No dia 1º de janeiro de 2019 o governador Mauro Mendes (DEM) assumiu o comando de Mato Grosso com um grande desafio à frente: resgatar o controle da máquina pública amargando quase R$ 4 bilhões de déficit, sendo R$ 2 bilhões de restos a pagar sem lastro financeiro.
De lá para cá, após a adoção de medidas austeras, “cortes na carne”, em paralelo que mira o combate à sonegação fiscal e inovações que vieram a contragosto como a taxação do agronegócio, o resultado espelha avanços consideráveis na receita, em plena evolução na meta de alcançar em até dois anos, não apenas o equilíbrio das contas públicas, mas um Governo de investimentos – leia-se instrumentos eficazes na administração estratégica, criando inclusive uma poupança – não a título de capitalização, mas para assegurar um colchão ao suporte financeiro.
Nesse cenário, sendo um dos principais articuladores do plano de recuperação fiscal e financeira de Mato Grosso está o secretário de Estado de Fazenda, Rogério Gallo, que nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, discorre sobre pontos fundamentais à transformação da gestão de Mato Grosso.
Gallo recebeu a equipe do FocoCidade em seu gabinete, na Sefaz, na quinta-feira (2), acentuando detalhes da performance do Estado na ciranda da economia se sobrepondo à grave crise que levou o Estado ao nebuloso atraso no pagamento do salário dos servidores.
Nesse sentido, frisou as novas regras estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estadual – assinalando dispositivo sobre a aplicação da RGA (Revisão Geral Anual), que por enquanto só tem previsão para 2020 – exercício que aos olhos do Executivo também deverá consolidar o retorno do pagamento da folha do funcionalismo dentro do mês trabalhado.
O diálogo estabelecido entre o Governo e servidores é claro: debate aberto, mas regido pelo discurso de que o Estado trabalha para “todos”, portanto, a política salarial deve estar intrinsecamente ligada ao desempenho da arrecadação no caixa estadual – e da disponibilidade de recursos integrando a ampla plataforma de planejamento objetivando eliminar a sombra de “um Estado quebrado”.
Rogério Gallo aborda ainda temas essenciais e cruciais ao Estado como as tratativas que envolvem o FEX (Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações), na defesa da aprovação da regulamentação da compensação da Lei Kandir; as Reformas Previdenciária – essa calcanhar de Aquiles, e Tributária; a “participação” dos Poderes frente ao apelo de Mendes à maior colaboração nos moldes do duodécimo; avalia a CPI da Renúncia e Sonegação Fiscal; retrata a importância dos incentivos fiscais a Mato Grosso e entre outros pontos, conceitua o cenário do polêmico Decreto de Calamidade Financeira – em linha tênue no Governo Bolsonaro.
Rogério Gallo assumiu recentemente a coordenação do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira). É vice-presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). Gallo é procurador do Estado, ex-procurador-geral de Cuiabá na gestão Mauro Mendes e de Mato Grosso na administração Pedro Taques, na qual também ocupou o comando da Sefaz.
Confira a entrevista na íntegra:
Quando o governador Mauro Mendes assumiu o governo, com déficit de quase R$ 4 bilhões, e a gente costuma ouvir o governador repetir que o problema maior do Estado é também uma questão de gestão. Dada a evolução e a melhora, o senhor concorda?
Na verdade foi o controle das finanças públicas e dos principais grupos de despesas. Nós tivemos aí nas despesas com pessoal de fato uma expansão muito forte, um número muito grande também de aposentadorias o que é direito do servidor, tanto que as projeções indicam que em 2022 nós vamos ter mais aposentados do que servidores efetivos no Estado. Então o conjunto desses dois fatores com a aprovação de medidas, de leis que aumentaram generosamente salários nos últimos seis anos, fizeram com que nós tivéssemos de fato um descontrole das finanças públicas num momento de muitas dificuldades no país, que foi uma recessão em 2015, em 2016 de 7%, quer dizer, o nosso PIB caiu 7%, o que fez com que as nossas despesas crescessem mais que as receitas. Esse diagnóstico fica muito claro e está evidenciado isso para os órgãos de controle.
Nessa situação de pagamento da folha, como vocês trabalham para conter secretário?
