Rafaela Maximiano
A saúde mental desempenha um papel crucial no contexto do diagnóstico do câncer, uma realidade que o médico mastologista, especialista em oncologia ginecológica e professor universitário, Wilson Garcia, enfatiza na Entrevista da Semana.
“Receber a notícia de um diagnóstico de câncer é uma experiência profundamente desafiadora, permeada por emoções intensas. Para muitos, é como se o chão se abrisse sob seus pés, uma vez que o câncer é frequentemente associado a estigmas e medos profundos”, pontua o médico.
Dr. Garcia destaca que, além das preocupações com a própria vida, os pacientes enfrentam uma série de complexidades, como escolher o tratamento adequado, lidar com incertezas sobre o futuro e enfrentar a possibilidade de efeitos colaterais significativos. Esses desafios podem desencadear ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental.
Ao FocoCidade, ele também detalha a jornada emocional comum que os pacientes enfrentam após o diagnóstico do câncer, que inclui negação, raiva, barganha, depressão e, finalmente, aceitação. Esses estágios emocionais variam de pessoa para pessoa, mas compreender essa trajetória é essencial para oferecer o suporte necessário.
Como a ansiedade e o estresse podem afetar significativamente a jornada de tratamento do paciente com câncer; a importância do sono na recuperação; a ligação intrínseca da saúde mental e física; o paciente e a família; a importância de afastar pessoas negativas; todos os envolvidos, incluindo cuidadores, devem receber apoio psicológico; todos assuntos também abordados.
“Mas importante dizer que o câncer pode ser uma oportunidade para ressignificar a vida, valorizar o que é realmente importante e progredir em direção a uma vida de maior qualidade e propósito. A jornada do câncer, embora desafiadora, pode levar a transformações positivas na vida dos pacientes”, afirma Wilson Garcia.
Confira a entrevista na íntegra que pontua em tempo, a última semana do Setembro Amarelo, boa leitura!
Qual é a importância de considerar a saúde mental no contexto do diagnóstico do câncer?
A importância de considerar a saúde mental no contexto do diagnóstico do câncer é fundamental. Receber um diagnóstico de câncer é uma experiência emocionalmente desafiadora para a maioria das pessoas. Além das preocupações com a própria vida, há uma série de questões complexas a serem enfrentadas, como escolhas de tratamento, incertezas quanto ao futuro e a possibilidade de efeitos colaterais significativos.
Precisamos reforçar que o câncer é uma doença extremamente estigmatizada, associada à morte, à incapacidade profissional, perda financeira, incapacidade de prover à família, sensações de mutilações, o medo de ficar deformado ou com sequelas que incapacitem sua vida futura. Então, quando a pessoa recebe o diagnóstico de câncer é extremamente difícil para os pacientes, é um momento de extremo sofrimento e muitas vezes os pacientes desabam, choram, mesmo na frente do médico após ter o resultado do exame e é como se eles “perdessem o chão”.
Então, todas essas questões podem desencadear ansiedade, depressão e outros problemas de saúde mental. A saúde mental não é apenas um aspecto complementar do cuidado do paciente com câncer; ela está intrinsecamente ligada à capacidade de enfrentar o tratamento de forma eficaz, à adesão às recomendações médicas e à qualidade de vida durante e após o tratamento.
Quais são os desafios emocionais mais comuns que os pacientes enfrentam após receberem um diagnóstico de câncer?
É uma sequência muito clara quando o paciente recebe o diagnóstico de câncer, a primeira fase é a negação da doença, alguns pedem para refazer o exame, fazer uma biopsia, questionam se o médico não errou, até questionam se o exame não foi trocado, a primeira fase quando o paciente recebe o diagnóstico é de tentar negar que aquele diagnóstico seja seu. Em um segundo momento, já sabendo que não tem como mudar o diagnóstico o paciente passa por “uma revolta”, raiva. É onde o paciente se pergunta “por que eu?”, “eu não merecia”, entre outras exclamações, eles ficam com muita revolta em uma segunda fase e um sentimento de raiva intenso.
A terceira fase após receber o diagnóstico de câncer é a barganha, os pacientes tentam barganhar dizendo “eu vou ser uma boa pessoa no futuro, vou deixar de fazer isso ou aquilo, vou ajudar o próximo” é como se fosse uma série de barganhas que ele tenta fazer em troca da cura, de se livrar da doença. Após essa barganha os pacientes invariavelmente entram em um processo de depressão, de tristeza de incompreensão, de apatia, de sonolência, de perder a força para lutar pela vida, de abatimento, que é a quarta fase: da depressão.
Após amparado, esclarecida as dúvidas, as perspectivas de tratamento, o paciente é inserido em qual real momento que esse câncer está no seu corpo, nesse momento o paciente já deve também ter recebido apoio psicológico para ele aceitar a doença e se prepara para o tratamento, essa é a fase da aceitação. Ele aceita o diagnóstico, tem a compreensão de que aquilo é um problema dele e procurar saber o que ele pode e o que não deve fazer para obter os melhores resultados possíveis para buscar a sua cura.
