• Cuiabá, 07 de Setembro - 00:00:00

Fernando Henrique: análise revela os meandros do projeto da desoneração da folha


Rafaela Maximiano

A desoneração de 17 setores da economia brasileira, que empregam aproximadamente 9 milhões de trabalhadores, tem sido objeto de um debate político intenso abordado pelo Projeto de Lei 334/2023. A discussão se concentra na prorrogação dos benefícios fiscais e nas implicações para a contribuição previdenciária, que, ao ser substituída por alíquotas sobre a receita bruta, levanta questionamentos sobre o equilíbrio fiscal.  

Sobre o assunto o FocoCidade conversou com o economista Fernando Henrique Dias que é pós-graduado em gestão de Projetos e Consultor de tecnologia e inovação e apresentador do AGROCONECTADOS.   

A desoneração, como explicou o especialista, teve origem em 2011, como uma política anticíclica pós-crise global, visando estimular a empregabilidade. Quando questionado sobre os resultados práticos da desoneração, o economista citou estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indicando que, entre 2012 e 2022, os setores beneficiados tiveram uma queda de 13% na ocupação de postos de trabalho, enquanto outros setores privados cresceram 6,3%.  

Ele destacou que a desoneração, em sua forma atual, não demonstrou o sucesso esperado na criação de empregos.  

A entrevista também abordou o veto integral do presidente Lula ao projeto de prorrogação da desoneração, onde Fernando Henrique ressaltou a preocupação do governo com o custo de R$ 9,4 bilhões por ano aos cofres públicos e a necessidade de pensar em alternativas além da desoneração, considerando o atual contexto de recuperação econômica.  

Sobre o aumento proposto na alíquota da Cofins na Importação, o economista sublinhou a importância de uma estratégia coesa na política fiscal, alertando para os possíveis impactos na arrecadação destinada à Seguridade Social e enfatizou a necessidade de cuidado ao lidar com renúncias fiscais que afetem diretamente áreas sociais.  

A redução da alíquota da contribuição previdenciária para municípios de menor porte também foi discutida, com apontamento de que a Previdência poderia ser prejudicada, e a desoneração precisaria ser cuidadosamente analisada para evitar futuros problemas financeiros e sociais.  

Ao concluir a entrevista, o economista expressou a importância de um debate mais amplo e técnico sobre a desoneração da folha salarial, destacando a necessidade de políticas públicas que considerem o médio e longo prazo.  

“O Brasil precisa superar a abordagem imediatista em favor de decisões mais sustentáveis e equilibradas para o futuro econômico do país”, afirma.  

Confira a Entrevista da Semana na íntegra:  

Em sua análise, qual é a importância da desoneração da folha salarial para a economia brasileira, especialmente para os 17 setores contemplados pelo PL 334/2023?  

Acho que primeiro precisamos explicar o que é uma desoneração e quando que a desoneração, no caso brasileiro, começou a ser pensada. Então, a política de desoneração na economia, ela começou a ser implantada a partir de 2012, mas somente em 2015 que o governo federal estabelece mudanças que representam uma desoneração na folha de pagamento. A desoneração de folha atualmente, ela vai permitir que 17 setores substituam a contribuição previdenciária de 20% sobre os salários dos empregados, dos seus colaboradores, por uma alíquota sobre a receita bruta, que vai variar de 1% a 4,5%. Então, quando você pega esses 17 setores, todos eles juntos têm cerca de quase 9 milhões de trabalhadores empregados. E, aí que vem toda essa questão política também: sabemos que o Congresso Nacional vai decidir se ele vai prorrogar esses benefícios fiscais, que na verdade é o que a gente chama de contribuição patronal no pagamento da contribuição previdenciária, que é uma contribuição que custeia o pagamento das aposentadorias e dos benefícios da previdência social.   

Agora, voltando na desoneração que começou em agosto de 2011, e aí foi transformada em lei, que é a lei 12.546, em 4 de dezembro de 2011. Essa é uma política que a gente chama da economia de política anticíclica, uma política anticrise que começou a ser pensada pós-crise do subprime, que foi em 2008 para 2009 e agora ela está sendo revista.