Nós temos já legislações. A Lei de Responsabilidade Fiscal desde 2000 ela já impõe limites para serem observados. Nós tivemos em dado momento algumas interpretações do Tribunal de Contas, que foi revista essa interpretação inclusive agora em 2018, no final de 2018, em relação a se retirar do gasto com pessoal o Imposto de Renda. Então de algum modo você artificializou o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso abriu espaço para novos endividamentos, novo crescimento da despesa com pessoal. O que tem que haver é na verdade um pacto entre todas as instituições para que esses princípios que estão nas leis sejam observados de modo permanente. O cumprimento das leis já existentes, reforçado pelo pacote de leis que foi aprovado pelo governador Mauro Mendes em janeiro, que corrige por exemplo a questão da Lei de Responsabilidade Fiscal que estabelece a possibilidade de você colocar como Receita Corrente Líquida o Fethab, que é um dinheiro que você não pode gastar em folha, quer dizer, você abria margem ali para gastar com pessoal um dinheiro que você não pode utilizar para pagar pessoal. Isso foi corrigido. Agora é vigilância por parte dos órgãos de controle, por parte dos gestores e por parte da sociedade, porque gasto exagerado seja em que área for, ele acaba prejudicando o cidadão.
É dizer o seguinte: é você dar uma reposição e ter que escalonar o salário em três, em quatro, em cinco vezes.
A questão da RGA, com esse andamento da receita, as ações paralelas que vocês fazem também no convênio do Cira com o MP, existe alguma possibilidade hoje de ser paga em 2019?
Em 2019 a gente já tem um índice que foi criado na lei de janeiro de 2019, a lei que foi aprovada e estabeleceu o conceito de capacidade financeira. É bom lembrar que desde a legislação do governador Blairo Maggi, de 2004, ele colocou que a RGA você tinha que ter variação da inflação no ano anterior e tinha que ter capacidade financeira. Isso nunca havia sido definido. E nós estamos agora num ponto de exaustão financeira, de crise de caixa, de fluxo de caixa, que nos impede de fato de pagar sob pena de comprometer o próprio pagamento do salário. É dizer o seguinte: é você dar uma reposição e ter que escalonar o salário em três, em quatro, em cinco vezes. A lei que foi aprovada em janeiro ela estabelece claramente qual é esse conceito. É dividir as despesas pelas receitas, se o índice der maior que um, você tem mais despesas do que receita, portanto você não paga. Hoje esse índice está em 1,22, então não haveria condição financeira do Estado em pagar. É um critério objetivo, isso dá garantias ao servidor de que colocando lá despesa e receita nessa forma, tendo índice menor que um, você tem mais receita do que despesa e o servidor terá aí reconhecido e paga a sua RGA. Não tendo, obviamente nós não teremos condição de efetuar o pagamento.
Hoje a perspectiva não se abre...
Em 2019 a perspectiva é de não concessão em virtude inclusive do debate que fizemos em janeiro e demonstramos que esse ano de fato não tem. E não é por conta dessa lei, é por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal mesmo. Lá está dito também que quando você tem um estouro do limite de gastos com pessoal, no caso do Executivo o limite é 49%, nós estamos com 57,85%, estamos quase 9% a mais do que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece. E o Tribunal de Contas entende que você não pode dar a RGA, fazer qualquer tipo de composição salarial se você tem o estouro da LRF. Então você tem dois motivos: um, da LRF que nós estamos com estouro e o TCE entende que não pode dar a RGA e dois, nós não temos também o índice de capacidade financeira que foi criado em 2019.
Nosso objetivo é chegar de fato em julho com os salários pagos dentro do dia 10.
O Fórum Sindical começa a se movimentar novamente, e há uma sinalização do Governo para que em julho o Estado consiga voltar o pagamento no dia 10. O senhor tem essa avaliação também?