Como a ansiedade e o estresse podem afetar a jornada de tratamento do paciente com câncer?
A ansiedade, deixa os pacientes em um estado emocional muito ruim, onde é possível ele não aderir ao tratamento, fica extremamente medroso, angustiado, por muitas vezes aparece a insônia e ele não dormindo direito, ele não vai fazer uma recuperação da sua qualidade física, o sono é restaurador do nosso sistema imunológico; o sono, sem dúvida alguma, alimenta o corpo e é fundamental para que esse organismo seja capaz de enfrentar o câncer.
Então vem a insônia, algumas vezes também vem erros alimentares, vem sintomas psicossomáticos como urticária, coceira, dores fantasmas, diarreia, gastrite intensa. Então a ansiedade está ligada a vários sintomas ruins e o estresse leva a muita irritabilidade, nervoso, perda da qualidade de vida, também leva à insônia ou hipersonia, dores exacerbadas, sintomas vasoativos como cardiovasculares, taquicardia, baixa pressão, sudorese e também sintomas psicossomáticos, onde os pacientes começam a sentir dores e sensações que não são de origem real, são de origem dos pensamentos. Os pensamentos fabricam certos sintomas que nem sempre estão correlacionados com alterações físicas.
Quais são os sinais de que um paciente pode estar enfrentando problemas de saúde mental após o diagnóstico do câncer?
Sinais de que um paciente pode estar enfrentando problemas de saúde mental após o diagnóstico do câncer incluem mudanças significativas de humor, como tristeza persistente, irritabilidade ou apatia. O isolamento social, a perda de interesse em atividades anteriormente apreciadas e dificuldade para lidar com o estresse também são indicadores. Além disso, qualquer manifestação de pensamentos suicidas deve ser levada a sério e comunicada ao seu médico imediatamente.
Que tipo de apoio emocional e psicológico é importante para pacientes com câncer? E, qual é o papel da família e dos amigos na promoção da saúde mental desse paciente?
O que o paciente oncológico mais precisa para ajudar o seu caminhar durante o tratamento é esse amparo, a ajuda dos familiares e amigos. É fundamental que ele se sinta apoiado, amparado, cuidado com pessoas ao seu redor para apoiá--lo nesse momento de tão intenso sofrimento e dúvidas. É importante lembrar também que nesse momento surgem muitas pessoas que são curiosas, realmente não são pessoas tão amigas e muitas vezes a gente pode falar até fuxiqueiros... que vem só para especular a doença e sair contando sobre a situação do paciente, sempre de uma forma depreciativa. Então cabe a família também evitar o contato dessas pessoas negativas, conversadeiras, despreparadas, os fuxiqueiros mesmo, de entrar em contato com o paciente. Porque eles em nada ajudam e muitas vezes pioram a situação emocional do paciente, sempre trazendo exemplos e situações de perdas, situações negativas para esse paciente.
Como recomenda que os pacientes iniciem uma conversa sobre suas emoções e preocupações com sua equipe médica?
Uma riqueza muito grande do oncologista é saber ouvir os seus pacientes. E os pacientes têm que realmente ter uma conversa franca, direta, expor todas as suas dúvidas e só o fato dele raciocinar, expressar o seu sofrimento, o seu medo, o seu temor, muitas vezes somente o expressar já melhora em muito a qualidade de vida deste paciente. E vale lembrar também que muitas vezes ele expressa uma dúvida, um sentimento, e muitas vezes nós conseguimos mostrar para ele que realmente aquela situação não está relacionada com o câncer, que ele pode ficar tranquilo, e corrigir aquela percepção errada.
Outra coisa importante é o médico posicionar o paciente na noção real, exata da situação do seu câncer, em que se ele está avançado, se ele é inicial, quais são as perspectivas futuras. Essa conversa franca, corajosa e que posiciona o paciente no seu momento de vida também é fundamental. Mas só do paciente falar as suas angústias e o médico ser um bom ouvinte, pode ter certeza que ele já sairá de lá recuperado, revigorado e mais apto a enfrentar as suas dificuldades.
O acompanhamento psicológico é indicado para quem, só para o paciente ou para a família e amigos próximos, também?
Todas as pessoas que lidam com pacientes oncológicos precisam receber um apoio emocional, um apoio psicológico. E toda família sempre vai ter uma pessoa que a gente chama de cuidador, que é aquele que dispensa mais tempo, mais cuidado, que passa mais horas cuidando do paciente oncológico. Então este cuidador precisa de uma atenção especial, porque senão ele adoece.
