• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Especialistas analisam Reforma Tributária e atual cenário econômico do país  


Rafaela Maximiano

Com a previsão de votação de uma primeira etapa da Reforma Tributária brasileira e polêmicas quanto à perda de arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, o ICMS, principalmente pelos estados do Centro-Oeste brasileiro, o FocoCidade conversou com três especialistas: o advogado tributarista Victor Humberto Maizman e os economistas Vivaldo Lopes e Fernando Henrique Dias

Os três responderam aos mesmos questionamentos e analisaram se realmente os estados menos populosos, principalmente do Centro-Oeste brasileiro - a exemplo de Mato Grosso, irão perder arrecadação de ICMS; pontuaram sobre a importância da Reforma Tributária para o país; analisaram a situação econômica do Brasil e avaliaram os resultados e caminho político-econômico que o Governo Lula tem trilhado nesses seis meses.  

Confira a Entrevista da Semana levando em consideração os questionamentos:  

O governador Mauro Mendes, assim como outros governadores, está apontando que os estados irão perder com a Reforma Tributária que está em pauta no Congresso. É valida a preocupação deles? Qual a importância da Reforma Tributária para o país hoje?  

Qual sua análise sobre a atual situação econômica do país?   

Com esse cenário, acredita que o presidente Lula começa a ganhar força devido à política econômica aplicada? O governo está no caminho certo?  

Boa Leitura!  

Victor Humberto Maizman   

- Em reunião com o setor industrial tive a oportunidade de advertir o governador quanto as propostas de Reforma Tributária em trâmite perante o Congresso Nacional. Sustentei que no caso os estados mais desenvolvidos apoiam a proposta que impede que os estados e municípios concedam incentivos fiscais. Todavia, há estados, a exemplo do estado de Mato Grosso, que dependem de uma política de atração de investimentos através de incentivos fiscais. Aliás, como sempre tenho dito, a Reforma Tributária não pode tratar os desiguais de forma igual.

Oportuno salientar que o argumento segundo o qual a renúncia fiscal arruína a Fazenda dos estados é absolutamente improcedente para os estados não industrializados. Nestes, a isenção de impostos para atrair empreendimentos novos é fórmula que aumenta, sem dúvida, a arrecadação, na medida em que aumenta a capacidade de compra de um número significativo de pessoas. Desse modo, retirar dos estados o poder, o dever, de adotar políticas de desenvolvimento através de programas de incentivos fiscais é manifestamente inconstitucional, uma vez que a Constituição impõe de forma contundente que é poder e dever do Poder Público promover o desenvolvimento econômico e social das regiões menos favorecidas, reduzindo assim, o impacto das desigualdades sociais.

Além do mais, as propostas de Reforma Tributária em trâmite perante o Congresso Nacional vão resultar na majoração da carga tributária, ou seja, embora resulte numa simplificação das obrigações fiscais, haverá sim o aumento do custo tributário para o contribuinte. Aliás, tenho mencionado que não há nas referidas propostas a possibilidade de o contribuinte abater do Imposto de Renda as despesas com os remédios, como também não há a possibilidade de abater integralmente as despesas com a saúde.  

E, referente ao setor produtivo, o empregador paga muito tributo para ter um empregado, ou seja, são questões que não estão sendo tratadas em tais propostas. Enfim, se for fazer a reforma, dever-se-ia olhar mais para aqueles que sustentam o Estado, digo nós os contribuintes.  

- É preciso que sejam reduzidos os tributos sobre os produtos essenciais para que sejam baixados os índices inflacionários, que por sua vez, resultará na redução das taxas de juros. Por outro lado, a redução tributária na produção estimula a industrialização e a geração de empregos, ou seja, ainda cabe mais intervenção fiscal benéfica no sentido de fomentar o desenvolvimento social e econômico do país.  

- Sei da complexidade econômica nacional, porém insisto que devem ser concedidos mais estímulos para fomentar a economia e reduzir os gastos públicos. E no que se refere aos gastos públicos, entendo que cabe ao Governo Federal iniciar uma ampla Reforma Administrativa no sentido de poder minimizar o custo estatal, hipótese que com certeza terá efeito direto na economia como um todo.  

