
Mais do que julgar, a Justiça Eleitoral exerce o papel de guardiã da democracia sobre o poder de livre escolha de um povo, zelando pela transparência dos atos, cumprimento à risca da legislação e primando pelo pleno exercício do voto consciente.
Nessa ótica alinhada em alerta ao eleitor, visando o esclarecimento e contribuindo para o processo do Direito Eleitoral, é que o juiz do Poder Judiciário de Mato Grosso, Lídio Modesto da Silva Filho, lança o livro “Propaganda Eleitoral – De Acordo com a Minirreforma Eleitoral e Com as Resoluções 23.551/2017 e 23.554/2017”.
Nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, o magistrado dono de um vasto currículo na área, leia-se a atuação como juiz eleitoral, juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), além de juiz coordenador da Propaganda Eleitoral nas eleições 2010, discorre sobre tópicos polêmicos em sua obra como a interferência das igrejas nas questões de ordem política e ainda o cenário que envolve as Fake News.
“O livro demonstra a necessidade de um pleito equilibrado e legalmente conduzido e, utilizando uma linguagem clara, serve não somente aos operadores do direito, mas também a candidatos e ao cidadão eleitor, para que possam abrir os olhos para uma escolha consciente após a análise das propagandas veiculadas durante a campanha eleitoral, cujo voto deve ser consequência de sua persuasão lógica e que defina de forma racional que sua opção recaia em candidato que trará vantagens para a coletividade em que vive.”
Na leitura inerente sobre os eixos da Minirreforma Eleitoral, o juiz Lídio Modesto pontua os prós e contras da legislação, configurando uma nova seara no campo da pré-campanha em itens que podem ser positivos como o maior espaço para exposição de propostas, mas que também soa como desafio à Justiça Eleitoral quando o assunto é o eventual “abuso do poder econômico”.
O juiz é taxativo ao asseverar entendimento do desequilíbrio provocado pelo instituto da reeleição, mas alerta que a Justiça Eleitoral aliada ao Ministério Público Eleitoral e entidades apoiadoras da fiscalização, está atenta a possíveis quebras das regras, devendo ser severa na aplicação das devidas sanções.
“A ausência de rastreabilidade certamente favorece o abuso do poder econômico, mas a consequência para quem pratica tal ação é gravíssima e tanto a Justiça Eleitoral quanto o Ministério Público Eleitoral estão atentos com os atos praticados neste período e o resultado desta fiscalização prévia virá, certamente”, avisa.
Lídio Modesto também acentua mensagem ao eleitor nas ações de combate à corrupção, devendo exercer seu papel de agente fiscalizador.
A obra “Propaganda Eleitoral” será lançada em Mato Grosso no dia 28 de junho, às 8h30, na Casa da Democracia – TRE, durante o Seminário Eleições 2018 – Cenário de desafios e perspectivas.
Confira a entrevista na íntegra:
Existe uma preocupação muito grande na Justiça Eleitoral sobre a necessidade de o eleitor ter consciência sobre a importância do voto. O livro “Propaganda Eleitoral” de sua autoria também se alinha a esse contexto?
A história demonstra que o aperfeiçoamento do processo eleitoral é constante e a atitude do eleitor brasileiro segue o mesmo rumo. É verdade que ainda há venda de votos por parte de eleitores menos instruídos, há escolhas mal feitas, mas campanhas de conscientização realizadas pela Justiça Eleitoral aliadas à própria constatação do cidadão eleitor tem feito com que este verifique a importância do voto como o único instrumento de aprimoramento dos sistemas públicos administrativo e legislativo. O livro demonstra a necessidade de um pleito equilibrado e legalmente conduzido e, utilizando uma linguagem clara, serve não somente aos operadores do direito, mas também a candidatos e ao cidadão eleitor, para que possam abrir os olhos para uma escolha consciente após a análise das propagandas veiculadas durante a campanha eleitoral, cujo voto deve ser consequência de sua persuasão lógica e que defina de forma racional que sua opção recaia em candidato que trará vantagens para a coletividade em que vive.
Em se tratando de minirreforma, especialistas em Direito Eleitoral apontam uma mudança central que teria visado sobremaneira contemplar os interesses dos que detém mandato e pensando na reeleição. Como avalia o desempenho da legislação nesse sentido?
É preciso lembrar que a legislação é feita por quem sempre é candidato. As discussões prévias acerca da reforma orbitaram em torno de propostas que indicavam uma manutenção do status quo. O encurtamento da campanha, embora o mote seja a redução de gastos, evidentemente que beneficia quem já é conhecido, impedindo que novas pessoas possam ingressar no meio político, pois não há como se tornarem conhecidas pela população. Penso que neste particular a legislação não evoluiu, pois criou óbice para que a democracia fosse amplamente exercida, inviabilizando o princípio igualitário que deve nortear as disputas eleitorais.
