Cabe contextualizar o problema, para que se possa entender o quadro geral e seus desdobramentos no Brasil e no Mundo. O presidente Donald Trump apresentou um plano de tarifas comerciais que seguramente é o mais abrangente desde os acordos de Bretton Woods (1944), que definiram as bases para o comercio internacional, que mais tarde criaria o GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (1947), atual OMC – Organização Mundial do Comércio (1995).
A proposta do presidente americano, batizada de "Liberty Day" (Dia da Liberdade), representa uma ruptura com a ordem mundial e no sistema multilateral de comércio que vem sendo promovido desde 1947 com o GATT, atual OMC, que garante acordos e regras debatidas e negociadas entre os países, antes de serem implementadas.
O mundo como um todo será impactado. Alguns países estão mais expostos, outros menos.
Os EUA passarão a retaliar tarifas caso a caso, com base nas tarifas que cada país cobra dos produtos americanos. O conceito de "tarifa recíproca", parte do princípio de equiparar as alíquotas de impostos. Por exemplo, se o país (A) cobra tarifa de 25% sobre um produto americano, os EUA aplicarão os mesmos 25% sobre o produto equivalente vindo do país (A). Essa medida ignora os aspectos técnicos do comércio internacional e rompe com compromissos firmados em acordos multilaterais.
Acredita-se que estamos observando o início de uma guerra comercial com desdobramentos de difícil previsibilidade. Segundo a Boomberg Economics, as medidas podem aumentar os preços nos EUA em 2,5% num horizonte de três anos. Mais inflação nos EUA, tem reflexos no Brasil pela via financeira. Para a Câmara de Comércio Americana para a União Europeia, um conflito comercial pode colocar em risco US$ 9,5 trilhões no fluxo de comércio, afetando todas as cadeias de produtos e serviços.
O impacto sobre o comercio brasileiro acredita-se que seja relativamente limitado no curto prazo, visto que o Brasil exporta para os EUA bens intermediários e combustíveis. Nas importações o Brasil depende dos EUA para os segmentos de motores, máquinas, aeronaves e combustíveis. Isso não significa que o risco esteja descartado para outros setores. O Brasil cobra em media 11,3% sobre produtos importados dos EUA (dados de 2022), enquanto os EUA cobram em média 2,2% dos produtos brasileiros. Pelo conceito de "tarifa reciproca", os produtos brasileiros exportados para as EUA serão taxados.
O pacote de tarifas tem potencial para aumentar a insegurança global, elevar a inflação nos EUA, podendo forcar o FED (Federal Reserve) a manter a taxa de juros alta por mais tempo. Isso pode pressionar a moeda brasileira, encarecer o crédito e, como desdobramento, diminuir o espaço do Banco Central para corte na taxa de juros (Selic).
Desta forma, sem considerar todos os impactos diretos nas exportações, o Brasil seria afetado diretamente com o encarecimento do financiamento externo, desvalorização cambial, aumento da inflação (IPCA) e mais tempo com juros no patamar de dois dígitos, o que encarece a rolagem do estoque da dívida pública, que já é elevada e tem provocado fortes debates no mercado sobre capacidade de pagamento do governo federal, sem que sejam promovidas reformas estruturais na economia.
Existe risco de uma recessão global? Sim. Vamos acompanhar os desdobramentos e possíveis mudanças de rota.
Cláudio Gonçalves dos Santos é economista, mestre em administração financeira e contabilidade, gestor de valores mobiliários e professor de pós-graduação na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP). Sócio da Planning, atua com assessoria financeira e valuation.
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