E, na prática quando a gente fala de desonerar, a gente está falando de deixar também de arrecadar. E aí tem um impacto justamente com o custeio da Previdência. Então, aí entra a questão da análise do governo: de um lado, com a desoneração, ela vai possibilitar que essas empresas, esses 17 setores, possam, de certa forma, contratar mais, que a gente sabe que isso pode ser importante. E, de um outro lado, tem o governo federal que analisa justamente essa questão da arrecadação: por que vai desonerar somente esses 17 segmentos, se poderia também pensar em uma política muito maior, já que vai fazer essa desoneração? Quando a gente pega alguns dados aqui, por exemplo, os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2022, a gente vai analisar que nenhum desses setores desonerados vai figurar entre os sete que ocupam mais da metade dos trabalhadores do Brasil. Nesses setores, na verdade, concentram a maioria dos contribuintes da previdência social, então, o governo está buscando o que a gente chama de ajuste fiscal, ou seja, de um lado, vai se perder e, de outro, a política fala que essa desoneração vai auxiliar na criação de novos postos de trabalho, o que não deixa de ser verdade.   

Então, será mesmo que essa desoneração que começou a ser pensada em 2011 e agora querem que continue, será que realmente houve essa geração de empregos? Os estudos do IPEA, que é o Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada, não arrisca dizer que houve uma ascendente de emprego. Existem outros indicadores que foram positivos, mas, na verdade, em relação à geração de emprego é uma incógnita. Essa ideia política, que essa desoneração ajudaria a gerar mais empregos não é realista, porque a gente não tem esses dados.

Outro ponto é que quando essa regra da desoneração foi criada, a gente vivia num momento de pós-subprime, onde a economia brasileira estava num momento muito difícil, e a regra da desoneração foi muito importante. Agora, a gente precisa entender qual é o momento da nossa economia e o próprio IPEA fala que essas empresas privadas de outros setores tiveram um aumento de 6,3%, que equivale a 1,7 milhões nos empregos com carteira assinada, de 2012 a 2022, enquanto os setores que foram desonerados tiveram uma queda de 13%, o que representa 960 mil postos de trabalho nesse mesmo período, ou seja, todos os setores com folha desonerada reduziram suas participações totais de ocupados.

Então, o IPEA já traz esses dados em relação ao que aconteceu na política de desoneração lá atrás, de 2012, até 2022. Essa política de desoneração não teve um sucesso direto em aumentar o número de empregos, de acordo com o próprio IPEA. Na verdade, durante esses 11 anos, teve um custo muito alto e o resultado muito aquém do desejado. Por isso que existe esse debate. É muito mais um debate político do que um debate econômico, porque quando a gente traz isso para dentro da economia, a gente vai analisar os números da desoneração e em algum momento entre 2012 a 2022 a política de desoneração auxiliou na diminuição de perda de empregos, mas não ajudou a criar novos postos de emprego. Dessa forma é muito mais um discurso político do que prático. Dessa forma a desoneração beneficia muito mais grupos específicos.   

O veto integral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a esse projeto de lei que prorrogaria essa desoneração da folha salarial, vai trazer impactos na economia do país?  

Em relação à decisão de Lula de vetar de forma integral, a gente precisa entender, que existe um custo dessa desoneração de R$ 9,4 bilhões por ano aos cofres públicos. Na minha concepção temos que pensar em outra forma que não seja necessariamente a desoneração, porque desonerar foi no momento que a gente estava na questão do pós-subprime. Agora, obviamente, que a economia está se recuperando, mas não está ainda recuperando de uma forma rápida, esses setores fazem esse lobby, que é justamente essa relação com a criação de novos postos. Como eu já disse, não existe relação direta com a criação de novos postos em relação a esses 17 setores.

Por isso que a gente precisa pensar uma alternativa além da desoneração. Desonerar é muito simples, politicamente falando. E aí é muito mais um lobby político do que um pensamento de política pública. Então, a gente precisa pensar em política pública, não em politicagem. Obviamente, que esses políticos fazem lobby. E aí quem paga somos nós. Depois essa conta vai chegar, principalmente porque tem relação direta com a questão da previdência. A gente precisa entender que esse é um veto, e aí o Lula fez uma fala muito menos política e muito mais preocupada com essa questão previdenciária, essa questão de custo. Então, a gente vai ter essa briga política, porque esses setores vão cobrar, politicamente falando, enquanto o governo está preocupado com essa questão fiscal.  

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mencionou que os senadores estão abertos a ouvir o governo sobre eventuais alternativas. Na sua opinião, quais poderiam ser essas alternativas para conciliar as necessidades do governo e dos setores beneficiados? 

Então, existe aí, só para a gente entender e argumentar de forma teórica, na teoria da economia tradicional, ela vê como ineficiente essa questão de tributação dentro da folha de pagamento, e, existem dois tipos de salários no mercado, o salário que a gente chama de salário líquido, recebido pelo empregado, e o salário acrescido de tributo, que é o pago pelo empregador.

