Rafaela Maximiano
Como a política econômica adotada no Brasil pelo atual governo deve influenciar nas eleições neste ano de 2022, foi o tema da Entrevista da Semana. Ao FocoCidade, o economista e mestrando pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fernando Henrique da Conceição Dias avalia que o atual cenário econômico vivido no país vai influenciar diretamente o resultado das eleições.
Ele pontua que “quem vai ganhar para Presidente da República será de centro-esquerda”. Segundo sua análise, a tendência é que todos os países da América Latina sejam de centro-esquerda, tratando-se de um movimento geopolítico.
“Essas economias da América Latina experimentaram um governo mais conservador e liberal que não deu certo e a tendência é que se não deu certo, mude. Volte a ser de centro-esquerda. Política e economia na minha opinião são números, quem tem mais rejeição não tem como ganhar”, disse Fernando Henrique da Conceição Dias.
O economista também faz uma contextualização histórica da política econômica adotada pela Petrobras para explicar os aumentos consecutivos nos combustíveis, fala sobre os aditamentos nos diversos setores econômicos, a alta da inflação, a desvalorização do real, a diminuição do poder de compra do brasileiro e como tudo isso está extremamente ligado à política brasileira.
Outro aspecto bastante importante lembrado pelo economista é como a pandemia influenciou na economia do país: “precisamos aumentar o índice de vacinação em todo o Brasil para que as pessoas percam o medo, inclusive muitas têm medo de se vacinar pela desinformação. Temos um Governo Federal que podemos dizer é contra a vacina, o presidente na verdade faz lobby contra a vacinação, criando um clima ruim que prejudica bastante a economia”.
Confira a entrevista na íntegra:
Iniciamos o ano com um novo aumento de combustíveis, de acordo com a Petrobrás se trata da política de paridade internacional e corrige os preços no mercado brasileiro que estavam defasados em relação às altas no mercado internacional. Explique como funciona essa política de paridade para todos entenderem, ou seja, por que a gasolina está mais cara?
Só para contextualizar historicamente, essa política de paridade começa no início do primeiro governo Dilma. A Petrobrás, até então, não fazia o que chamamos de PPI – Preço de Paridade de Importação, que é a política de paridade. Como funciona: um dos principais motivos que impulsionam essa cotação do petróleo no mercado internacional é o barril do tipo Brent - comercializado nas Bolsas de Valores Internacionais e a cotação dele serve como referência para os mercados. Em 2021, o preço do petróleo Brent acumula valorização em torno a 50%, vem ficando mais caro desde o ano passado. E, neste ano a tendência é continuar com essa alta. Isso porque existem fatores externos que impulsionam essa alta do Petróleo. Os fatores são: essa nova onda da pandemia com a nova variante da covid, a ômicron; e, a alta de juros do mercado dos Estados Unidos através do seu Banco Central que é o FED (Federal Reserve System) – vale ressaltar que essa alta de juros vai impactar diretamente todos os países subdesenvolvidos e agroexportadores, a exemplo do Brasil.
O que o consumidor sente com essa alta é que o Governo consegue fazer o controle dessa economia doméstica para tentar ao menos igualar esses preços, isso porque chegamos na inflação de dois dígitos, de 10,6%, ou seja, tem um PPI negociado em dólar, tem um aumento, só que não temos um ganho real no salário das pessoas. Se tivéssemos um aumento real nos salários sentiríamos menos essa alta dos combustíveis.
Em Mato Grosso por exemplo vamos sentir menos esse aumento, em relação ao restante do país, porque o Governo do Estado vai deixar de arrecadar uma porcentagem em cima da gasolina, o que vai auxiliar, só que estamos falando em centavos. Mas se aumentar muito lá fora acabaremos sentido esse aumento aqui também. O grande problema hoje é essa negociação da Petrobras através do PPI.
Importante ressaltar que no segundo semestre de 2020, vimos o preço do gás GLP aumentar, e vimos que esse aumento impactou em toda uma cadeia produtiva: combustível, diesel, transporte, e alimentos, porque os produtores precisam jogar esse custo de produção na alimentação, o que vira uma bola de neve devido à falta de aumento ou ganho real nos salários. Este ano esse aumento dos combustíveis deve seguir essa mesma linha somado ao fantasma da inflação batendo na nossa porta.
Se o Governo não fizer uma política agressiva e contracionista, ele não vai conseguir segurar os preços e os juros. O Governo hoje só usa a taxa Selic para tentar segurar a inflação. A Selic é a taxa de juros real, básica, de juros da economia brasileira. Hoje esse mecanismo de alta da Selic não é mais eficaz e o Governo precisa buscar outros mecanismos para fazer a política contracionista. E, todo esse cenário impacta diretamente as famílias que vivem de um a dois salários mínimos, que chega a 68% das famílias brasileiras.
