• Cuiabá, 10 de Setembro - 2025 00:00:00

MP - NOTA - REAÇÃO DO CNPG


Ministério Público Estadual (MPE) informa que "o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) divulgou nesta sexta-feira (14) nota técnica expressando discordância ao teor do Acordo de Cooperação Técnica em Matéria de Combate à Corrupção no Brasil (ACT) celebrado entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU),o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU), sob a coordenação do Supremo Tribunal Federal (STF)".

Confira a íntegra da Nota:

NOTA TÉCNICA Nº 19/2020

O CONSELHO NACIONAL DE PROCURADORES MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DA UNIÃO – CNPG, que congrega todos os chefes dos Ministérios Públicos do Brasil, por intermédio da presente, manifesta sua preocupação com o teor do Acordo de Cooperação Técnica em Matéria de Combate à Corrupção no Brasil (ACT), o qual, tratando especificamente do procedimento de negociação e pactuação de acordos de leniência com base na Lei nº 12.846/2013, fora celebrado em data de 6 de agosto de 2020 entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU),o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU), sob a coordenação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A despeito da reconhecida necessidade de se conceber instrumentos normativos que reforcem a cooperação interinstitucional entre os entes que compõem o assim chamado "Sistema Brasileiro Anticorrupção" - exigência que decorre do caráter multifacetário de sua composição, congregando diferentes órgãos e instituições com distintas pretensões sancionatórias, mas imbuídos do mesmo propósito de combater a corrupção em todas as suas formas -, o acordo formalizado, além de envolver apenas parte dos entes que integram aquele sistema, olvidou de forma sobejamente contundente a relevância da atuação do Ministério Público na pactuação de acordos de leniência celebrados a partir de atos lesivos à Administração Pública federal. Verifica-se, pois, o aviltamento evidentemente inconstitucional de instituição detentora de inegável protagonismo no combate à corrupção, isso especialmente em razão de sua exclusividade na persecução penal pública. Ou seja, não se deixa de reconhecer a legitimidade da administração pública para a celebração de tais acordos, recaindo-se a preocupação, exclusivamente, na exclusão do Ministério Público desse processo.

Com efeito, a pretexto de se estabelecer uma retórica cooperação interinstitucional, o ACT alça o Ministério Público brasileiro, nessa ocasião representado pelo Ministério Público federal (MPF), à condição de mero coadjuvante nas negociações que envolvem a utilização de especial técnica de investigação materializada na operacionalização de acordos de leniência.

Alijou-se, a uma só vez, tanto a sua vocação constitucional de promover a adequada e eficiente tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa (artigo 129, inciso III, da CRFB/88), quanto o próprio arcabouço normativo que o legitima protagonizar medidas consensuais e punitivas de combate à corrupção, que certamente abarcam e transcendem a própria legitimidade para pactuação de acordos de leniência (em especial, aquelas versadas na Lei nº 12.846/2013 e na lei nº 8.429/1992).

Dessa forma, a partir de uma leitura aparentemente descontextualizada e literal da Lei nº 12.846/2013 – descurando-se, inclusive, de sua integração hermenêutica ao microssistema normativo de tutela da probidade administrativa - , excluiu-se, no acordo de cooperação, a participação do Ministério Público do ambiente de negociação onde comumente se entabulam acordos de leniência com as empresas implicadas em atos lesivos à Administração Pública.

Tal providência, por certo, enfraquece a legitimidade e a própria efetividade dos acordos de leniência, uma vez que, ao excluir da fase de negociação uma instituição pública que possui a atribuição de promover a responsabilização das pessoas jurídicas e físicas envolvidas, tanto na esfera cível, mas como, e principalmente, na seara penal, obsta-se que o Ministério Público conheça o integral contexto ilícito discutido.

Por consequência, restando afastado das negociações, dificilmente poderá o Ministério Público planejar e executar medidas voltadas a promover a responsabilização dos envolvidos em sua completude, o que poderia ser feito a partir da imposição de maiores ônus para a pactuação dos acordos de leniência, ou mesmo a partir da ampliação da gravidade das sanções negociadas, em resposta proporcional à totalidade dos ilícitos praticados e desvendados nas mais distintas searas de responsabilização, cujo conhecimento pode faltar aos demais órgãos de controle. Observa-se, ainda, que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 4.657/42) orienta no sentido da harmonização entre as sanções aplicadas por diferentes

esferas de controle, o que seria mais uma razão para a efetiva participação do Ministério Público.

Registre-se, porém, que quem perde com o referido alijamento não é somente a instituição afastada. Reduz-se, com tal proceder, a possibilidade de captura dos reguladores e fiscais por vezes envolvidos em casos de corrupção sistêmica; abre-se mão, no mesmo diapasão e de modo absolutamente injustificável, inclusive com violação de prerrogativas institucionais constitucionalmente garantidas, da ampliação da rede de atuação e proteção estatal; mais, limita-se a diversificação das perspectivas de sancionamento, restringindo-se, via de consequência, os meios postos à disposição do Estado para o cumprimento de suas funções.