 

Vivaldo Lopes  

- Todos os estudos que acessei até agora, diversas academias, consultorias privadas e independentes, demonstram que a Reforma Tributária vai beneficiar mais os estados em estágio mais atrasados em desenvolvimento e estados em desenvolvimento. Portanto, não vejo que os estados vão perder com a Reforma Tributária, ao contrário, a minha leitura é que todos os estados ganharão com a Reforma Tributária. Àqueles que poderão ter algum problema com a Reforma Tributária é porque ela tem duas bases, no caso de Mato Grosso por exemplo, impactam o Estado. Primeiro é a retirada completa dos incentivos fiscais, os que existem vão até 2032 e nesse ano perderão a prerrogativa de dar incentivos fiscais para empresas, setores ou segmentos. O outro fator é a alteração da tributação. Hoje a tributação do ICMS é feita uma parte onde é produzido o bem e a Reforma Tributária muda isso para tributar onde o bem é consumido. Como Mato Grosso produz alguns bens que são consumidos fora do Estado há um impacto que deixa dúvidas.   

A minha leitura é em dois pontos: primeiro não vejo que vai impactar tanto porque 70% do que Mato Grosso consome aqui nós importamos de fora, a exemplo de caminhões, maquinário agrícola, carros, utilitários, importamos praticamente todos os bens industrializados consumidos na construção civil, importamos eletrodomésticos, computadores, smartphones, que são consumidos e são bens de alto valor agregado. Exportamos soja em grãos, milho, a carne que é produzida aqui é consumida fora, então, no balanço geral Mato Grosso se beneficia com a tributação do ISS no domicilio fiscal onde é consumido. Na parte de serviços principalmente, hoje tudo o que Mato Grosso consome aqui de serviços de seguradora, cartão de crédito, plano de saúde, de leasing que hoje é recolhido o ICMS lá onde as empresas têm sua base tributária e não aqui em Mato Grosso. Então, tudo o que a gente importa de alguns serviços de alto valor agregado o ISS não é pago aqui, é pago no local onde são instalados. Além disso, a Reforma Tributária tem duas ferramentas muito importantes para proteger estados que possam ter perdas no começo da implantação do novo sistema tributário. O primeiro é que ela deve ter um mecanismo que nenhum estado ou município vai ter perda nos primeiros cinco anos da implantação, então vai ter um fundo para garantir possíveis quedas de arrecadação com a implantação da Reforma Tributária nos primeiros cinco anos será protegido e garantido por esse fundo de desenvolvimento. Esse mesmo fundo também vai devolver aos estados possíveis perdas que eles tenham quando perderem a prerrogativa de darem incentivos fiscais de ICMS para as empresas, tanto é que os governadores estão entendendo que esse fundo deve ter R$ 75 bilhões de salto para poder proteger municípios e estados que possam ter alguma perda na fase de transição da implantação e também pela retirada dos incentivos fiscais, portanto ela tem salvaguardas protetivas para o período de transição.  

A importância da Reforma Tributária é vital para a melhoria da produtividade e da competitividade econômica e comercial do Brasil. Portanto, o país ou altera o sistema tributário e logo após essa tem que vir outra que é do Imposto de Renda, a tributação sobre dividendos, sobre lucros, renda, sobre patrimônio, é preciso uma outra Reforma Tributária que vai impactar renda, lucro e patrimônio. É de vital importância econômica a implantação da Reforma Tributária para o Brasil.  

- A minha análise do cenário econômico do país é positiva. Eu entendo que no segundo semestre, nós ainda vamos ter uma pequena alta da inflação, mas no final do ano a inflação vai estar em torno de 4% ou 4,5%. Lembro que há 12 meses a inflação estava em 12%, hoje 13,95% e deve fechar o ano próximo de 4%. Entendo que a partir de agosto o Banco Central vai começar a redução da taxa Selic, a taxa de juros, o fato de aprovar o arcabouço fiscal no Congresso Fiscal, o novo regramento fiscal, que está previsto para começar a votação na primeira semana de julho, esses fatores e o ambiente externo melhorando também, a China voltando a comprar, os Estados Unidos e a União Europeia reduzindo os seus índices inflacionários, vai ajudar a impulsionar a economia global, isso tem reflexos aqui no Brasil.