Quanto à inflação o que esperar ela deve continuar aumentando ou deve frear?
A inflação em 2022 vai continuar aumentando se o Governo não tomar outras medidas. A alta da Selic tem um impacto em duas frentes: na frente de câmbio – que é o valor real frente às moedas estrangeiras; e também, como a economia brasileira importa muitos produtos baseados no dólar, aumentando a Selic se tenta diminuir a inflação.
Temos também o agravante de que o real é a segunda pior moeda se comparado ao dólar, nossa moeda está extremamente desvalorizada. E, para piorar, a alta de juros Norte Americana impacta demais a cadeia produtiva brasileira. O agronegócio brasileiro vende em dólar, só que ele produz em real. Os grandes conglomerados do agronegócio, não sentem muito, quem vai sentir é o médio e o pequeno produtor que compra em real e todos os insumos aumentaram muito, portanto os alimentos também vão subir de preço, pois são esses pequenos e médios produtores que abastecem a cadeia aqui no Brasil.
O Brasil hoje é um país agroexportador e o que impulsiona são apenas quatro ou cinco conglomerados do agronegócio que fazem com que o PIB aumente. Só que PIB não é sinal de desenvolvimento, mas ajuda na balança comercial. Mas em questão de desenvolvimento essas 68% das famílias brasileiras não sentem esse efeito, porque essa população é abastecida pelo pequeno e médio produtor.
Hoje o Brasil é muito dependente do agronegócio, desde a década de 80 somos um país em desindustrialização e não conseguimos mais ser forte em tecnologia. Atualmente importamos quase tudo industrializado, e vai chegar um momento que será inviável pois o grande produtor de produtos industriados para o mundo é a China. Só que a China vive atualmente um momento de crise, e acaba afetando todo o mundo.
Todos esses fatores externos impactam diretamente no preço do petróleo, que impacta na cadeia produtiva brasileira, e não tendo uma moeda forte, como é o nosso caso, não temos poder compra teremos: alimentos mais caros, transporte mais caro, tudo mais caro.
Avalio que o aumento da inflação seja recorrente até a eleição. Como 2022 é um ano político, que é da base do Governo vai ficar, quem tem candidatura própria vai sair e as emendas parlamentares só vão até abril, os deputados tendem a pegar as emendas e ir embora da base do Governo. Portanto, é um ano economicamente mais curto devido a eleição.
O Governo Federal poderia fazer o mesmo que o Governo Estadual fez com o ICMS, ajudaria. Também poderia adotar o mecanismo de perdão de dívida..
No cenário externo, as principais economias devem começar a subir os juros, isso não vai contribuir para a desvalorização do real?
Vai continuar porque o Real se tornou uma das piores moedas do mundo em relação ao dólar. Isso porque o mercado tem incerteza em relação ao plano de recuperação fiscal brasileiro, o teto dos gastos públicos também impacta diretamente como o mercado de investimentos enxerga o Brasil.
Vou dar um exemplo: como que o mercado externo vai investir no Brasil com guerra institucional e política acontecendo? Estamos vendo isso no governo Bolsonaro várias vezes. Tivemos também recessão e despreocupação com o meio ambiente. Toda a agenda bolsonarista economicamente falando é desastrosa. O Governo consegue fazer algumas coisas importantes, mas as questões políticas relacionadas à macroeconomia são desastrosas.
Além do meio ambiente, a questão da vacina foi complicada, tímida, agora é que começa a acelerar. A China eixou de comprar por um tempo a carne brasileira. E, o mercado enxerga tudo isso e a nossa moeda segue em desvalorização.
Há ainda a incerteza com a eleição presidencial e, portanto, sobre qual será a política econômica adotada pelo país a partir de 2023. Com essa incerteza, decisões de investimentos pelas empresas são postergadas. Isso significa que vai aumentar, ou pode aumentar, o desemprego?
As pessoas precisam entender que só existe uma forma de geração de emprego chama-se investimento direto. Inventaram uma tal de Reforma Trabalhista para enganar a população que geraria empregos. Ela não tem absolutamente nada com relação a geração de emprego. Não somente não gerou, como tivemos mais de 14 milhões de desempregados, 07 milhões de desalentados – que são pessoas que deixaram de procurar emprego, e quase 09 milhões de pessoas que estão sublocadas, vivendo de “bico”. A reforma não gerou empregos, causou incerteza institucional, diminuiu o ganho real do trabalhador – as pessoas ganham menos do que anos atrás.
