• Cuiabá, 07 de Setembro - 2025 00:00:00

Desembargador nega habeas corpus a cabo Gerson preso na 'grampolândia'


Da Redação - FocoCidade

Desembargador do Tribunal de Justiça, Luiz Ferreira da Silva, negou habeas corpus ao cabo Gerson Luiz Ferreira Correa Junior, preso na esteira da "grampolândia" em Mato Grosso.

A defesa pontuou ser o cabo Gerson o único preso entre rol de investigados. "Afirmam, também, que todos os coacusados foram colocados em liberdade, restando preso apenas o paciente, apesar de os delegados da Polícia Judiciária Civil Ana Cristina Feldner e Flávio Henrique Stringueta e o Ministério Público Federal terem se manifestado pela sua soltura; consignando, ademais que o acusado é detentor da mais baixa patente do corpo da Polícia Militar e era subordinado dos demais acusados".

A argumentação não sustentou o pedido. O desembargador considerou na negativa que "de mais a mais, é imprescindível destacar que a concessão da liminar exige que o direito do acusado transpareça límpido e despido de qualquer incerteza o que, como visto, não é o caso em apreço, sobrelevando-se asseverar, além disso, que as demais teses deduzidas na prefacial se confundem com o próprio mérito desta ação constitucional, razão pela qual seu exame, neste momento, configurará medida desaconselhada, fazendo-se, pois, imprescindíveis: a prévia solicitação das informações ao juízo de primeiro grau e o parecer da cúpula ministerial, para que, posteriormente, o caso vertente possa ser submetido ao crivo da Terceira Câmara Criminal, a quem compete decidir as irresignações contidas no presente feito."

Confira a decisão na íntegra:

 

TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS N. 1001440-07.2018.8.11.0000

 

 

Vistos etc.

 

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado por Thiago de Abreu Ferreira e Neyman Augusto Monteiro, em favor de Gerson Luiz Ferreira Correa Junior, apontando como autoridade coatora o Juízo da 11ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá.

 

Colhe-se destes autos que a prisão preventiva da paciente foi decretada em 23 de maio de 2017, em razão da suposta prática dos crimes de falsificação de documento em repartição militar e falsidade ideológica (arts. 311, § 1º e 312, do Código Penal Militar), por força de decisão prolatada no feito n. 17000-11.2017.811.0042 (código 477158), em trâmite no juízo acima mencionado, porquanto seria, em tese, o responsável pela formalização de pedidos de interceptações telefônicas e respectivas prorrogações, como também dos relatórios de inteligência, com desvio de finalidade, a fim de que, na clandestinidade, obtivessem chancela judicial para execução de escutas indevidas, denominadas “barrigas de aluguel”. 

 

Registram, os impetrantes, que o inquérito policial militar foi remetido para este Tribunal de Justiça em 2 de junho de 2017, diante do suposto envolvimento de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função – Secretário-Chefe da Casa Militar do Estado de Mato Grosso (Cel. Evandro Alexandre Ferraz Lesco) e Secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Cel. Airton Benedito de Siqueira Júnior) – sendo, posteriormente, avocado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11 de outubro de 2017.

 

Consignam, ademais que, em 26 de setembro de 2017, o então condutor do Inquérito Policial n. 87.132/2017, desembargador Orlando de Almeida Perri, decretou novamente a prisão preventiva do paciente, diante da suspeita de que ele poderia estar envolvido em ocultação ou destruição de provas, sendo, essa custódia cautelar, substituída por medidas mais brandas pela ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, em 28 de dezembro de 2017.

 

Afirmam, também, que todos os coacusados foram colocados em liberdade, restando preso apenas o paciente, apesar de os delegados da Polícia Judiciária Civil Ana Cristina Feldner e Flávio Henrique Stringueta e o Ministério Público Federal terem se manifestado pela sua soltura; consignando, ademais que o acusado é detentor da mais baixa patente do corpo da Polícia Militar e era subordinado dos demais acusados

 

Registram, ademais, que o paciente ostenta predicados pessoais favoráveis, dentre os quais, primariedade, residência fixa e ocupação lícita, integrando o corpo da Polícia Militar há mais de 14 (quatorze) anos, apresentando diversos elogios de comportamento na sua ficha.