O instituto da reeleição por si só não é uma forma de desequilíbrio na disputa, na sua opinião, principalmente para os que estão no comando da máquina pública?
Há desequilíbrio sim, porque no Brasil é permitida a reeleição de ocupantes de cargos públicos, o que torna difícil a distinção entre o administrador e o candidato à reeleição, e, também permite a candidatura de pessoas que podem usar a máquina pública para realizar atos ou obras que possam configurar promoção pessoal. O ocupante de cargo público pode fazer propaganda institucional, lançando mão de expedientes publicitários com contornos de propaganda institucional, entretanto age de maneira a massificar seus feitos e, subliminarmente, procura ser visto pelo público por maior tempo possível de exposição de sua pessoa para que possa ser lembrado e ser visto como o indivíduo que mais merece ocupar determinada função pública, sendo reeleito ou elegendo um sucessor de seu interesse. Essa faculdade causa imenso desequilíbrio entre os demais aspirantes de cargos eletivos, porque estes não possuem acesso ao movimento de expressivos montantes de recursos públicos que enriquecem agências de publicidade e a divulgação ainda possibilita a realização de verdadeira campanha eleitoral em período não autorizado pela legislação, extravasando o caráter informativo, educativo ou de orientação social desta espécie de propaganda.
Para quem não está afinado com a legislação ao pé da letra, fica difícil a partir da minirreforma, distinguir o que é legal do que não é. Como exemplo temos a garantia das ações da pré-campanha eleitoral, onde se pode quase tudo, com exceção de pedir diretamente o voto. Podemos dizer que a campanha eleitoral estaria mais aberta, ao contrário do que prega a legislação quando pontua redução do período oficial?
O encurtamento do prazo para realização da campanha eleitoral para 45 (quarenta e cinco) dias, com apenas 35 (trinta e cinco) dias dedicados para a propaganda de rádio e televisão é um vetor que torna importante o período da pré-campanha eleitoral, sendo que esta fase deve ser considerada como um momento de debate democrático entre o pré-candidato e a sociedade civil para que este possa concentrar a elaboração de suas propostas de acordo com o que almeja o cidadão eleitor. Não diria que esteja mais aberta a campanha, mas está mais democrática com o período da pré-campanha, porque neste momento qualquer um pode lançar mão de meios simples para tornar-se conhecido e preparar-se para o momento específico destinado à campanha que hoje é mais curta.
O abuso do poder econômico, comum em campanhas, não encontraria mais brechas para ocorrer em período de pré-campanha, considerando a maioria dos pré-candidatos estar em plena ação com vistas às eleições?
A Justiça Eleitoral está com este desafio, pois a pré-campanha é algo novo em nosso sistema eleitoral e nesta fase não há conta aberta e nem rastreabilidade dos recursos, pois ainda não há candidato, o que somente ocorre com o deferimento do registro. A ausência de rastreabilidade certamente favorece o abuso do poder econômico, mas a consequência para quem pratica tal ação é gravíssima e tanto a Justiça Eleitoral quanto o Ministério Público Eleitoral estão atentos com os atos praticados neste período e o resultado desta fiscalização prévia virá, certamente. Por outro lado a Lei é clara quanto ao que pode ser feito nesta fase inicial, de maneira que se alguém se destacar com gastos, certamente responderá ação que poderá levar à perda do seu registro ou do seu diploma em momento futuro. Não há um valor estipulado no tocante ao que pode ser gasto na pré-campanha, de modo que o que deve prevalecer neste período é o bom senso e o que não está expressamente proibido se for utilizado moderadamente é possível. Considerando que ainda não há regulamentação de gastos para este período e nem mesmo decisões sobre vários temas, o melhor a fazer é ser moderado e fazer somente o que é expressamente permitido no período.
Considerando que ainda não há regulamentação de gastos para este período e nem mesmo decisões sobre vários temas, o melhor a fazer é ser moderado e fazer somente o que é expressamente permitido no período.
O senhor também aborda a problemática da Fake News na obra. Como combater essa prática nas eleições e qual o grau de preocupação em relação ao tema?