E, é aí que está essa grande briga que perdura muito tempo, inclusive dentro da teoria econômica. Essa interpretação de impacto de tributo, que nesse caso aqui é sobre folha de pagamento, ela assume, principalmente nos países periféricos, essa suposta incidência de imposto que existe, e essa incidência, ela recai sob o empregador. Isso é o que defende a teoria tradicional da economia, que esse empregador enfrenta o que a gente chama de percalço, porque existe uma incidência de imposto, e que já é um problema tradicional, dentro do próprio campo da economia, que a gente fala que é um estudo de setor público e vai falar que essa incidência efetiva do tributo, ela é uma imposição legal de incidência, e no caso do mercado de trabalho, é especialmente relevante, porque os encargos sobre a folha resultarão em desemprego, apenas quando eles puderem ser repassados aos trabalhadores na forma de salário mais baixo.

Dessa forma, quando a incidência do imposto sobre a folha recair sobre os trabalhadores, a previsão teórica é de que haverá salários menores e não desemprego, ou seja, aí que está a questão teórica, não existe uma relação de desoneração com aumento de emprego ou geração de emprego. Não existe isso. Isso a gente precisa ter muito bem desenhado em relação à teoria econômica.  

Como a decisão de vetar a desoneração da folha de pagamento pode afetar a geração de empregos e a saúde financeira das empresas, especialmente aquelas que compõem os 17 setores mencionados no projeto de lei? 

Em relação ao impacto para essas empresas que, com veto presidencial, podem não ser desoneradas, elas não implicam uma questão de que essas empresas deixarão de contratar. Aquilo que eu sempre digo, o que gera realmente emprego é investimento direto. Então, essa possível não desoneração não vai significar que esses 17 setores vão deixar de empregar. Não tem como saber o impacto real sobre isso. A gente precisa tomar um certo cuidado porque existe um lobby político. Ah, vai ser impactado. Não, a gente não tem como saber se vai realmente ser impactado. Porque não tem como saber se esses 17 setores realmente, com a desoneração, iriam empregar, como os estudos estão demonstrando que não tem relação direta com o emprego. Obviamente que auxiliaria, a desoneração, tem o lado positivo que ia auxiliar nessa questão das finanças da empresa, mas não tem relação com a questão de geração de emprego.  

O PL 334/2023 propõe o aumento em 1% da alíquota da Cofins para a Importação até dezembro de 2027 para compensar a diminuição da arrecadação. Qual é a sua avaliação sobre essa estratégia e seus possíveis efeitos na economia? 

Querendo ou não, precisa ter uma compensação para que você possa ter uma política fiscal de forma coesa, porque tem que ter uma contrapartida. Então, é isso que o governo também acaba insistindo. Quando a gente pega na literatura, a gente sabe que menos impostos, contribuições, podem gerar crescimento econômico, mais emprego, bem-estar social. Isso é muito vendido como se fosse algo lógico, mas não é algo lógico.

Quando a gente vai apontar para a desoneração da forma de pagamento, a gente precisa analisar o impacto real. Então, isso tem um impacto real na diminuição da arrecadação que financia a Seguridade Social. Na verdade, é uma equação. O que vai significar esse impacto na diminuição da arrecadação que financia a Seguridade Social? Vai significar o quê? Menos direitos sociais. Vai significar que a receita vai deixar de recolher ali bilhões em contribuições sociais, e aí somado com os tributos e impostos que também deixarão de ser arrecadados.

Isso tem que ser muito bem pensado e tomar muito cuidado em relação a isso, porque é uma coisa que eu sempre digo: a economia, ela não leva desaforo para casa. A gente precisa entender que renúncia fiscal, ela tem que ser muito bem pesquisada e ela deve ser muito bem pensada, porque posteriormente, pode dar um grande problema e a gente está vendo que quando o Estado deixa de arrecadar os recursos, o que mais sofre realmente é essa questão de saúde, de previdência e assistência social, que são os direitos previstos na Constituição Federal e, realmente, a conta dessas desonerações vai chegar para a grande parte da população.  

O projeto também prevê a redução da alíquota da contribuição previdenciária para municípios com população de até 142.632 habitantes. Como essa medida pode impactar as finanças municipais e a previdência social?  