Igualmente preocupante se apresenta, no documento sob referência, a previsão de medidas que possam denotar ofensa ao princípio da separação dos Poderes, impondo ao Parquet obrigações que destoem de seu munus constitucional. Além de desconsiderar o citado princípio democrático e a lógica do exercício do poder estatal na repressão penal de ilícitos derivados, tal proceder subverte a configuração constitucional do Ministério Público, órgão constitucional autônomo e independente.

E não só: a exclusão do Ministério Público dos atos de negociação e pactuação de acordos de leniência vulnera o prestígio à segurança jurídica, diretriz indispensável para que empresas envolvidas em atos de corrupção sintam-se normativamente motivadas a colaborar com a elucidação dos ilícitos.

Sem a presença do Ministério Público, pessoas jurídicas potencialmente responsáveis não se sentirão motivadas a buscar os órgãos de controle para, consensualmente, colaborarem com as investigações/apurações, já que não deterão segurança jurídica bastante e suficiente para acreditar que as sanções serão tão somente aquelas pactuadas no ajuste, haja vista que o ordenamento jurídico pátrio permite uma série de outras consequências, muitas delas dependentes da atuação do Ministério Público.

Essa circunstância toma maior relevo quando se verifica que existem discussões jurídicas ainda pendentes de apreciação no Supremo Tribunal Federal quanto aos reflexos penais dos acordos de leniência, em razão da violação à titularidade da ação penal pública exercida, de acordo com a Constituição, pelo Ministério Público. Esse elemento, a par de exigir a efetiva integração do Ministério Público a todas as etapas do processo de leniência, recomenda o afastamento do Supremo Tribunal Federal da coordenação do próprio acordo, na medida em que será este o órgão encarregado não apenas da última palavra sobre a constitucionalidade de dispositivos da Lei n.12.846/2013, como também da limitação da atuação do Ministério Público pelo próprio Acordo de Cooperação Técnica em Matéria de Combate à Corrupção no Brasil (ACT), maculando as necessárias e consagradas inércia e independência do Poder Judiciário para avaliação futura da questão.

Nesse cenário, o Ministério Público destaca os notórios avanços em matéria de combate à corrupção conquistados ao longo do ainda curto período de vigência da Lei nº 12.846/2013, que, seguramente, têm contribuído com a operacionalização de modernas técnicas de resguardo do patrimônio público e da moralidade administrativa, circunstância essa que somente foi possível em decorrência da atuação firme e permanente, em todas as etapas do processo, do Ministério Público, em efetiva integração com os demais agentes encarregados da operacionalização da Lei.

A realidade demonstra que a norma tem fomentado a preservação do interesse público primário e, ao mesmo tempo, o resguardo da atuação econômica e empresarial de pessoas jurídicas a partir de uma perspectiva que observa as regras de regência, garantindo-se que estas se desenvolvam de forma a cumprir a função social a elas atribuídas pela Constituição da República, providência essencial para garantir a todos a existência digna que gravita em torno do bom funcionamento da ordem econômica, mas desde que não se descure dos ditames da justiça social, como exige a norma fundamental (artigo 170). Esse propósito conjunto é precisamente atingido com a utilização de acordos de leniência.

Cumpre salientar que a aparente restrição de atribuições constitucionais conferidas ao Ministério Público brasileiro pode projetar seus efeitos não apenas no contexto federal, mas também alcançando a própria atuação dos demais Ministérios Públicos estaduais, sendo de rigor que, em respeito ao inafastável princípio da unidade, haja esforço conjunto da instituição no sentido de preservar as suas prerrogativas, haja vista que indispensáveis ao cumprimento de seu mister constitucional.

Sendo assim, o CONSELHO NACIONAL DE PROCURADORES-GERAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS E DA UNIÃO (CNPG) expressa sua discordância com o teor do apontado Acordo de Cooperação Técnica em Matéria de Combate à Corrupção no Brasil (ACT), reiterando a manifestação externada na Nota Técnica n. 02/2020, da lavra da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, pelas graves consequências advindas da pactuação do documento no trato da cooperação interinstitucional em matéria de combate à corrupção, somando esforços na crítica à modelagem procedimental projetada concentradamente entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU), sob a coordenação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Esclarece-se, todavia, por derradeiro, que a presente declaração de insofismável posicionamento institucional e, via de consequência, apoio à TÉCNICA Nº 2/2020 - 5ª CCR não traz, à evidência, qualquer sinalização de rechaço ministerial à necessária e igualmente inafastável busca de cooperação e soluções consensuais entre organismos irmanados no diuturno combate à corrupção.

 

Brasília, 14 de agosto de 2020.

 

Fabiano Dallazen

Presidente do CNPG




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