto, utilizando-o como ferramenta de gestão administrativa. Destacou ainda que a natureza do produto contratado, sua finalidade e a vulnerabilidade técnica da agravada evidenciam a configuração de típica relação de consumo, atraindo a incidência das normas protetivas previstas na legislação consumerista.
Em relação à competência territorial do juízo de origem, o relator apontou que o artigo 101 do CDC estabelece que na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, a ação pode ser proposta no domicílio do autor, norma que visa facilitar o acesso do consumidor à justiça, permitindo-lhe ajuizar a ação no foro de seu domicílio, independentemente de eventual cláusula de eleição de foro prevista no contrato.
O relator invocou ainda jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que pacifica que, nas relações de consumo, a cláusula de eleição de foro deve ser interpretada à luz do princípio da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, podendo ser afastada quando representar obstáculo ao acesso à justiça ou dificultar a defesa do consumidor.
Dessa forma, o foro de julgamento do caso foi mantido em Cuiabá, onde funciona a empresa que figura como cliente na relação contratual.
O último ponto do recurso analisado pelo desembargador Sebastião Arruda foi sobre a alegação de ilegitimidade passiva da agravante. Esta argumentou sua ilegitimidade para figurar como polo passivo da demanda, uma vez que as queixas da agravada se referiam exclusivamente à implantação, parametrização, configuração e personalização do software, atividades que, segundo ela, não seriam de sua responsabilidade, mas sim da segunda requerida, conforme estabelecido em contrato.
Conforme alegado pela defesa, não houve reclamações específicas contra o programa de computação em si, não havendo razão para figurar no polo passivo.
Nesse ponto específico, como o juízo de origem postergou a análise para o momento da sentença, por entender que a questão se confunde com o mérito da demanda, o relator do recurso entendeu não haver objeto de impugnação via agravo de instrumento, destacando que a análise da legitimidade passiva da agravante neste momento processual implicaria em indevida supressão de instância, uma vez que o juízo de origem expressamente reservou-se a apreciar a questão em conjunto com o mérito, após a instrução probatória.
“Assim, não conheço do agravo de instrumento no que tange à alegação de ilegitimidade passiva da Agravante, por ausência de decisão definitiva sobre a matéria e para evitar supressão de instância”, registrou o relator.
Em resumo, o recurso foi parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido, mantendo integralmente a decisão de primeira instância, reforçando a aplicação das normas do CDC em contratos empresariais, especialmente em situações de vulnerabilidade técnica do consumidor.
Com Celly Silva/Coordenadoria de Comunicação do TJMT
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