Nós trabalhamos muito para isso, inclusive com incremento de receita na questão do Fethab. Nós tiramos lá do Fethab 60% nesses dois primeiros anos para trazer para a conta única e para a Fonte 100 para efetuar exatamente o pagamento daquilo que é arcado com os recursos ordinários do Tesouro. Nós trabalhamos para que em julho no mínimo a gente reduza para duas parcelas. E oxalá que nós consigamos aí de fato pagar no dia 10. Esse é o nosso trabalho. Mas o compromisso que nós temos é dentro do exercício, dentro do ano de 2019, trazermos para o dia 10 mas trabalhamos com essa meta de julho, sabendo que ainda temos um caminho a ser percorrido com incremento de receita por meio do Cira. E agora acabamos de assumir a coordenação-geral do Cira. A Secretaria de Fazenda vai coordenar nos próximos 12 meses o Cira, enfim, criamos aqui na Secretaria de Fazenda uma estrutura de controle e monitoramento. Nós estamos acompanhando real time todas as empresas, sobretudo aquelas maiores. Nosso objetivo é chegar de fato em julho com os salários pagos dentro do dia 10.
Nessa dinâmica pode-se dizer que em 2020 o pagamento possa ocorrer dentro do mês trabalhado?
Essa é outra meta. 2019 nós trazermos uma regularização para o dia 10 e em 2020, trazer para dentro do mês trabalhado. Nós queremos concluir o ano de 2020 pagando todos os nossos servidores do Poder Executivo dentro do mês trabalhado assim como já foi anteriormente antes dessa grave crise financeira que nós atravessamos.
O senhor citou a questão da previdência, que é o grande calcanhar de Aquiles de todos, governo federal e estadual. Como está aqui o planejamento, e como pretendem lidar com isso? É aumento de alíquota mesmo?
Os números são preocupantes. É importante e uma das medidas obviamente está vindo do plano nacional para o plano estadual e municipal, e certamente não é a única. Nós temos outras ações. Dois dados que são muito relevantes. Primeiro deles, hoje nós estamos com déficit previdenciário que é projetado nos próximos 35 anos e quer dizer o seguinte: todos os servidores que estão hoje, eles vão se aposentar e quanto precisa de dinheiro para os próximos 35 anos para que o plano de aposentadoria tenha condições de pagar os aposentados e pensionistas? Nós temos um déficit hoje de R$ 57 bilhões, isso é três vezes o que o Estado arrecada no ano o que fica com o Poder Executivo. É a nossa Receita Corrente Líquida, quer dizer, três arrecadações é o déficit previdenciário. E o déficit financeiro são aquelas pessoas que já estão aposentadas e a receita que já se arrecada hoje não é suficiente para pagar quem já está aposentado. Nós tiramos dinheiro de impostos da sociedade para pagar nossos aposentados. Isso hoje, no ano passado, fechou a conta em R$ 1,158 bilhão de déficit financeiro, quer dizer, nós já não conseguimos pagar com as receitas das contribuições previdenciárias os aposentados de hoje e os aposentados de amanhã faltam R$ 57 bilhões. Então nós precisamos construir. A Reforma da Previdência ela é absolutamente necessária, pode passar pelo aumento da alíquota, e é isso que está sendo discutido de 11% para 14%, mas passa também aqui no plano local e é importante dizer isso, pela previdência complementar. Nós vamos fazer esse debate, o Conselho de Previdência, o gestor da previdência do MTPrev acabou de aprovar isso e devemos encaminhar no próximo mês para a Assembleia Legislativa um plano de previdência complementar, de modo que todos aqueles que entrarem daqui para a frente, e também tem uma regra de transição para quem já entrou, que ele possa também aderir a um plano de previdência complementar e tenha garantia que a sua aposentadoria no futuro vai ser pelo Estado pago aquilo que é o teto do regime geral de previdência social e complementado pelo regime de previdência complementar. Então não temos como escapar disso. O déficit é muito grande e tenho certeza que nessa agenda, não é uma agenda de governo, é uma agenda de Estado que envolve o interesse da sociedade, porque no final quem vai acabar arcando com todo esse custo é a sociedade, é uma agenda dos governos, da gestão, mas é uma agenda também dos servidores. É muito preocupante você estar trabalhando hoje com incerteza sobre se você vai ou não receber sua aposentadoria no futuro. Esse é um tema que impacta as próximas gerações, impacta quem está hoje, e já impacta quem está aposentado vide a dificuldade que a gente tem para pagar os aposentados de hoje. É uma agenda de fato do momento no nosso país e no nosso Estado.