E, o bom desempenho do setor agropecuário também ajuda muito a economia brasileira, aumenta as exportações, o preço das commodities apesar de ter caído um pouco ainda estão bons, isso também vai turbinar e a melhora do setor de serviços. Essa soma de fatores vamos ter um segundo semestre melhorando a economia, baixando a taxa de juros, a inflação ficando próximo de 4% e monta um cenário favorável para o segundo semestre, melhorando ainda mais a partir do primeiro semestre de 2024. 

– Sim, quando o presidente Lula avança bem, tem a economia estabilizada e a força na área econômica melhora o ambiente de negócios e melhora a economia, ele também ganha musculatura política. Tanto no Congresso Nacional, entre os parlamentares que o apoiam e os que não o apoiam ou estão em dúvida. Quando a política econômica vai bem, estabilizada e começa a tomar rumos de crescimento econômico, naturalmente isso reforça o ativo político, a musculatura política do governante, no caso do presidente Lula. Esse reforço, o ambiente político e principalmente da sua aceitação e aprovação perante à sociedade também tem reflexos no Congresso e entre os partidos, tanto os que apoiam e os que não o apoiam ou ficam aí no meio do caminho. Isso cria um ambiente favorável para criar, por exemplo, uma segunda etapa da Reforma Tributária que é alterar o sistema de Imposto de Renda, da tributação sobre a renda, sobre dividendos e sobre patrimônio, que é a segunda etapa da Reforma Tributária tão necessária quanto essa primeira sobre o consumo.  

 

Fernando Henrique 

- Antes de comentar essa polêmica vou explicar o que é a Reforma Tributária, que é extremamente complexa e que vem sendo discutida desde 2019, e eu falo complexo porque nosso sistema tem muitas legislações, tem muitas exceções, tem muitas isenções e diferentes alíquotas. E tudo isso gera insegurança jurídica, guerra fiscal entre os estados e municípios. E, desde 2019 se discute uma forma de repensar essa questão tributária, a Reforma Tributária.

O que se pretende com a Reforma Tributária em questões de características é a substituição dos cinco impostos por valores agregados que chamam de IVA. Aí deixariam de existir o IPI, que é o imposto sobre o produto industrializado, a contribuição para PIS e PASEP que são os programas de formação do patrimônio do servidor público, o Cofins que é a contribuição para financiamento da seguridade social a nível federal, além do ICMS que é o estadual e o ISS que é o municipal.

Esses cinco impostos seriam substituídos por dois: o IVA federal e o IVA subnacional que seriam similares, mas geridos de modo a assegurar maior autonomia da federação. Com essa substituição o que muda é o efeito de tributação em cascata. O Brasil é o único país que existe a tributação em cascata no mundo.

O novo modelo prevê uma ampla base tributária não cumulativa, é o que chamamos de incidência por fora por isso que não tem como ter um efeito cascata. E, esse sistema por fora é viabilizado pelo sistema de crédito em que esse imposto é pago efetivamente somente pelo consumidor final no destino. Essa é a grande mudança da Reforma Tributária.

Em termos econômicos algumas questões ficarão mais baratas, por exemplo, a cesta básica tende a ficar mais barata, tudo que é relacionado a commoditie de alimento em esfera doméstica tende a ficar mais barato. O que o Estado de Mato Grosso vai perder muito chama-se arrecadação do ICMS, que hoje o Estado recolhe muito ICMS, não só Mato Grosso, mas todos do Centro-Oeste, em relação à arrecadação e por isso os governos desses estados estão lutando. “Vamos perder arrecadação, mas como seremos recompensados?” Até o momento não existe uma compensação no sentido claro da palavra, por isso a reclamação dos governadores do centro-oeste com essa Reforma Tributária que vai beneficiar obviamente estados que são mais populosos e mais industrializados.  

