• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

No Carnaval da esperança

Diante de Jair Bolsonaro (PL) haverá um conjunto de líderes partidários capaz de, sem vaidades ou pretensões pessoais, unir a oposição tendo um só nome como candidato à Presidência da República?

Após o golpe militar de 1964, surgiram articulações entre os líderes políticos para a formação de uma frente ampla de oposição à ditadura. Em 1966, o deputado federal Renato Archer (MDB-RJ) promoveu encontro em Lisboa dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek (PSD), exilado em Portugal, e João Goulart (PTB), exilado no Uruguai. Archer foi um dos principais articuladores para unir forças contra a ditadura.

Integrante do movimento que derrubou Jango e cassou os direitos políticos de JK, o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda não concordava com medidas econômicas e políticas impostas pelos militares. Lacerda pretendia chegar ao Palácio do Planalto e se voltou contra o golpe que apoiara porque rejeitava as eleições indiretas e a prorrogação do mandato do general-presidente Castelo Branco.

Mediador entre Lacerda e Juscelino, Archer assumiu a posição de porta-voz do primeiro, tentando conquistar também as adesões do ex-presidente Jânio Quadros (MDB) e do ex-governador de Minas Gerais Magalhães Pinto (Arena).

Jango não aceitava a ideia de unir-se a Lacerda, inimigo do PTB getulista e com militares ao seu lado. Em setembro de 1967, Lacerda e Jango abandonaram as desavenças em histórica reunião na capital uruguaia. Archer havia garantido a Jango que os militares lacerdistas não seriam contra a aliança sob uma condição: a de que a Frente Ampla não promovesse luta armada para derrubar o regime. Leonel Brizola (PTB), ex-governador do Rio Grande do Sul, próximo de Jango, apoiava grupos guerrilheiros que se organizavam pelo país. Mais tarde, fundaria o PDT.

Boa parte dos parlamentares do MDB aderiu à Frente Ampla, surgiu forte mobilização popular. Primeiro no ABC paulista, em 1967, depois em Londrina e Maringá (PR), em 1968. Manifestações estudantis pontuaram em todo o Brasil contra a violência policial que, em março de 1968, no Rio de Janeiro, assassinara o estudante Edson Luís de Lima Souto. O regime militar estava acuado.

Em abril daquele ano, medidas repressivas foram instauradas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e a portaria nº 117 proibiu a Frente Ampla. Em dezembro, após a edição do Ato Institucional nº 5, Lacerda perdeu os direitos políticos. Archer ficou sem mandato e também foi cassado. Sofreu longo período de perseguição. Preso várias vezes pela Polícia Federal, foi arrolado pelo Exército em inquérito policial militar — não foi a julgamento por falta de provas.

Em novembro de 1970, no governo do general Emílio Garrastazu Médici, Archer foi preso pela terceira vez, então com violência. Sua residência foi invadida, e a filha de seis anos ameaçada de sequestro. Ele nunca desistiu de unir a oposição contra a ditadura. Em 1978, ao lado do ex-ministro Severo Gomes, foi um dos ativistas da Frente Nacional de Redemocratização (FNR), movimento que articulou a candidatura do general dissidente Euler Monteiro à Presidência, pelo MDB, contra a chapa oficial do general João Figueiredo.

Em 1984, já no período de agonia e morte do regime militar, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), oposicionista, e a Frente Liberal, dissidência do Partido Democrático Social (PDS), governista, se uniram para apoiar, na eleição presidencial a ser realizada pelo Colégio Eleitoral em janeiro de 1985, chapa com Tancredo Neves, oposicionista moderado, e José Sarney, ex-presidente do PDS (antiga Arena).

A coesão de esforços para vencer um opositor é caminho válido, mas o que a história registra é frustrante. Muita conversa, muita promessa e, na hora da decisão, cada um arruma um bom motivo para não ceder espaço. União requer humildade, desprendimento, altruísmo e respeito pelo interesse coletivo.

Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB), Felipe d'Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB) e outros serão capazes de abrir mão de interesses próprios e partidários para constituir uma consistente e exitosa frente ampla? Ou tudo acabará apenas na comissão de frente de um desafinado samba-enredo derrotado no Carnaval da esperança?

 

*Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros, de "A Vila que Descobriu o Brasil" (Geração), "Justiça Seja Feita" (Sesi) e "Pelos Caminhos da Educação" (Azulsol).



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