Sonegação você tem que combater todos os dias. É impensável que a gente possa agir por espasmos, não é?
No cenário da renúncia e sonegação fiscal, e considerando mais uma CPI na Assembleia, acredita na eficácia desse trabalho secretário?
Sonegação você tem que combater todos os dias. É impensável que a gente possa agir por espasmos, não é? A Secretaria de Fazenda não age por espasmos. Nós temos um corpo técnico aqui muito competente, muito eficiente, um corpo de fiscalização que eu respeito muito e que ao longo do tempo vem trabalhando e trazendo resultados. Boa parte das recuperações que o Cira faz, com a JBS, com a Votorantim, com a Petrobras, com a Conab, todas as grandes recuperações que fizemos até hoje foram motivadas por trabalhos, levantamentos fiscais feitos pelo nosso corpo de fiscalização aqui da Secretaria de Fazenda, depois com apoio da Delegacia Fazendária, da Procuradoria do Estado, da Controladoria, do Ministério Público, que compõe o Cira. Nós já trabalhamos com essa perspectiva de combate à sonegação, reforçada neste ano com a criação de uma Superintendência de Controle e Monitoramento que nós temos agora um grande big data, que estamos acompanhando as maiores empresas, mas também as empresas médias no combate diário da sonegação. Não dá mais para aguardar chegar a dois ou três anos, e ter que recuperar uma montanha de dinheiro. Precisamos acompanhar, monitorar e notificar as empresas no mês seguinte a um evento de sonegação ou de não recolhimento de tributo. E é isso que nós estamos trabalhando. A CPI eu creio que ela vem para contribuir, é o papel do Legislativo. Agora, nós também não podemos fazer aí estardalhaço tal que prejudique o ambiente de negócios em Mato Grosso, por exemplo, com a criminalização das renúncias fiscais, dos incentivos fiscais. Nós temos que ter uma pauta muito clara para junto com a CPI, atacar aquilo que está errado, mas sem atingir aquilo que está certo.
É necessário, eu digo até que o incentivo fiscal ele é um programa de distribuição e diminuição de desigualdades regionais.
Sua leitura sobre a necessidade do incentivo fiscal em Mato Grosso.
Nosso Estado é um Estado que sofre de problemas logísticos. Isso é histórico. Sem incentivos fiscais nós não teríamos chegado onde estamos hoje. Esse programa, por exemplo, o Prodeic ele é fundamental. Muitas indústrias não teriam se instalado e não se instalam em Mato Grosso sem um programa de incentivo, porque é muito mais fácil você ficar perto dos grandes centros e lá sim você produzir e trazer para o Estado aqui os bens e serviços. É necessário, eu digo até que o incentivo fiscal ele é um programa de distribuição e diminuição de desigualdades regionais. É por isso que qualquer Reforma Tributária que for ser discutida, nós temos que debater com muito cuidado, porque a gente pode levar a uma condenação dos estados que estão em desenvolvimento, que não sejam os desenvolvidos do Sul e Sudeste, a uma condenação desses estados que estão em desenvolvimento ou que ainda estão um pouco mais atrasados, a não se desenvolverem nunca. É fundamental no país, agora não pode ser benesse. Esse é o ponto que eu combato. Incentivo fiscal não é benesse. Incentivo fiscal é para gerar emprego e renda, não pode ser uma benesse que vá exclusivamente para o bolso do empresário. Nós temos que separar os bons incentivos daqueles benefícios fiscais que levam aí a interesses que não são os interesses da sociedade.
Qual o ponto de equilíbrio já que muitos empresários estão receosos dada a insegurança jurídica?
