A democracia não se apresenta pronta e acabada. País algum do mundo destoa dessa regra. Nem por um milímetro, tampouco por um único instante. Enganam-se quem pensa ao contrário. Até porque a democracia está longe de caminhar em linha reta, de maneira linear, mas o seu caminhar é cheio de altos e baixos, voltas, avanços e recuos. Isso é óbvio.
Mas, também neste particular, o óbvio passa despercebido pela grande maioria das pessoas. Não deveria. Mas passa. Passa, exatamente, porque nem todas se dão conta das coisas miúdas, e estas, uma vez percebidas e observadas, permitirão que se tenha um olhar sobre os passos do viver democrático.
Olhar que abrange o todo. Todo visualizado e analisado. Seria como se estivesse manuseando um álbum de fotografias das gerações de uma comunidade. Cada página desse álbum revela um tipo de comportamento. Revelado pela vestimenta e pela maneira como se deixou fotografar. Revelação que traz, às claras, desejos, vontades e necessidades. Tripé que se torna, com bastante luta, reivindicações, as quais, também com sacrifícios, tornam-se direitos. Legalmente garantidos, embora não assegurados. E é exatamente isso, (e) leitor (a), que faz da democracia uma eterna construção.
Construção inacabada sempre, afinal, os desejos de ontem não são os mesmos hoje, nem serão os do amanhã. Aliás, o desejado logo cedo, pode ser mudado ao meio-dia, ou ao entardecer, ou, quem sabe, quando a noite chegar. No dia seguinte, o objeto de desejo ser outra coisa, bastante diversa da que se tinha como desejada. Neste sentido, desejos, vontades e necessidades são irmãs siamesas. Sendo assim, não se pode, nem deve imaginar a democracia distante, alheia a essa miudeza, que, na verdade, nada tem de miúda, pois é ela que faz mexer, movimentar e impulsionar o viver democrático.
Por isso, claro, o tal processo jamais pode ser tocado por meia dúzia de pessoas. Mas, isto sim, por todo o conjunto da sociedade. Democracia é uma conquista. Conquista de todos. Vale a pena reforçar a questão da conquista, até mesmo para realçar a verdade em torno dela, pois ela nunca vem em uma badeja como presente. Mas como fruto de lutas, do conquistar.
Ainda que haja, e sempre há quem está em trincheira contrária, em trabalho contínuo contra os direitos garantidos, e diuturnamente com igual tática, o de ignorar, por exemplo, as chamadas minorias, mesmo que estas necessitam de espaço para se manifestar, para expressar suas dores, suas dificuldades e suas necessidades. Eis, então, que entra em ação a arma da intolerância. Intolerância que já era brutal, perversa, tornou-se bem mais, com um crescente assustador. E, ao se estabelecer, com todo seu gigantismo, destroem-se os trilhos do viver democrático, e mata de vez a democracia. A democracia morre. Não se iluda. Não morre de velhice, nem de qualquer outra causa. Morre pelas mãos totalitárias, ditadoras e por gente intolerante.
Aliás, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram um livro, cujo título é exatamente: “Como as democracias morrem”. Leitura obrigatória. Necessária. Imprescindível. Daí a importância de se ter cuidado, zelar e cultivar a democracia, como uma rosa, carece de sol e de água. Precisa ser regada dia a dia. Tarefa de todos. Antes disso, porém, deve se aprender a lidar com o que é democrático, e para tal é necessário que se tenha a clareza de respeitar as diferenças e os diferentes. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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