Paulo Lemos
O Estado de Mato Grosso acaba de atingir um marco histórico — e preocupante. Pela primeira vez, o número de servidores temporários no Poder Executivo superou o de efetivos. Os dados são oficiais, retirados do Boletim de Indicadores de Pessoal da Seplag e compilados em relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT).
São 44.198 contratos temporários contra 44.079 cargos efetivos. Um detalhe que vai além das estatísticas: é o retrato da precarização institucionalizada da força de trabalho pública.
O problema não é novo. Desde 2012, o TCE-MT vem emitindo alertas sucessivos, recomendando a realização de concursos públicos periódicos e a redução da dependência de vínculos precários. Nada foi feito de forma efetiva.
O resultado é que o Estado hoje se tornou refém de uma política de pessoal que viola abertamente a Constituição Federal.
O artigo 37 da Carta Magna é claro: acesso a cargos públicos efetivos só mediante concurso público.
Contratações temporárias devem ser exceção e só para situações emergenciais e transitórias. O que vemos em Mato Grosso é o oposto: a exceção virou regra.
Na educação, o quadro é alarmante: 67,7% dos servidores da Seduc são temporários. Na saúde, o percentual é de 61,08%, e o número pode ser ainda maior, considerando os milhares de contratos via Pessoa Jurídica (PJ), que sequer entram nas estatísticas formais de pessoal.
Isso significa profissionais sem direitos, sem estabilidade, sem vínculo funcional com o Estado, trabalhando sob condições precárias e instáveis.
O recente concurso para 1.500 professores na Seduc, realizado em abril de 2025, foi uma medida tímida, incapaz de alterar o cenário estrutural.
O próprio TCE classificou o impacto como “irrisório”, já que o quantitativo ofertado corresponde a apenas 4% do total de temporários da pasta.
Diante desse quadro, não há outro caminho senão a judicialização da defesa do serviço público de qualidade.
Os candidatos aprovados dentro do número de vagas em concursos recentes, bem como os classificados em cadastro de reserva que comprovarem preterição por contratações temporárias, devem recorrer ao Sistema de Justiça para exigir seus direitos.
A preterição por contratação temporária ou terceirizada, mesmo durante a validade do concurso, é ilegal e inconstitucional.
Diante da omissão continuada do Governo Estadual, é urgente que o Poder Judiciário, uma vez acionado, determine de forma ampla, vinculante e imediata a nomeação e posse de todos os aprovados e preteridos, em respeito à ordem jurídica, à moralidade administrativa e ao princípio republicano.
O Ministério Público Estadual também tem papel fundamental neste processo, podendo ajuizar ações civis públicas por ato de improbidade administrativa contra os gestores responsáveis, além de exigir o cumprimento de cronogramas para concursos futuros e a progressiva redução dos vínculos precários.
A persistência deste modelo de precarização atinge não apenas os trabalhadores, mas toda a população mato-grossense, que merece um serviço público estável, qualificado e comprometido com o interesse coletivo.
Defender o concurso público não é um capricho jurídico. É defender a Constituição. É proteger o futuro do serviço público. É garantir direitos.
Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Público-administrativo e Eleitoral, Criminalista e Constitucionalista.
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