Acho que o ponto de equilíbrio, estamos trabalhando uma legislação que será encaminhada à Assembleia Legislativa no mês de maio, que é a reinstituição dos incentivos fiscais. Ali vai ficar muito claro o que é incentivo fiscal que faz sentido ao desenvolvimento do Estado e que deve ser aumentado, por exemplo, na agroindústria. Um passeio que você faça pelo Distrito Industrial você vê grandes empresas ali se instalando que produzem para atender o nosso mercado estadual, mas também produzem para atender outros mercados. Nós gerando emprego e renda em Mato Grosso para produzir bens para serem consumidos em outros estados. Isso faz sentido ao Estado de Mato Grosso. É isso que nós temos que buscar, sermos fornecedores de bens e serviços para outros estados da federação, que é isso que São Paulo, Rio, Minas, estados do Sul fizeram ao longo dos últimos 50 a 70 anos. Produziram bens para serem consumidos no Centro-Oeste, no Norte e no Nordeste. Agora nós temos que ter os nossos programas para permitir que além de cumprirmos a produção para que nós mesmos mato-grossenses consumamos, nós também temos que produzir para outros estados aqui da região Norte, da região Centro-Oeste, ganhando assim competitividade aos nossos empresários. Essa política que faz sentido, tanto na agroindústria, em outras áreas de implementos agrícolas, em outras áreas que temos muita vocação para sermos grandes e sermos fortes.
Como está o andamento da Reforma Tributária?
A Reforma Tributária temos pelo menos sete propostas por esse país, cada uma delas com uma perspectiva. Nós defendemos e sou vice-presidente do Comitê de Secretários de Fazenda, nós defendemos lá uma proposta que não seja voltada exclusivamente para o consumo. Nós temos aí quatro bases tributárias: a base tributária do patrimônio, da renda, do consumo e da folha de pagamento e de serviços. Nós temos que pensar uma Reforma Tributária que seja estrutural. O Brasil é um país que tem um sistema tributário muito injusto, muito regressivo, quer dizer, quem ganha menos paga mais. Por exemplo, no caso dos tributos incidentes sobre o consumo. A regressividade é enorme. O Brasil é um dos únicos países, se você pegar os países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) que tributam acima de 50% no consumo. A média é em torno de 30%. Esses outros países eles tributam patrimônio e tributam a renda de forma mais forte porque é onde você vai aferir se a pessoa tem capacidade contributiva para recolher ou não aquele tributo. No caso, se você vai comprar um quilo de feijão ou um quilo de açúcar, você que tem uma renda ou qualquer que seja uma renda de 100 salários, não pode pagar o mesmo tributo de quem tem uma renda de um salário mínimo. É isso que acontece hoje no país. Nós temos um sistema muito injusto e todas as propostas que estão em tramitação no Congresso Nacional hoje, persistem nesse erro de olhar e encarar o nosso sistema tributário só sobre a perspectiva do consumo e não olhando patrimônio, e não olhando renda. Nós defendemos, o Conselho de Secretários de Fazenda defende uma proposta e nós já estamos a construir essa proposta a ser apresentada nos próximos 180 dias, uma proposta que seja estrutural para o país. Uma Reforma do Sistema Tributário que atinja todas as bases econômicas e não apenas o consumo. Então nesse ponto é que nós temos uma pequena divergência. A última que foi apresentada por Bernard Appy (economista), que foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi, do Imposto sobre Bens e Serviços que consagra exclusivamente o destino, essa proposta retira de Mato Grosso 34% da nossa arrecadação. Nós somos contrários ao modo como essa proposta foi construída, porque ela retira de Mato Grosso a capacidade de o Estado se autodeterminar, quer dizer, nós vamos ficar dependentes de repasses federais para que a gente consiga aí cumprir com as nossas obrigações públicas. Nós somos contrários e é por isso que defendemos, uma proposta que seja estrutural e abrangente e não atinja apenas o consumo. Qualquer Reforma Tributária que venha a ser apresentada não pode ser um chute na escada pelos Estados já desenvolvidos de forma a impedir o desenvolvimento dos demais estados.
A estadual teria esse alinhamento?
A estadual é uma tentativa de simplificação. Ela trabalha exclusivamente com o que está posto na Constituição Federal. A Reforma mesmo de essência, ela tem que vir da Constituição Federal para os demais sistemas estaduais e municipais. Essa reforma é uma tentativa de simplificação e isso foi muito dialogado com a indústria, com o comércio, e nós esperamos aí, passado esse momento dos incentivos fiscais, benefícios fiscais, que nós tenhamos condições de voltar a ela no segundo semestre e nós voltaremos a ela. É que as agendas se confundiram. A agenda na nossa reforma do ICMS se confundiu com a data que nós temos para reinstituir os incentivos fiscais, que é 31 de julho. Uma poderia prejudicar a outra, então para que não houvesse prejuízo, aquilo que nós consideramos fundamental nesse momento, prioritário que é a agenda da renúncia fiscal no Estado, nós vamos conduzir só essa agenda com a Assembleia Legislativa. No segundo semestre a gente volta com a reforma do ICMS.