Nós precisamos cuidar muito bem de todos os familiares, e em atenção especial, aquele que mais se dedica ao paciente, aquele que deixa um pouco mais seus afazeres, aquele que faz a maioria dos trabalhos, que limpa, que dá comida, que conversa, que troca cama, que vira de posição. Então o cuidador merece um atendimento especialíssimo. Infelizmente também toda família tem aquele que vem de vez em quando. Ele é uma pessoa prepotente, que fala, que reclama, que fala que o paciente não está sendo bem cuidado, que precisa fazer isso, aquilo, porque que ainda não fez outro fator. E esse é o que vem de vez em quando. Ele fala, fala, fala, reclama, reclama, reclama do que está sendo feito, mas pouco se dedica ao paciente. Aí ele desenha, deprime todos que estão cuidando do paciente, colocando as falhas que porventura possam estar ocorrendo, ou não está sendo um tratamento 100%, assim, existem sempre imperfeições. Mas ele vem, fala, fala, fala, exige que tem que fazer mais isso, isso, isso, e vai embora.
Então essa pessoa, normalmente é um parente que tem uma certa ascensão sobre os outros, e essa pessoa nós temos que tomar muito cuidado e enquadrá-la também, que este comportamento não traz benefícios aos cuidadores, mas que realmente dão apoio diário e cotidiano e nas atividades do dia a dia para o paciente oncológico.
Vencido o câncer, ainda é preciso se preocupar com a saúde mental?
O paciente oncológico, dificilmente seu quadro emocional vai ser igual, ou como ele sempre foi. Sempre vai ficar um medo intenso, uma preocupação de uma recidiva (o reaparecimento da doença ou sintoma), isso é muito intenso. Muitos pacientes, por si só, às vezes, fazem os exames periódicos de controle para ver que o câncer não voltou. E esse período entre fazer o exame, o exame ser laudado e ele levar ao médico, até ele escutar a resposta que está tudo bem, é de extremo sofrimento para este paciente. Ele vivencia muita angústia, muito medo de que os exames denotem alguma alteração, alguma possibilidade de recidiva. Então, isso é uma situação muito comum, muito frequente, porque as sequelas emocionais permanecem para sempre.
Diante do diagnóstico de câncer de mama ou de outras formas de câncer oncológico, que podem envolver a perda de uma mama ou a impossibilidade de ter filhos, qual abordagem o médico deve adotar para apoiar a saúde mental da paciente nesse momento desafiador?
Nesse aspecto o que é muito importante frisar é se o tratamento realmente pode trazer alguma deficiência, alguma imperfeição física ou emocional, mas este paciente precisa ser estimulado a vencer essa limitação e a voltar a desenvolver suas atividades cotidianas. Aprender a lidar com essas sequelas. Isso é muito comum, por exemplo, essas sequelas que trazem um sofrimento intenso, principalmente para o sexo feminino, quando as mulheres perdem o cabelo, ou seja, ficam carecas durante o processo de quimioterapia. Sequelas importantes que tem pacientes que, para o tratamento de alguns tumores de partes moles, tem que passar pela amputação de um braço, amputação de uma perna, que são sequelas importantes.
Outra sequela que é muito importante, que os pacientes reclamam, é aqueles que têm colostomia definitiva, mulheres que sofrem mastectomia, ou seja, a perda de uma mama. E outro aspecto muito importante também são as perdas sexuais, perdas de libido, que ocorrem muito comumente nos tratamentos dos cânceres ginecológicos e também nos cânceres de próstata e de pênis no homem. Então são sequelas que ficam, mas que precisam ser estimulados a aprender a conviver com aquela limitação e eles podem ter uma vida plena mesmo com aquela limitação ou falta.
Quais são as mensagens-chave que você gostaria de transmitir aos pacientes e suas famílias em relação à saúde mental e ao diagnóstico do câncer?
É importante a gente lembrar também que nós, como os ocidentais, somos muito pouco afeitos a falar sobre a morte, sobre a finitude da vida. E diante de um diagnóstico de câncer, muitas vezes os pacientes refletem mais sobre isso, as famílias conversam mais sobre isso e com isso o paciente consegue prospectar, programar um futuro de vida mais sensato.
A oportunidade da cura, ou o diagnóstico do câncer, faz com que muitas pessoas ressignifiquem a sua vida, passem a não valorizar mais pequenos detalhes não importantes do cotidiano da sua vida, alguns detalhes insignificantes que às vezes eles valorizavam muito e representavam uma coisa extremamente negativa.
Então os pacientes com câncer, por muitas vezes, eles passam a valorizar mais as coisas que são realmente importantes, a família, os seus sonhos, os seus ideais ainda de realização futura, os seus reais valores, a proteção e o convívio das pessoas que ele ama, reorganização profissional, de carga de trabalho.
Eu posso afirmar com toda segurança que não são um, dois ou três, são infinitos casos que eu tenho na minha vida profissional de pacientes que tiveram a vida melhorada após o tratamento e a cura do câncer. Eles se tornaram pessoas muito melhores em virtude do câncer que tiveram. Então o câncer proporcionou essa reflexão, escolha melhores desses pacientes e passam a ter uma vida de melhor qualidade e mais útil para a sociedade.
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