As barreiras que nos afrontam diariamente são como as asas de um intrépido pássaro a nos levar ao encontro do destino. Não que ele, o destino, seja certo e inevitável ou mesmo que devemos a ele esperar. Penso nele como uma plataforma, um plano de vida consciente ou inconsciente do qual o livre arbítrio poderá lançar-se, como a precipitar-se dum abismo, tendo como forças antagônicas a gravidade e o calor, o vento e a vontade, a coragem e o desconhecido.
Pela verve jornalística de Terésio Bosco conhecemos a saga de um caminhar. Conta-nos que um menino, então com doze anos, estava sempre a sentir o peso da incompreensão e do desamor de seu irmão mais velho, Antonio, de dezenove anos de idade.
Antonio não aceitava trabalhar na roça e, após as jornadas diárias extenuantes e implacáveis que se submetia, vir o pequeno João na disposição da leitura de um livro. Em seguida ao pão da ceia noturna, regada a palavras pesadas, grita ferozmente – ainda jogo esse livro no fogo. A caridosa mãe Margarida, fazendo jus ao nome de caro e especial significado (pérola), aparteou – João trabalha como os outros, se depois quiser ler, o que você tem com isso? Em fugaz resposta, movido pela ilimitada audácia dos ignorantes, Antonio responde – Tenho sim, senhora! Porque sou eu que “toco” esta joça pra frente. Dou um duro danado na roça e não tenho nenhuma vontade de sustentar um senhorzinho. Após, ainda agrediu o pequeno João, ocasionando a atuação severa da ironia.
O coração de mãe está sempre a protagonizar as mais variadas formas de clamor, renúncia e desprendimento. Observando a resposta de João ao irmão, firme e de ruminadas palavras, e como quem embala a tristeza com o manto da resignação, chamou o pequeno para uma conversa a selar destinos.
Firme como a descortinar a verdade, após uma noite em pensamentos e orações, iluminada pelo dever de fazer o melhor julgamento e por cobro à situação e evitar o pior, percebeu, naquele fatídico instante, que o mal existe para reverenciar o amor, sendo este muito mais resoluto e absoluto. Disse ao pequeno – Joãozinho, é melhor você deixar esta casa. Antonio não pode mais vê-lo e um dia pode machucá-lo gravemente. Guardou na alma o que lhe restava para viver, a súplica.
O pequenino pôs-se a caminhar e, de caminhada em caminhada, ganhou o mundo. Foi trabalhar com uma generosa família, longe dos seus, aprendendo as lições necessárias na consolidação de um Santo. João se tornou Dom Bosco, padroeiro de muitos, inclusive da capital do Brasil. Reverenciado por outro Santo, João Paulo II, que o proclama, em 1989, “pai e mestre da juventude”.
Por conhecer onde estava o mal e de sua necessidade, o Nazareno já adiantava aos apóstolos que dali, de seus mais próximos seguidores, sairia a desonra, que o levaria a cumprir a sagrada Escritura. Se o mal existe e cumpre seus desígnios, é no amor que se encontra seu infortúnio, sua derrocada, extinção.
Aquela mãe julgou com sabedoria, sabia que a perdição de um lhe devia estar próxima, sob sua vigilância, pois o então porta voz do amor, encarnado no pequeno João, era mais forte a ganhar as batalhas futuras que a vida sempre reserva no mundão de infinitas interações e provas. Qual seria o destino de Antonio, solto, sozinho, senão o castigo da solidão e miséria? As ovelhas desgarradas devem ser motivo de compaixão e não de ódio. Recuperá-las é dever de todos os cristãos.
A humanidade, em seu estágio atual, não assina as atas ignóbeis, as maledicências do corpo sem alma. Há busca de crescimento pessoal e espiritual. A alteridade exige o respeito e a calmaria de liberdade de vida. E o que resta é a certeza de que os que assim não se adaptarem terão destino piedoso, ficarão renegados a ficar sob a vista da mãe de Antonio, também a de João.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é professor de Filosofia da ESMAGIS/MT, magistrado e articulista de A Gazeta (e-mail: bedelho.filosofico@gmail.com).
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