Esparramado à preguiçosa, na estreita varanda de sua casa, espremida em uma acanhada rua da área central da cidade, Luís observava o vai e vem das pessoas. Àquela hora do dia, bastante movimentado. Havia saído o pagamento dos servidores. Ainda por cima, aproximava-se a páscoa. Mãos carregadas de presentes. A maioria, chocolates. Assim mesmo, transeuntes paravam para prosearem. Demoravam minutos, três quartos de hora, talvez. Luís ouvia a todos. Não se incomodava, sequer por um instante.
Aposentado, tinha todo o tempo do mundo. Há muito, evitava retirar-se para a sesta. Contudo, sempre tirava um cochilo ali mesmo. Breve. Olhos fechados, mas atento a qualquer ruído. Ninguém o pegava desprevenido. Exceto naquela manhã. Passara a noite em claro. Sentia as vistas cansadas, pálpebras arriadas, sem se mostrar desanimado. Estar disposto era-lhe peculiar. Flavio chegou, cumprimentou-o, e foi logo a indagar-lhe dobre as novidades da política. Assunto que lhe era muito caro, a despeito do olhar desdenhoso da esposa.
Dia desses, relembrou-se, políticos estiveram pela redondeza, com igual ladainha de antes, com seus rosários de promessas. Ele sorriu, e com os olhos, malandramente, seguia os passos deles. Flávio, então, reclamou: “Não sei como aguentas!” “Ah!... Difícil não é aguentá-los, mas sim notar a desatenção do eleitorado” – respondeu de pronto. “O quê?...” “É isso!... O eleitor cai na mesma lábia... Parece filme repetido... E não se toca” – confessava. “Mas...” – tentava argumentar o amigo. Luís o cortou, e trouxera velhos causos, retirados do fundo do baú, onde se guardam o que não se quer facilmente lembrar. Flávio gargalhou. Foi, então, interrompido com uma pergunta inesperada: “Recorda-se em quem votou na eleição passada?” “Hum...” – balbuciou. “Não é o único...” – voltava à carga. “Muitos estão na mesma condição”. E prosseguia: “Votaram, e, logo, se esqueceram em quem votaram”. Absorto, Flávio mantinha-se calado. “Sabias que, desde 2002, o agronegócio elege e reelege políticos para a chefia do Executivo estadual?” “Ah!...” – deixou escapulir. “Quantos votos têm o agronegócio: cinco mil, oito, dez...?” Luís sorria, e, insistentemente, observou: “Com estes números de votos não seria capaz de eleger, sequer, um deputado estadual... Mas o seguimento, estranhamente, conta com a maioria dos parlamentares da Assembleia Legislativa, da Câmara Federal, conta com os senadores e, de lambuja, leva o governador”. “Uai!... Tem a grana que abastece as campanhas” – atreveu-se a dizer Flávio. “Dinheiro não vota... Quem vota é o eleitor”. “Sim, mas...” – titubeou-se. “A maioria do eleitorado é levada a escolher, justamente, quem jamais irá representa-la de verdade...” – continuava, enquanto o amigo permanecia sem entender o que deveria ter entendido.
Em razão disso, mantinha-se preso ao fundo da caverna, tal como a imensa porção de eleitores, a espera das migalhas que, por ventura, conseguissem passar pelas frestas das paredes de pedras, uma vez que as tetas da vaca chamada Estado já estão ocupadas, e seus ocupantes, claro, nada tem a ver com a enorme parcela da população.
Afinal, prosseguia Luís, “o compromisso que vale não é o firmado nos palanques e no horário político-eleitoral, diante dos olhares despercebidos do eleitorado, mas, isto sim, o que foi feito nos bastidores, em volta do balcão de negócios, onde se fatia as benesses do poder, como se estivesse a lotear uma área, longe dos olhos da fiscalização...” “Pois bem” – voltava a falar – “Enquanto isso, a imensa maioria da população não se vê representada em nenhum Parlamento, nem mesmo quando o assunto se refere a direitos humanos, ou ao meio ambiente”. “Projetos alheios à preservação pipocam sobre as mesas das comissões, com a tentativa de fatiar o bioma amazônico, no instante em que se distancia ainda mais os ricos dos pobres, em detrimento do artigo 3º. da Constituição Federal, em meio ao crescimento da fila de ossinhos” – por fim, falou Flávio, com os olhos embaçados, anuviados pela ilusão das correntezas da insensatez. Luís voltou a sorrir, mas, logo, sentiu que um líquido salgado escorria pelo rosto, misturado aos pingos da garoa que acabara de se iniciar. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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