O tema Fake News e agora as Deep Fakes são outro desafio para a Justiça Eleitoral e o TSE está empenhado em impedir que ocorram e também em penalizar quem for pego divulgando inverdades. As campanhas eleitorais servem para divulgação de ideias, mas também para demonstrar incapacidades administrativas e para debates até ácidos, não tendo espaço para pessoas muito sensíveis, mas a lei protege direitos de personalidade e também não permite abusos, devendo ser cessadas práticas ilícitas e multados os responsáveis e qualquer um será responsabilizado por seus atos, caso inverídicos. Há campanhas contra essas práticas, porque as campanhas recentes demonstraram que o toque foi o de desconstrução de adversários com divulgação de fatos inverídicos, ao invés de haver propagação de propostas que efetivamente pudessem melhorar a vida dos cidadãos. O caro tempo destinado às campanhas foi utilizado para este fim e isso preocupa, pois nivela por baixo quem irá ocupar os cargos públicos e terão acesso à chave do cofre que guarda o dinheiro público. A Justiça Eleitoral está preparando-se para o combate às Fake News e os juízes da propaganda estão orientados a usar o peso da caneta para que tenhamos uma eleição com ordem e tranquilidade, com respeito aos cidadãos eleitores e ao princípio da veracidade que norteia a propaganda eleitoral.
A Justiça Eleitoral está preparando-se para o combate às Fake News e os juízes da propaganda estão orientados a usar o peso da caneta para que tenhamos uma eleição com ordem e tranquilidade, com respeito aos cidadãos eleitores e ao princípio da veracidade que norteia a propaganda eleitoral.
Outro eixo se atém ao abuso do poder religioso. Mas como medir essa atuação?
A legislação busca manter a distância entre o Estado e as igrejas e estas de vínculos financeiros com candidatos e partidos. A Lei das Eleições elenca expressamente locais em que é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, tendo incluído templos religiosos como bem de uso comum do povo, onde não é permitido o aliciamento de eleitores. Nas campanhas eleitorais brasileiras são inúmeros os encontros dentro de templos religiosos com envolvimento político, onde há apresentação de candidatos para os fiéis de todas as religiões. A igreja se desvirtua de seu sublime propósito de levar alento a quem precisa e fortalecer a fé de seus seguidores, quando se envolve em assuntos de natureza estritamente mundana como são os assuntos políticos. Qualquer líder religioso pode ser candidato e também tem o direito à livre expressão política, mas somente enquanto pessoa física e não como um líder, de modo que o lugar onde professa sua fé não pode servir de palco para campanha eleitoral. Imperioso lembrar que no Brasil a legislação já proíbe alguns abusos, como o abuso de poder econômico, dos veículos de comunicação, de poder político, todos com consequências graves para aqueles que violam a lei, sendo que o abuso de poder religioso tem sido discutido na doutrina, mas até o presente momento são acanhadas as medidas legais contra esta prática. Qualquer assédio de natureza política em templos religiosos é proibido, entretanto somente é possível o combate quando há notícia do abuso e o juiz, por meio do poder de polícia, coíbe a prática ou quando há representação contra o abuso.
A igreja se desvirtua de seu sublime propósito de levar alento a quem precisa e fortalecer a fé de seus seguidores, quando se envolve em assuntos de natureza estritamente mundana como são os assuntos políticos.
A Justiça Eleitoral trabalha com estratégias para coibir os abusos na campanha, inclusive com novos instrumentos que devem ampliar a participação dos eleitores. Em que caso se aplica o “poder de polícia” pelo cidadão?
A Justiça Eleitoral tem inúmeros instrumentos para combater abusos e tornar a campanha o mais equilibrada possível. Para tanto tem a Ouvidoria, o Ministério Público Eleitoral, os Juízes da Propaganda e sistemas eletrônicos de participação popular como o Caixa 1 e o Pardal. O cidadão eleitor pode tornar-se um fiscal da Justiça Eleitoral e ajudar a manter na disputa somente quem efetivamente faz o certo. Qualquer ato que o eleitor desconfie é válido e deve ser encaminhado para a Justiça Eleitoral. O Caixa 1 trata de gastos de campanha e o Pardal das propagandas eleitorais, mas qualquer evento que o eleitor entenda ser ilegal deve ser encaminhado por qualquer sistema, pois a Justiça Eleitoral tomará as medidas para coibir o abuso e fazer cessar o ilícito, aplicando a lei.
Qual a mensagem para o eleitor?
A mensagem que deixo para o eleitor é de que o momento hoje vivenciado é único. É hora de o povo virar a mesa e colaborar com o País, expurgando da política indivíduos que não mereçam dominar a coisa pública e ter a chave do cofre. O povo deve dar um basta à corrupção. Denuncie irregularidades! Vote de forma consciente! Somente através do voto é possível mudar o nosso País.
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