A equipe técnica do Ministério da Economia é contrária ao pagamento do FEX, porque entende que não há mais o que ser ressarcido aos estados por conta da Lei Kandir.
FEX. O senhor já falou sobre a pouca perspectiva de receber neste ano. Alguma mudança nos últimos dias ou o Estado já descarta a possibilidade de recebimento em 2019?
Nós temos que ser realistas. A equipe técnica do Ministério da Economia é contrária ao pagamento do FEX, porque entende que não há mais o que ser ressarcido aos estados por conta da Lei Kandir. Esse é um ponto. E nós temos um campo político em que o debate está sendo feito, sendo travado com o ministro, com o presidente da República, com o Congresso Nacional e os governadores. Eu acredito que politicamente nós tenhamos condições de ainda almejar o FEX e estamos trabalhando para isso. Acho que toda ação que convirja com esse objetivo ela é bem-vinda seja de quem for. Agora, no aspecto técnico, dentro do Ministério da Economia, o ministro é bombardeado todos os dias com informações de que ele não deve pagar porque se entende que não há mais direito.
Por que se entende que não há mais direito?
Porque há uma percepção, um requisito que constava da Emenda Constitucional 42 que estabelecia que quando chegasse a 80% do ICMS no destino, não mais deveria, os estados exportadores não precisariam mais serem compensados. E a União entende, por cálculos muito peculiares e que nós discordamos frontalmente de que já atingiu isso, quer dizer, Mato Grosso recebe 80% de todo o ICMS dos bens que são consumidos aqui. A gente sabe que isso não é verdade. Nós temos uma alíquota de 17% interna e uma alíquota de São Paulo, do Sul e do Sudeste que vem pra cá de 7%. Quando você pega a relação de 17 para 7, é dizer o seguinte: São Paulo mandou um produto pra cá a 7% aí eu vendo aqui a 17%, e 17% menos 7% fica uma carga de 10% que essa é a carga básica. Essa carga não dá 80% no destino, então nós não temos hoje essa distribuição. Nós temos ainda uma apropriação muito grande dos estados produtores de bens e serviços. Essa que foi a filosofia à época, de você colocar para os estados de consumo, onde são consumidos os bens, a boa parte do ICMS. Essa realidade ele não é. Tudo o que nós consumimos, essa bolsa, esse óculos seu, que vem do Sul e do Sudeste, parte dessa riqueza que foi produzida, fica lá no Estado de origem. E o que a União defende, o Ministério da Economia defende, é que 80% já estão nos estados consumidores. Não é verdade. Nós temos contas que demonstram que isso não é real. Esse é o centro do debate hoje.
Nós precisamos regulamentar a Lei Kandir e por um ponto final nisso.
Então o melhor caminho seria a aprovação da regulamentação da compensação da Lei Kandir?
A regulamentação da Lei Kandir que é a solução de todos os problemas em relação à Lei Kandir, para a gente não ficar dependente da boa vontade, do voluntarismo de ministros, de presidentes, para o repasse do FEX, porque o FEX de fato tem esse componente da voluntariedade por parte da União. Nós precisamos regulamentar a Lei Kandir e por um ponto final nisso.
Como está o desempenho da bancada federal e as promessas de Rodrigo Maia à votação do projeto. O senhor acha que vai evoluir esse ano?
A bancada está totalmente engajada. O senador Wellington Fagundes o ano passado foi o relator da proposta que está tramitando na Câmara. Hoje o deputado Neri Geller é o coordenador da bancada de Mato Grosso mas é também o coordenador da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) desse tema da Lei Kandir. A FPA congrega 220 deputados, é uma bancada muito forte. Eu estive na bancada na semana retrasada, na FPA a convite do deputado Neri Geller e o deputado Alceu Moreira que é o presidente da FPA, enfim, há um grande alinhamento da bancada em torno desse tema, junto com outras bancadas também como a do Pará, de Minas, do Rio Grande do Sul, de Goiás, que também são bastante afetados aí pela Lei Kandir. Eu acredito muito que da perspectiva política nós tenhamos como avançar, desde que nós superemos essas discussões técnicas que acabam influenciando quem toma decisão em Brasília.
