“Mentiram-me. Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente. Mentem de corpo e alma, completamente. E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente. Mentem, sobretudo, impune/mente.” Quando ouvi Affonso Romano de Sant'Anna dizer isto logo me dei conta da política do meu país. Aqui, infelizmente “mentem tão nacional/mente que acham que mentindo história afora vão enganar a morte eterna/mente.”
Mentiram quando disseram, em 1988, que o país era democrático e que o voto a partir de então seria livre. Mentira: ainda hoje os coronéis obrigam o povo ao cabresto quando chega a hora da urna.
Mentiram quando disseram que a partir da Constituição os direitos seriam iguais. Mentira: ainda hoje vemos crianças fora da escola; homens e mulheres passando fome; famílias inteiras sem ter onde morar; mendicância nas filas do atendimento público de saúde; 15 milhões de brasileiros desempregados e outros tantos no subemprego.
Mentiram quando falaram da liberdade de expressão. Mentira: ainda hoje jornalistas são perseguidos. Gays, lésbicas e simpatizantes hostilizados nas ruas por que amam diferente daqueles que acham normal apenas uma forma de amor.
Mentiram quando disseram que educação era obrigação do Estado e direito de todo cidadão. Mentira: ainda hoje adultos morrem analfabetos sem sequer poderem assinar seus nomes. Crianças chegam ao ensino médio sem conhecer direito as básicas operações matemáticas. Professores nos rincões de pobreza do país são analfabetos funcionais.
Mentiram quando disseram que o Brasil é a pátria de todos. Mentira: ainda hoje Amarildos, Silvas e Marias vivem num país desigual onde a pobreza é vista por PMs despreparados como sinônimo de bandidagem. E por isso, estes desfavorecidos das favelas cariocas são presos, apanham e choram tentando provar inocência sob a acusação de tráfico.
Mentiram quando inventaram que brasileiro gosta de pão e circo. Mentira: não gostamos, aceitamos pra não morrer de tanto chorar vivendo num país tão desigual.
“Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura. Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura”, já dizia o poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
Robson Fraga é jornalista.
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