Quem vai pagar a conta é justamente a Previdência e precisamos entender que diferente dos impostos, essas contribuições sociais, que são o que a gente chama de Programa de Integração Social, que é o PIS, a Contribuição para o Fornecimento de Seguridade Social, que é o Cofins, e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que é o CSLL, além das outras contribuições previdenciárias, elas são o que a gente chama de dinheiro carimbado, é um dinheiro certo, que tem um destino certo, para justamente financiar essas áreas sociais. E, quando eu faço essa desoneração eu vou deixar de arrecadar, justamente, para essa questão de Seguridade Social. Esse dinheiro que deixa de arrecadar, ele é usado para compor as despesas do governo com a saúde, além de pagar a questão das aposentadorias e, nesse caso, principalmente na Folha, é justamente da questão da Previdência. Existe muito um lobby político e pouco viés numérico de assertivo. A desoneração, ela é importante nos momentos de crise, quando não estamos em momentos anticíclicos, ela precisa ser revista, porque, posteriormente, isso vai dar algum tipo de problema ali no final de uma ou duas décadas.  

Essa desoneração, na verdade, eu acredito que ela não tem que somente ser na questão da folha de pagamento, porque na folha de pagamento a gente já viu e já debateu que ela é importante para manter os empregos, ela não gera emprego, não tem relação direta com isso. E ela é muito importante em termos de quando você tem crises econômicas. Só que a gente precisa defender esse tipo de incentivo que não vai incidir em políticas sociais, esse tipo de renúncia é muito perigoso quando tem uma incidência direta com essa questão de seguridade social. A gente precisa debater isso e não deixar que isso interfira na questão de seguridade social. Se continuar interferindo, no futuro nós teremos problemas e a gente não quer ter problema porque o nosso país está envelhecendo. Não adianta a gente pensar somente no presente e não vislumbrar o futuro. O Brasil está ficando um país velho. Então, a gente precisa ter muito cuidado nesse quesito.  

Já em relação à questão dos municípios, o projeto vai incluir a desoneração da folha de pagamento dos municípios, com menos de 142,6 mil habitantes, e eles podem ter essa contribuição previdenciária reduzida de 20% para 8%, variando de acordo com o produto interno bruto, que seria o PIB per capita.

Então, é uma questão também que a gente não sabe como que diretamente ficará afetada isso dentro dos municípios, porque a gente precisa compreender posteriormente como que será o impacto. Lógico que vai ter o impacto direto a curto prazo, mas a gente precisa analisar também a médio prazo esse tipo de município, porque é isso que eu te falei, não tem ligação direta com geração de emprego. A gente precisa ver como que os municípios vão agir a médio prazo, no caso. 

Diante desse contexto, quais são suas perspectivas para o futuro da desoneração da folha salarial no Brasil? E como a interação entre o governo e o Congresso pode moldar essas perspectivas?  

Entendo que a gente precisa ter um debate muito maior, muito mais amplo em relação à desoneração, e aí a gente precisa buscar outras alternativas, porque sempre vai ter essa questão de impacto econômico, porque você tira de um setor, você auxilia um setor, mas a questão social vai sair prejudicada. A gente tem que olhar com muito carinho em relação a isso. Porém, também tem que olhar com muito carinho em relação à esses setores, que têm alta intensidade de mão de obra e também sofrem um impacto gigante. É um debate válido, mas é um debate que precisava ser olhado de uma forma menos política e ser olhado de uma forma mais técnica. O grande problema do nosso país é que a política hoje sobressai em questões de tecnocracia. A gente precisa aprender a olhar para o presente, mas aprender a vislumbrar o futuro. E eu acredito que esse tipo de impacto na economia que eles querem fazer de curto prazo é válido, mas também deve ser pensado, porque nós não estamos no mesmo cenário do pós-subprime.

A gente não pode sempre buscar uma alternativa que seja rápida, temos que aprender a pensar a política pública e, infelizmente, o Brasil peca, porque não consegue pensar em política pública a longo prazo. Pensa sempre em política imediatista e isso é muito perigoso.

É muito dúbio essa questão e precisa realmente ser melhor debatida, mas, não tem relação direta com o maior volume de emprego. Isso não sou eu que estou falando, a própria pesquisa do IPEC demonstra isso. Não tem como usar isso como justificativa, porque nós não estamos numa época de crise global.

Isso não faz nenhum sentido, mas precisamos olhar com carinho, não somente para esses setores, mas para todos os setores da economia, para que a gente possa pensar em política pública, auxiliando também o empregador e também o empregado. É uma situação dúbia que precisa ser estudada e precisa de gente que saiba o que está falando e, principalmente, o que está fazendo, porque não se governa em quatro anos. A política tem que ser feita pensando em médio a longo prazo. 




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