• Cuiabá, 24 de Junho - 2025 00:00:00

Escrever para viver: os benefícios da poesia na terceira idade


Vicente Humberto

Num momento em que o debate sobre saúde emocional e bem-estar na maturidade se intensifica, a escrita poética emerge como um caminho possível de escuta, expressão e reconexão com o mundo. Mais do que uma linguagem estética, a poesia torna-se, na terceira idade, um exercício de presença e de cura — capaz de organizar memórias, ativar a sensibilidade e fortalecer os laços sociais.

O ato de escrever é, por natureza, um exercício de solidão. Assim como pintar ou criar qualquer objeto de arte, a escrita poética exige uma explosão interior, um mergulho nas profundezas do ser. É nesse mergulho que se encontra a essência da criação: estar em contato com a própria sensibilidade, com a percepção da finitude e com tudo aquilo que nos cerca.

Na terceira idade, esse exercício adquire contornos ainda mais intensos. A escrita torna-se uma forma de estímulo à memória e à concentração, ao mesmo tempo em que desperta a criatividade e a sensibilidade. Mais do que uma atividade intelectual ou artística, escrever poesia se torna uma prática de sobrevivência, uma maneira de reafirmar a presença no mundo.

A poesia, nesse contexto, também assume um papel de conexão social. Ela está profundamente inserida na sociedade, seja pela palavra falada, escrita, musicada ou vivida. Participar de grupos poéticos ou de saraus oferece à pessoa idosa a oportunidade de conviver, de partilhar experiências e de reencontrar o silêncio necessário para escutar e ser escutado. Em tempos de tanto ruído, esse silêncio é um gesto de sabedoria e de bem-estar.

A escrita poética é também um caminho de reflexão sobre a própria trajetória. A relação íntima com o passado emerge de forma intuitiva, e as memórias são reorganizadas por meio da linguagem sensível. A poesia ressignifica vivências, transforma lembranças em novas percepções, e contribui para a construção de um olhar mais profundo sobre a existência.

Com o tempo, o exercício poético amadurece. A exigência aumenta. Escrever deixa de ser um ato impulsivo para se tornar um gesto de lapidação. O poema nunca está pronto. É preciso experimentá-lo, reescrevê-lo, dormir com ele, sonhar com ele, até que finalmente possa nascer. Aprender a descartar também faz parte do processo — assim como separar os grãos e eliminar os carunchos do feijão. Isso aprimora a qualidade do texto e também a visão de mundo.

Na terceira idade, escrever poesia é aceitar o erro como parte essencial da jornada. Errar se torna inevitável, mas a consciência sobre o erro também cresce. O que antes parecia definitivo passa a ser visto com distanciamento e critério. O poeta envelhece, mas sua sensibilidade se refina.

Escrever poemas é testemunhar a própria existência. É registrar o estar vivo, não apenas com palavras, mas com sentimentos, imagens e sentidos. Na terceira idade, a poesia traz uma nova luz de percepção sobre a vida. Ser seletivo torna-se virtude. Escrever é uma forma de colocar para fora aquilo que pulsa por dentro — e isso faz bem para a alma, para quem escreve, para quem lê e para a própria literatura.

 

*Vicente Humberto (@vicentehumbertoo) nasceu em Uberaba, Minas Gerais. Ao longo da vida, morou em várias cidades, incluindo Goiânia, Pires do Rio, Ipameri, Inhumas, São Paulo, Ouro Preto, Belo Horizonte, Ituiutaba e Rio de Janeiro. Atualmente, reside entre Araxá (MG) e Catalão (GO). Poeta e escritor, formou-se em Engenharia de Minas pela UFMG e em Letras pela UFG. Sua estreia literária ocorreu em 1983 com o livro Folhas levadas. Também publicou Perpendiculares (Editora Arte Pau Brasil, 1986), Abacates no Caixote (Ficções Editora, 2020) e Borboletas no Repolho (Editora Ficções, 2021). Seu mais recente livro, Caixa de Vazios (Ficções Editora, 2024), aborda a falta, a solidão e os ciclos da vida. Além de escritor, Vicente lançou álbuns de música com seus poemas, disponíveis nas plataformas de streaming como Spotify e Deezer.




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