No contexto de Fethab, foi acertada a medida do Governo de taxação do agronegócio?
Eu diria que nunca é bom você expandir a matriz de incidências tributárias. É óbvio que não era o desejo do governador fazer, e ele já disse isso claramente. Agora, nós tínhamos distorções dentro do Fethab, tinham setores do agronegócio que recolhiam uma parcela muito pequena porque estava congelada já há muito tempo dentro de uma outra perspectiva, de outra realidade e nós fizemos essa correção. Por exemplo, no caso do algodão que foi feita essa correção. E nós fizemos aquilo que já estava feito em relação a 2017 e 2018 que foi a dobra em relação aos demais produtos como a soja. Nós não aumentamos em relação à soja o que já havia praticado em 2017 e 2018, só manteve-se e colocamos sobre a exportação. Havia uma distorção e é importante deixar claro, o site (FocoCidade) é um site muito lido, muito técnico, é uma explicação necessária. Havia uma injustiça no Fethab. Se eu sou um produtor de soja e vendia para uma trading, eu recolhia o Fethab aqui internamente e essa trading ela fazia depois a exportação e ela já não recolhia o Fethab. Agora, se uma trading ela produzisse soja e fizesse a exportação direta ela não recolheria o Fethab, quer dizer, o produtor vendendo para uma trading recolhe o Fethab. Se a trading tiver uma produção de soja e vendesse direto para o exterior, para o nosso principal comprador que é a China, ele não tinha incidência do Fethab. Nós corrigimos essa distorção e isso inclusive à época nós tínhamos feito esse diagnóstico, dialogamos muito com a Aprosoja a esse respeito, para corrigir essa distorção, quer dizer, o grande acabava não pagando e o pequeno pagava o Fethab. Então essa correção houve também na exportação. E no milho que não tinha nenhuma incidência do Fethab, no milho nós colocamos o Fethab também apenas, é importante deixar claro, pra exportação. Não era o desejo do governador, porém era necessário em função da realidade fiscal que o Estado vive.
O senhor citou antes o contexto dos Poderes. O governador fez muito apelo para uma maior participação e a gente viu um orçamento na Assembleia que destoou um pouco do planejamento aqui do Estado. Na sua concepção, acha que os Poderes poderiam ajudar um pouco mais nessa questão orçamentária e dentro do trabalho do Estado de recuperação?
Há um constante diálogo com os Poderes. Desde a emenda constitucional 81/2017 (a PEC dos gastos) aprovada pela Assembleia Legislativa todos os Poderes devem obedecer ao teto de gastos, ou seja, só devem crescer seus orçamentos pela variação da inflação do ano anterior. Além disso, os Poderes deixaram de participar do crescimento da Receita Corrente Líquida, o que é um passo importante para o Estado acumular recursos para pagar seus passivos e conseguir fazer frente ao déficit da previdência. O governador Mauro tem dialogado com os Poderes permanentemente e há um importante consenso em torno do tema do equilíbrio fiscal e da necessidade de se equacionar o déficit previdenciário dos servidores públicos, que é o maior desafio fiscal dos próximos anos para todos os Poderes de Mato Grosso.
O Estado não é banco para se capitalizar, mas o Estado tem que ter um colchão para que ele faça investimentos com recursos próprios.
No andar que está indo o trabalho do Cira para recuperação de ativos, arrecadação, o apoio do FEX, o senhor consegue projetar uma perspectiva de que antes de dois anos o Estado estabeleça a total recuperação do equilíbrio fiscal e financeiro?
