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Acaso ou providência divina?

  • Artigo por Gonçalo Antunes de Barros Neto
  • 24/09/2020
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            As barreiras que nos afrontam diariamente são como as asas de um intrépido pássaro a nos levar ao encontro do destino. Não que ele, o destino, seja certo e inevitável ou mesmo que devemos a ele esperar. Penso nele como uma plataforma, um plano de vida consciente ou inconsciente, da qual o livre arbítrio poderá lançar-se, como a precipitar-se num abismo, tendo como forças antagônicas a gravidade e o calor, o vento e a vontade, a coragem e o desconhecido.

            Pela verve jornalística de Terésio Bosco conhecemos a saga de um caminhar. Conta-nos que um menino, então com doze anos, estava sempre a sentir o peso da incompreensão e do desamor de seu irmão mais velho, Antonio, de dezenove anos de idade.

            Antonio não aceitava trabalhar na roça e, em seguida às jornadas diárias extenuantes e implacáveis, presenciar o pequeno João na disposição da leitura de um livro.

            Após comerem o pão da ceia noturna, regada a palavras pesadas, grita ferozmente – ainda jogo esse livro no fogo. A caridosa mãe Margarida, fazendo ‘jus’ ao nome de caro e especial significado (pérola), aparteou - ‘João trabalha como os outros, se depois quiser ler, o que você tem que ver com isso?’ - Em fugaz resposta, movido pela audácia dos ignorantes, Antonio responde: tenho sim, senhora! Porque sou eu que toco esta joça pra frente. Dou um duro danado na roça e não tenho nenhuma vontade de sustentar um ‘senhorzinho’, e espancou o pequeno João, ocasionando a atuação severa da ironia, que para alguns seria destino.

            O coração de mãe está sempre a protagonizar as mais variadas formas de clamor, renúncia e desprendimento. Observando a resposta dada por João ao irmão, firme e de ruminadas palavras, e como quem embala a tristeza com o manto da resignação, chamou o pequeno para uma conversa a selar destinos.

            Firme como a descortinar a verdade, após uma noite em pensamentos e orações, iluminada pelo dever de julgar e por cobro aos fatos e evitar o pior, percebeu, naquele fatídico instante, que o mal existe para reverenciar o amor, sendo este muito mais resoluto e absoluto. Disse ao pequeno - ‘Joãozinho é melhor você deixar esta casa, Antonio não pode mais vê-lo e um dia pode machucá-lo de forma muito grave’ -. Guardando na alma o que lhe restava para viver, a súplica.

            O pequenino pôs-se a caminhar e, de caminhada em caminhada, ganhou o mundo. Foi trabalhar com uma generosa família, longe dos seus, aprendendo as lições necessárias na consolidação de um Santo. João se tornou Dom Bosco, padroeiro de muitos, inclusive da capital do Brasil. Reverenciado por outro Santo, João Paulo II, que o proclama, em 1989, ‘pai e mestre da juventude’.

             Por conhecer onde estava o mal, o Nazareno já adiantava aos apóstolos que, dali, de seus mais próximos seguidores, sairia à desonra que o levaria a cumprir sua missão. O mal também é significante. Contudo, Se o mal existe e cumpre seus desígnios, é no amor que se encontra seu infortúnio, sua derrocada e extinção.

             Aquela mãe julgou com sabedoria, sabia que perder seu caçula poderia estar próxima, apesar de sua vigilância, pois, a força do amor, encarnado no pequeno João, era mais forte a ganhar as batalhas futuras que a vida sempre reserva no mundão da incompreensão. Qual seria o destino de Antonio, solto, sozinho, senão o castigo da solidão e miséria? As ovelhas desgarradas devem ser motivo de compaixão e não de ódio. Recuperá-las é dever de todo cristão.

           A humanidade, em seu estágio atual, não assina as atas ignóbeis, as maledicências de corpo sem alma. Os que assim procedem não terão destino piedoso, serão renegados a ficarem sob a vista da mãe de Antonio, também a de João.

           É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto é graduado em Filosofia e Direito pela UFMT, autor da página Bedelho. Filosófico do Face, Insta e You Tube, e escreve aos domingos em A Gazeta (e-mail: antunesdebarros@hotmail.com).



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