Vive-se em democracia. É o que dizem. E o dizem com a boca cheia e o peito estufado. Mesmo que não se creiam no dito. Tampouco, curiosamente, se atrevem a refletir no que suas palavras significam. Muito menos se pegam a pensar no cenário vivido, e se este, de fato, tem a ver com o que dizem viver. Assim, neste faz-de-conta, “sem motivo” vão “vivendo por aí por” viverem “valores tão confusos reprimidos” – no dizer de uma antiga canção, tão bem escrita por Marcio Greyck e maravilhosamente interpretada por Roberto Carlos.
É claro que a tal música não fala do viver democrático. Nem, ao menos, deveria. Por mais que se queira, e pode haver quem venha querer, ainda que se ache isto um tanto difícil. Mas, em época de Fake News, gerado e alimentado no balanço das redes sociais, nada se pode duvidar de existência. Bem mais levado pelas ondas melodiosas, outras, porém de qualidade duvidosa, bastante aquém da que se fez lembrar aqui.
Contudo, vale dizer, a democracia não germina em terreno fértil de ausência, de falta, sobre o qual tanto fala a dita canção, com um amor que se foi, deixando “as lembranças”, que “chegam sempre em noites tão vazias”, e este “viver já nada mais significa, até” fazendo esquecer. Esquece-se, no caso da vida democrática, certamente por desconhecimento, ou, quem sabe, por querer esquecer o óbvio: o viver democrático se dá pela inclusão, pelo respeito ao diferente e à diferença.
Situação basilar. Imprescindível. Contra a qual, infelizmente, aparece à intolerância. Intolerância que alimenta a divisão do país. Distanciando-o dos trilhos democráticos. E, ao distanciá-lo, afugenta qualquer tentativa de discussão, de debate, enquanto se tem o discurso único, próprio das ditaduras, imposto disfarçadamente pelo rosário de patriótico, familiar e religioso.
Rosário antigo, ressuscitado com um propósito bastante especifica, até como corolário para impedir o eco das vozes contrárias. Vozes que, certamente por insistência, não se deixam morrer. Fazem bem. Sempre é preciso se opor as armadilhas que impedem o nascimento da democracia. Esta se dá pela pluralidade, assim como o é qualquer sociedade humana. Daí a importância que se deixe realçar os posicionamentos divergentes.
Necessários tanto quanto a existência da oposição em qualquer Parlamento. Opor é preciso, porém não é preciso ser do contra. Ser do contra em nada contribui, tampouco trás benefício à população ou a administração. Diferentemente, portanto, da oposição. Opõe-se, sem ser do contra, até para realçar os desacertos cometidos pelo governante “A”, “B” ou “C”. E, ao fazê-lo, a dita oposição contribui para com a administração, pois a obriga a refazer seu caminho, e reaver seus conceitos. Isto é algo imensurável. Importante para um Estado democrático.
O problema é a não existência de um estadista, ou a de um bom governante. Ausências que escondem as críticas. Críticas que são bastante distintas do apontar defeitos. Apontar defeitos é a coisa mais fácil para se fizer, ao passo que uma crítica se destaca pela dificuldade de ser feita. Isto é o óbvio. Mas o óbvio, nem sempre, é reconhecido por todos.
O que afugenta qualquer discussão. Pois esta, ao contrário da briga, do bate-boca, requer cuidados com os fatos, e com a opinião, a qual nada tem a ver com o achismo. Conceitos necessários e importantes de serem conhecidos. Ainda que se tenha uma porção de gente que tente a negá-los, próprios de uma vida regada ao vendaval da arrogância e da prepotência – característica dos fracos, de quem foge do diálogo, preferindo o monologo eivado de caprichos retóricos sem qualquer valor ético, moral e patriótico. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
Ainda não há comentários.