Depois de 75 dias de sofrimento e muita luta, chegamos ao fim da greve dos profissionais da educação pública estadual. Movimento provocado pela inabilidade do governador Mauro Mendes em cumprir a Lei 510/2013 (Lei da dobra do poder de compra), sob o argumento de preservação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no que tange gastos com folha de pessoal.
É curioso constatar que o zelo do governador com o cumprimento da LRF não seja o mesmo em relação às políticas educacionais previstas nas constituições Federal (CF) e Estadual (CE), no Plano Nacional de Educação (PNE), no Plano Estadual de Educação (PEE) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD). Todos descrevem às fontes legais de recursos para aplicação mínima obrigatória de receitas na manutenção e desenvolvimento do ensino público.
A CE prevê no artigo 245 que o Estado aplicará anualmente o percentual estabelecido pela CF (Art. 212 - receita resultante de impostos, inclusive a proveniente de transferências) na manutenção e desenvolvimento da educação, devendo alcançar 35% nos termos do inciso III:
“... O Estado acrescentará anualmente um mínimo de 0,5% nos exercícios financeiros de 2016 até 2035”. O percentual deverá ser de 27% em 2019 e progredir anualmente até atingir os 35%...” “... Nos casos de anistia fiscal ou incentivos de qualquer natureza, fica o Poder Público proibido de incluir os 35% destinados à educação...”. Significa dizer que “a redução das receitas ocasionadas por anistia ou incentivos não pode incidir sobre o montante das receitas da educação e deve ser computada no cálculo dos percentuais de vinculação obrigatória”.
Em junho (4) deste ano, solicitei ao Secretário de Fazenda, Rogério Gallo (Requerimento 399/2019), informações sobre os valores contabilizados ou apurados a título de anistia fiscal e incentivos de 2015 a 2018. Cobrei, também, a estimativa para ambos em 2019. Dados que permitiriam verificar o cumprimento das regras estabelecidas pela legislação. Até o momento, não houve qualquer resposta do governo.
Porém, um estudo da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Fenafisco) mostra que em Mato Grosso tais incentivos cresceram quatro vezes mais que a arrecadação com o ICMS entre 2012 a 2018. A arrecadação saltou de R$ 9,4 bilhões para R$ 12,1 bilhões (28%). Já os incentivos saíram de R$ 1,4 bilhão para R$ 3,5 bilhões. Números maiores que os previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2018 para a saúde (R$ 1,8 bi), educação (R$ 3,3 bi) e segurança pública (R$ 3 bi). Portanto, os argumentos do excelentíssimo governador não se sustentam.
O inciso IV do artigo 68, da Lei 9.394/96, reitera que “serão recursos destinados à educação aqueles originários de receita de incentivos fiscais.”
Em relação ao ensino superior, a CE diz em seu artigo 246 que “o Governo aplicará anualmente percentuais da Receita Corrente Líquida do Estado de Mato Grosso na manutenção e desenvolvimento da Unemat” diferentes daqueles reservados aos ensinos fundamental e médio. Previsão corroborada pela LC 49/1998: “A Unemat reger-se-á pela legislação especifica e terá estatuto jurídico próprio para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização, financiamento, plano de carreira e regime jurídico de seu pessoal (Art. 96).”
O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE), na página do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, revela que de 2015 a 2017 os investimentos com ensino superior foram contabilizados como “Ações típicas de MDE – Manutenção e Desenvolvimento do Ensino”, sem resguardar a distinção exigida pela CE. Os percentuais aplicados foram de 26,08% em 2015, 24,86% em 2016 (abaixo do mínimo constitucional) e de 28,97% em 2017. Não há informações referentes a 2018.
Já o Portal da Transparência do Governo, mostra que foram investidos 25,85% das receitas resultantes de impostos em MDE, incluindo o Ensino Superior e outras despesas não especificadas. O percentual deveria ser de 26,5% para a educação básica, em 2018. Esta diferença aparentemente insignificante representa R$ 76,6 milhões.
Somando-se os valores da diferença não aplicada em 2018 com o montante destinado à UNEMAT, chegaremos a R$ 459,2 milhões que deveriam ter sido aplicados estritamente na educação básica. Tal montante viabilizaria toda a pauta de reinvindicações dos profissionais da educação para 2019, incluindo a Lei 510/2013.
O movimento grevista reclama direitos legítimos e chama a atenção pública para os indícios de desvio de finalidade e descumprimento das normas vigentes no interesse do direito público à educação. Estou certo de que o governador não escapará do alcance das afirmações a ale atribuídas ao comentar a indicação da aprovação das contas de seu antecessor: “crise não é desculpa para negligência”.
Como em qualquer governo, é hora de fazer a reparação dos desvios e percorrer outro caminho. A persistência neste tipo de erro tem efeitos perversos sobre gerações.
Valdir Barranco é deputado estadual e presidente do Partido dos Trabalhadores em Mato Grosso.
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