 

Sustentam, outrossim, que a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente e aquela que indeferiu seu pleito liberatório estão em descompasso com a determinação constante no art. 93, IX, da Constituição Federal, pois foram embasadas em meras abstrações acerca da gravidade do crime e do risco à instrução criminal, uma vez que nenhum elemento concreto foi apontado pelo magistrado; consignando, outrossim  que, no caso em tela, não restaram configurados quaisquer dos requisitos autorizadores da medida segregatícia de liberdade, insculpidos no art. 255, do Código de Processo Penal Militar.

 

Afirmam, além disso, que os crimes imputados ao paciente ocorreram, em tese, entre os anos de 2014 e 2015, bem como que ele foi exonerado das funções de inteligência da Polícia Militar.

 

Consignam, por derradeiro que, na espécie, é cabível a extensão dos benefícios concedidos ao coacusado ao paciente, nos termos do art. 515, do Código de Processo Penal Militar, por entender que é suficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas.

 

Forte nas razões acima consignadas, liminarmente, requerem a revogação da prisão preventiva da paciente, com a expedição de alvará de soltura em seu favor; pleiteando, subsidiariamente, a substituição da medida constritiva por prisão domiciliar condicionada ao monitoramento eletrônico, ou a imposição de medidas cautelares mais brandas. E, no mérito, a convolação da medida de urgência, porventura deferida, em definitiva.

 

É o relatório. Decido.

 

Não obstante o ordenamento jurídico pátrio não preveja a possibilidade de se conceder medida liminar em sede de habeas corpus, tal providência tem sido admitida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, quando se mostram configurados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, pressupondo o elemento da impetração que aponta a ilegalidade reclamada e a probabilidade de dano irreparável, até porque é possibilitado ao magistrado conceder ordem de habeas corpus mesmo de ofício, quando verificar que o pleito se encontra devidamente instruído e que está evidente o constrangimento ilegal sofrido pelo acusado.

 

No entanto, a concessão da tutela de urgência demanda, em um juízo perfunctório, dissociado, portanto, da análise mais aprofundada da prova pré-constituída e do parecer da cúpula ministerial: a clareza indene de dúvidas no âmago do magistrado de que há, no caso concreto, ameaça ou lesão efetiva à liberdade ambulatorial do jurisdicionado.

 

No caso em apreciação, contudo, a despeito dos argumentos vertidos nesta impetração, não se constata, prima facie, a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, consubstanciados na aparência do direito e no perigo do perecimento pelo decurso do tempo, aptos a ensejar a concessão liminar desta ação de dignidade constitucional (art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal).

 

E tais afirmações têm pertinência, porquanto o substrato fático que deu esteio à prolação do ato decisório objurgado diz respeito à suposta prática fraudulenta de escuta telefônica militar clandestina, denominada de “barriga de aluguel”, sendo incumbido, em tese, ao paciente, a formalização dos pedidos, prorrogações e relatórios de inteligência dos grampos militares ilegais à Justiça.

 

Constata-se, ainda, deste álbum processual, que as supostas escutas clandestinas tinham como finalidade a espionagem política, escuta de advogados no exercício de sua função, jornalistas, desembargadores, deputados com foro de prerrogativa, médicos, inclusive de "amantes" de poderosos, e estima-se que foram grampeados ilegalmente entre 80 (oitenta) e 1000 (mil) terminais.

 

Conquanto o impetrante tenha asseverado que o paciente ostenta predicados pessoais favoráveis, bem como que no caso em tela lhe é cabível a extensão dos benefícios concedidos aos coacusados, nos termos do art. 515, do Código de Processo Penal Militar, infere-se que, aparentemente, ele não se encontra em situação processual idêntica aos demais,  não só porque seria responsável pela ouvida das ligações interceptadas, como também porque as testemunhas ouvidas na audiência de instrução realizada no dia 5 próximo passado afirmaram ao juízo que temem sua soltura, restando justificada, dessa forma, a necessidade da sua custódia provisória para a garantia da ordem pública e para resguardar a instrução criminal.