Para ter investimento direto é preciso ter dinheiro em caixa, coisa que não temos. Pelo contrário, tivemos corte na educação e outros setores. De positivo tivemos o auxílio emergencial só que é bom lembrar que o Governo nem queria dar esse auxilio maior mesmo sabendo que a inflação ia subir. Nessa hora temos os políticos que são eleitoreiros e pressionaram para que o valor de R$ 150,00 fosse aumentado; agora temos o Auxílio Brasil, mas muita gente ainda vai ficar no limbo.
Qual é o nosso cenário hoje: temos uma inflação totalmente desgovernada; a taxa Selic hoje não é suficiente para frear a inflação; o aumento do petróleo vai ocorrer pelos fatores externos que já citei; toda uma cadeia produtiva terá aumento e continuaremos alta da inflação.
Inventaram uma tal de Reforma Trabalhista para enganar a população que geraria empregos. Ela não tem absolutamente nada com relação a geração de emprego.
Qual seriam as sugestões para equilibrar e melhorar nossa economia em 2022?
O Governo Federal poderia fazer o mesmo que o Governo Estadual fez com o ICMS, ajudaria. Também poderia adotar o mecanismo de perdão de dívida, que depende dos bancos comerciais privados – como foi feito no início da pandemia quando o Governo injetou dinheiro para empréstimos e os bancos perdoaram ou prorrogaram dívidas, seria importante. O perdão da dívida do FIES também foi importante durante o início da pandemia, poderia ser repetido, pois quando a pessoa tem uma dívida ativa nacional como o FIES, fica impedido de financiar por exemplo uma casa, ele perde. Então: perdão dos juros, colocar dinheiro na praça.
Outros pontos: o Auxilio Brasil vai auxiliar as famílias; poderia ser feito programas de crédito segmentados. Também precisamos aumentar o índice de vacinação em todo o Brasil para que as pessoas percam o medo, inclusive muitas têm medo de se vacinar pela desinformação. Temos um Governo Federal que podemos dizer é contra a vacina, o presidente na verdade faz um lob contra a vacina, criando um clima ruim que prejudica bastante.
Por ser um ano eleitoral acredito que o Governo faça alguns desses programas para tentar ganhar alguma viabilidade eleitoral, o que ajuda na economia. Temos que acompanhar até meados de junho para ver o que acontece.
Temos um Governo Federal que podemos dizer é contra a vacina, o presidente na verdade faz um lob contra a vacina, criando um clima ruim que prejudica bastante.
Como a pandemia está influenciando a economia?
Hoje a pandemia não influencia mais no giro de crédito, ela influencia na questão da incerteza da vacinação que provoca receio e medo na população. De um lado você tem pessoas que não tem medo de se vacinar com a primeira, segunda ou dose de reforço. Essas pessoas estão se vacinando principalmente para tentar que a vida volte ao normal. Mas de outro as que tem medo e não se vacinam ou vacinam somente com a primeira dose.
Acredito que o pior da pandemia já passou, isso falando em relação à economia não em relação à saúde. Em 2022 acredito que não termos tantos impactos econômicos devido à pandemia. Até porque as pessoas estão aprendendo a lidar com o novo normal, elas andam nas ruas, compram, usam máscara, se protegem. Estamos tendo uma nova onda da doença, porem com a vacinação parece que os casos estão menos graves, apesar da transmissão ser alta. Mas não vejo que a pandemia vá impactar a economia este ano como foi nos últimos dois anos.
Paulo Guedes, sem sombra de dúvidas, é um dos piores ministros da economia que o Brasil teve.
Em Mato Grosso o cenário é o mesmo? E esse cenário nacional pode ser comparado ao pacote redução impostos Estado - ou seja, baixa de um lado e sobe do outro?
Mato Grosso não deve sofrer como outros estados da Federação. Porque o Governo estadual conseguiu fazer essa política baseada no ICMS, vai deixar de arrecadar. Não deixa de ser uma política eleitoreira, mas vai dar um respiro para os pequenos e médios produtores assim como para os demais setores.
Economicamente Mato Grosso é diferente dos outros estados brasileiros. Temos o problema de ser um estado muito grande, mas por ser agroexportador temos muito dinheiro circulando, o que auxilia em várias cadeias da economia local. E, o Governo Estadual está sendo bem agressivo em algumas reformas, a exemplo de lançar concursos, pacote de obras, geração de empregos, créditos.
O Governo Estadual se preparou e hoje consigo enxergar bem nítido que o governador Mauro Mendes se preparou para ver onde podia beneficiar a economia do Estado e também onde podia se beneficiar eleitoralmente. O Estado tem a briga do RGA, mas também houve um aumento significativo para o funcionalismo, o que auxilia pois Cuiabá ainda é uma cidade de funcionário público.
Se compararmos Mato Grosso com outros estados como São Paulo, ou a própria cidade de São Paulo, do Rio de Janeiro, é muito mais difícil.