Nós trabalhamos primeiro com o equilíbrio orçamentário. Nós temos uma lei orçamentária que foi aprovada para esse ano com R$ 1,7 bilhão de déficit, quer dizer, você tem R$ 1,7 bilhão de despesa maior do que a receita. Então, primeiro é chegar nesse equilíbrio, agora óbvio que você já carrega um passivo. Você tem R$ 3,8 bilhões que vieram de restos a pagar, R$ 2 bilhões desses R$ 3,8 bilhões sem lastro, quer dizer, sem qualquer recurso financeiro que dê sustentação. O primeiro objetivo é fazer com que as despesas se equivalham as receitas, haja essa convergência aqui e depois que a gente gere poupança pública. Nós acabamos não falando mas nós criamos uma Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual que estabelece como meta uma poupança pública dentro de oito anos, que nós tenhamos 8% de tudo que se arrecada como poupança. Desses 8%, 5% para investimento com recursos próprios, 1% para reserva de contingência, para catástrofes e necessidades, e 2% para previdência, para cobrir o déficit previdenciário, que é aqueles R$ 57 bilhões que eu mencionei. Então nós trabalhamos com no curto prazo acabar com o déficit orçamentário, receita ser igual à despesa, e ao longo do tempo que a gente tenha condição de ir gerando poupança, quer dizer, gastar menos do que se arrecada, gerar poupança mas não para ficar guardando dinheiro porque o Estado não existe para isso. O Estado não é banco para se capitalizar, mas o Estado tem que ter um colchão para que ele faça investimentos com recursos próprios. E quando pensar em investimento, não é só estrada. Estrada também, modais logísticos também, mas melhorar a infraestrutura hospitalar, a infraestrutura educacional, tudo isso depende de investimento. Nós precisamos ter pernas próprias para conseguirmos dar esses passos. Se nós dependermos de operações de crédito, BNDES com a torneira fechada, depender de convênios com a União, o governo federal com a torneira fechada, se o Estado não tiver condições de ter recursos próprios para arcar com as suas políticas públicas, nós temos aí um futuro comprometido.
Não é uma pirotecnia, é real, e demonstra um ato de transparência para a sociedade.
Pra fechar secretário, o Decreto de Calamidade Financeira. O que isso resultou ou não resultou para o Estado. Como viu a posição do Governo Bolsonaro?
O decreto, primeiro que não foi rejeitado pelo governo federal. Isso não é verdade. O que houve ali foi uma posição de um técnico sobre uma questão genérica, não específica. Segundo que naquele momento não tínhamos o objetivo de ter efeitos concretos e práticos com o Decreto de Calamidade. O Decreto de Calamidade ele tem um efeito de transparência, é de você também expor ao público o que está ocorrendo com as finanças públicas do Estado, e todo cidadão tem o direito de conhecer. E o terceiro ponto, que daí eu fui muito claro em relação a isso, era uma perspectiva de, e ainda é possível, de com o Decreto de Calamidade e dada a urgência, porque nós ficamos sem viatura em janeiro, metade das viaturas, nós temos dificuldades de pagamento de viaturas, de combustíveis, de diárias para policiais militares, enfim, nós temos aí um conjunto de dívidas de curtíssimo prazo que nos prejudica, era fazer com que essa urgência materializada nesse Decreto permitisse ao presidente da República editar uma Medida Provisória e pagar o FEX, porque ele precisa encaminhar um projeto de lei que demoraria meses ou editar uma Medida Provisória. Essa possibilidade ainda não foi descartada e está na mesa do ministro da Economia para ele encaminhar ao presidente da República. De novo volta àquela agenda, é uma agenda política e a gente deu ali o fato jurídico que o presidente precisa para editar uma Medida Provisória com base na urgência. Nós esperamos aí que isso seja levado adiante pelo Ministério da Economia mas a Calamidade Financeira de fato ela é real, ela é concreta. Senão nós não teríamos R$ 2 bilhões de dívidas sem lastro financeiro, nós não estaríamos atrasados com a folha de pagamento, nós não estaríamos com o 13º, terminado de pagar agora no dia 30 de abril a última parcela de 2018. Ninguém está aqui para brincar, de fato há uma situação de calamidade, os números expõem isso, o TCE reconheceu isso em novembro ao vetar o pagamento da RGA, ele reconheceu que nós tínhamos uma dificuldade financeira. Não é uma pirotecnia, é real, e demonstra um ato de transparência para a sociedade.
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