 

Não se pode olvidar, por importante que, para a decretação da prisão preventiva exige-se ordem escrita e devidamente fundamentada da autoridade judiciária competente (arts. 5º, LXI e 93, IX, da Constituição Federal) apta a demonstrar a presença, no caso concreto, de pressupostos e requisitos fático-normativos ligados, simultaneamente, à existência de um lastro probatório mínimo da autoria (ou participação) do agente na conduta delitiva e da ocorrência de uma infração penal suscetível à medida extrema; como também da necessidade urgente de se garantir da ordem pública; a conveniência da instrução criminal; restar demonstrada a periculosidade do indiciado ou acusado; para a segurança da aplicação da lei penal militar; e quando for necessária para  manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado., passíveis de serem vulnerados durante a espera pelo provimento jurisdicional definitivo.

 

Em outras palavras, a prisão preventiva não se confunde com a prisão-pena e, por isso mesmo, somente deve ser decretada naqueles casos em que o abalo decorrente da prática do crime ou da posição adotada pelo suspeito/acusado seja tão significativo, a ponto de reclamar do magistrado uma atuação extrema, imediata e diligente, capaz de impedir eventos ainda mais danosos prováveis de serem provocados enquanto a persecução penal não é concluída.

 

E, no que tange ao fumus comissi delicti, ou seja, à fumaça do cometimento do delito, como declina o próprio texto da Lei, vê-se que esse está consubstanciado na prova da existência do crime, com a certeza da ocorrência do fato típico, nos indícios suficientes de autoria, bem como com a suspeita fundamentada da conduta, tida por ilícita, dispensando, portanto, a demonstração cabal do cometimento do verbo nuclear do tipo ou do auxílio material ou intelectual da paciente.

 

Por seu turno, no caso em apreciação, a materialidade dos crimes, bem assim os indícios de autoria em relação ao paciente ressaem dos documentos carreados para este caderno processual, dentre os quais a peça acusatória oferecida pelo Ministério Público.

 

E, no que se refere ao periculum libertatis, ou seja, ao risco de que o paciente, em liberdade, oferece à investigação ou ao processo penal militar, como também ao corpo social, é imperioso reconhecer que, à semelhança do que entendeu o juízo singular e este Tribunal de Justiça, na análise perfunctória própria desta fase, igualmente restou demonstrado para este relator, sob a roupagem da garantia da ordem pública e da conveniência da instrução criminal.

 

Isso porque, apreende-se deste feito que o paciente, juntamente os corréus, faziam parte de um esquema de grampos clandestinos militares, feito por alguns policiais militares, que tinha como objetivo a espionagem política, por meio de escutas clandestinas utilizando-se da técnica conhecida como "barriga de aluguel", consistente na obtenção de ordem judicial de interceptação telefônica induzindo o Ministério Público e o Poder Judiciário a erro, oportunidade em que a privacidade de diversas autoridades e profissionais liberais deste Estado foram devassadas.

 

Noutro viés, impende-se assinalar que é indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, eis que a prisão provisória do paciente, a priori, encontra-se, aparentemente, justificada para acautelar o meio social, evidenciando-se, destarte, que providências menos gravosas não seriam suficientes para tutelar o caso em tela, mormente porque, na visão deste magistrado, a partir da análise perfunctória dos documentos encontradiços neste caderno processual, como dito alhures, não se vislumbra a existência de qualquer medida cautelar alternativa que poderia ter o condão de frear a conduta criminosa imputada ao paciente, que na condição de militar, teria amplo acesso aos órgãos investigativos.

 

De mais a mais,  é imprescindível destacar que a concessão da liminar exige que o direito do acusado transpareça límpido e despido de qualquer incerteza o que, como visto, não é o caso em apreço, sobrelevando-se asseverar, além disso, que as demais teses deduzidas na prefacial se confundem com o próprio mérito desta ação constitucional, razão pela qual seu exame, neste momento, configurará medida desaconselhada, fazendo-se, pois, imprescindíveis: a prévia solicitação das informações ao juízo de primeiro grau e o parecer da cúpula ministerial, para que, posteriormente, o caso vertente possa ser submetido ao crivo da Terceira Câmara Criminal, a quem compete decidir as irresignações contidas no presente feito.

 

Diante do exposto, indefiro a liminar vindicada, determinando, por conseguinte, a remessa deste processo à Procuradoria-Geral de Justiça, a fim de que, por meio de um dos seus integrantes, opine sobre o constrangimento ilegal propalado na prefacial.

 

Com a publicação desta decisão, dê-se por intimado o impetrante.

 

Cumpra-se.

 

Cuiabá/MT, 20 de fevereiro de 2018

 

Desembargador Luiz Ferreira da Silva

                       Relator

 




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