A única coisa que eu acho que precisa acelerar aqui em Mato Grosso também é a questão da vacinação. Ainda não alcançamos um índice satisfatório, mas tirando isso Mato Grosso tem tudo para passar o primeiro semestre com tranquilidade. Apesar dos aumentos temos medidas para amenizar esses aumentos e a inflação que outros estados brasileiros não têm.
Como avalia a política econômica adota pelo Ministro Paulo Guedes e como esse cenário econômico vai influenciar nas eleições para Presidente da República?
Paulo Guedes, sem sombra de dúvidas, é um dos piores ministros da economia que o Brasil teve. Muito ruim. Paulo Guedes não conseguiu fazer absolutamente nada do plano de governo atual. Existem discursos dentro da economia que não cabem para quem não conhece a economia e a realidade dos países emergentes e desenvolvidos. Ele iniciou com um discurso de liberalismo econômico. Nós não somos mais um país subdesenvolvido, nós somos um país pobre. Esse discurso que seria um governo mais liberal, que o mercado ia tomar as decisões, não existe.
Todos os grandes conglomerados nos países globalizados crescem com o Estado através de BNS, de crédito. Ninguém cresce sozinho, esse discurso é mentira. O “véio” da Havan cresceu com o BNDS injetando dinheiro nele, todos. Aí eles pegam o discurso do labor e o povo “cai”: “trabalhando, acordando cedo, você vai ganhar dinheiro”.
Como que a pessoa vai acordar cedo para trabalhar: as pessoas não têm como tomar café da manhã, almoçar, jantar, vai trabalhar aonde? É um discurso de coaching muito usado em países de economias liberais e querem comparar o Brasil com os Estados Unidos, totalmente diferente. Os Estados Unidos têm questões culturais muito forte que auxiliam eles a serem um pouco mais liberais, mas o Governo Trump por exemplo, foi extremamente protecionista. Quer dizer, esse discurso vai caindo.
Se analisarmos Paulo Guedes, o que ele fez de diferente e foi importante: o auxílio Emergencial que foi bom – porém ele não queria pautar o valor que hoje é pago, é bom lembrar isso; o Auxilio Brasil vai ser positivo; a questão da Caixa Econômica dando crédito para a compra de moradia.
Por outro lado, ele não conseguiu fazer nenhuma das reformas que prometeu, nenhuma. Hoje ele está isolado, inclusive perdendo poder e ele era um superministro e não consegue fazer a política doméstica. Não conseguiu fazer muito por questões políticas, mas também muito por incompetência.
Economia são números que não deixa mentir, não crescemos e temos 14 milhões de desempregados, ainda vivemos uma pandemia, temos um governo muito malvisto fora do Brasil, o governo não consegue fazer um governo bilateral com outro país. Somos mais conhecidos internacionalmente por bobagens do que por políticas públicas de qualidade.
Tudo isso vai influenciar o resultado das eleições. E, não precisa ser nenhum gênio para saber que quem vai ganhar será de centro esquerda. A América Latina inteira está sendo de centro esquerda, é um movimento geopolítico. Essas economias da América Latina experimentaram um governo mais conservador e liberal que não deu certo e a tendência é que se não deu certo, muda. Volta a ser de centro esquerda.
Política e economia na minha opinião são números, quem tem mais rejeição não tem como ganhar. Você tem um Bolsonaro extremamente rejeitado com uma faixa de 22% a 25% de intenção de voto e tem o Lula com 40%, mesmo rejeitado, e os outros candidatos de terceira via abaixo dos 10% de intenção de voto.
Analiso que existe uma polarização política, ou vai ser um ou vai ser outro, não acredito em terceira via que nessa eleição não tem força numérica. Estou analisando números e não ideologia política. Hoje a probabilidade do Bolsonaro perder é grande, olhando os números, pois ele já tem a base dele e não consegue sair desses 25%. A única chance que ele tem é de ir para o segundo turno.
Ainda não há comentários.
Veja mais:
Agressão a aluno: TJ mantém condenação de escola por omissão
Operação da Polícia Civil derruba golpe em compra de whiskies
Após cobrança do TCE, MT atinge 100% de adesão ao Saúde Digital
Super taxa dos Estados Unidos sobre exportações brasileiras
AL destaca momento inédito com três mulheres no Poder
Ação do MP: Justiça manda Juína implantar ações de proteção animal
Preços de alimentos caem, inflação perde força e fecha junho em 0,24%
Se o dinheiro virou patrão, quem comanda a sua vida?
Mercado Imobiliário: movimentação financeira aponta quebra de recorde
Deadlock: tabuleiro societário e as estratégias para evitar o xeque-mate