A Reforma Tributária está sendo dividida em várias etapas e que fazer uma observação: uma Reforma Tributária só vamos sentir os efeitos em termos de políticas públicas daqui a duas ou três décadas. E, como a nossa política é muito bagunçada eu creio que o texto vai receber durante esse longo tempo várias complementações. Não é tão simples, em termos financeiros tem realmente uma relação de competitividade e transparência, porém em termos contábeis não tem tanta mudança – não em questão de regras – mas em relação à alíquota. Estou vendo alguns políticos reclamando que vão perder um pouco de questão política no sentido de poder barganhar enquanto agente político, a exemplo da isenção de imposto para empresa, e é algo que nossos agentes políticos não gostam muito.  

A Reforma Tributária é necessária sim porque nosso sistema tributário hoje dificulta muito o crescimento econômico e social do país porque leva toda uma cadeia de custo e empresa, então automaticamente ele prejudica a competitividade, tem essa penalização de investimentos e traz insegurança jurídica. Precisa ter uma reforma, mas não é tão simples porque a federação é gigante e temos estados como o de Mato Grosso que tem uma arrecadação muito grande na esfera de ICMS e sabemos que essa é uma reforma de tributo de consumo que é o que chamamos de ICMS, ISS, IPI, PIS, PASEP, COFINS e sabemos que o Brasil é um dos únicos países que adota esses impostos. Outros países adotam um ou dois tributos, o que mostra que precisamos fazer essa Reforma Tributária o quanto antes.  

- Em relação a questão atual econômica do país, estamos tendo índices interessantes em relação à inflação, também em relação a essa política que o Brasil está tendo frente ao dólar que vem caindo o que auxilia muito na política doméstica do país, o que influencia diretamente em alimentação, frete e no combustível – aqui sabemos que houve uma troca na precificação do combustível. O governo politicamente está se organizando, tem ainda muitos obstáculos, mas a oposição não é muito organizada e não consegue nem atrapalhar o Governo em pautas importantes, não existe um líder técnico que possa pegar no tornozelo do Governo. Estamos vendo o Centrão migrando para o Governo Lula, pelo Centrão ser muito importante o Governo precisa barganhar com ele. Mas de modo geral o Governo Lula já tem alguns índices interessantes em relação ao Governo Bolsonaro. O governo está começando a caminhar, mas ainda tem um desafio muito grande e o principal desafio chama-se Banco Central, ou melhor, quem está dando as cartas no Banco Central.  

- Vamos iniciar o mês de julho, o Governo tem ganhado batalhas difíceis e perdendo outras, mas está no caminho certo. Podemos chamar esse caminho de política expansionista, está tentando controlar as questões de política doméstica através até de uma política muito mais aberta e não uma política camicase. É um governo muito mais articulador e isso auxilia que ele possa ter muito mais sucesso.

 Mas volto a dizer: são batalhas completamente diferentes e difíceis. Se compararmos com o Governo anterior de Lula o cenário mudou muito, a ideologia política mudou. Hoje alguns políticos sabem que precisam dar respostas ao seu eleitorado e eles acabam jogando contra o próprio Brasil e as reformas e outros pontos importantes não vão para frente por pura rixa ideológica. Isso não pode mais, temos que pensar em políticas de Estado, e nesse jogo vemos ainda o Centrão que tem muita força e ainda dita as regras de como o país vai andar. Quando o Governo tenta fazer uma política de centro-esquerda, o Centrão puxa, quando a oposição tenta atrapalhar o Governo o Centrão puxa a oposição; então nesses quase sete meses de Governo Lula o Centrão ganhou muita força.

Em termos econômicos o Governo tem obtido mais sucesso, numericamente dizendo, mas ainda é preciso fazer muita coisa. Perdeu na questão do meio ambiente e precisa recuperar essa queda urgentemente na economia e isso só vai ocorrer quando o Banco Central baixar essa taxa de juros Selic que é uma taxa assassina para o empresário, para o povo e sem nenhum motivo. Hoje segurar essa taxa significa o Brasil refém do presidente do Banco Central e não pode acontecer. 




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