Sonia Fiori – Da Editoria
Não existe dinheiro público, e sim dinheiro dos contribuintes. A célebre interpretação acerca do “dinheiro dos contribuintes”, cravada pela estadista Margaret Thatcher, costuma ser frisada nas análises do complexo universo tributário pelo advogado e consultor Victor Humberto Maizman.
Recentemente, Maizman pontuou questionamento em artigo de sua autoria aos candidatos ao Governo sobre qual a dinâmica a ser adotada no comando do Poder Executivo para se sobrepor às agruras do aperto de cinto num caixa público engessado, de parcos investimentos e que atravessa profunda crise em setores como a Saúde, por exemplo.
Nesta entrevista ao FocoCidade, Maizman assevera uma forma prática como resolver o grande dilema da gestão pública de Mato Grosso. Assinala a necessidade de revisão sobre a inchada máquina pública, passando por cortes e o alinhamento a uma plena fiscalização, devendo ser acompanhada de órgãos competentes como o Ministério Público.
Maizman defende o cumprimento da Constituição Federal na aplicação dos moldes que prevêem benefícios à população relativos a cobrança de tributos sobre serviços quando considerados essenciais. Verificada a resistência, negativa do Poder Público em fazer valer a Constituição, a via da Justiça tem sido o meio para tentar assegurar “justiça social”.
Na leitura sobre a polêmica política de incentivos fiscais, o consultor destaca a importância dos benefícios para garantir o desenvolvimento socioeconômico de Mato Grosso, bem como a tese da industrialização como suporte e incremento na matriz da arrecadação.
Maizman comenta ainda o dilema da Reforma Tributária, aspectos positivos e negativos e alerta para os parcos resultados sobre a atual conjuntura. “O inconformismo da sociedade é o fato de que se arrecada milhões e milhões de reais, porém nos deparamos com o aumento da violência, da falta de recursos para o setor de saúde e principalmente com os escândalos de desvio de dinheiro do cidadão pagador de tributos.”
Confira a entrevista na íntegra:
O senhor costuma pontuar e cobrar o cumprimento à risca da Constituição Federal em diversos pontos relacionados ao contribuinte. Já exemplificou e citou também inúmeras vezes um importante aspecto, referente à aplicação da carga tributária que “teoricamente” deveria ser menor quando considerada em serviços essenciais, fundamentais à população. Na prática, ocorre o contrário, por quê?
A Constituição Federal impõe no caso do ICMS que quanto mais essencial o produto ou serviço prestado ao consumidor, menor deve ser a alíquota exigida. No caso de Mato Grosso como a principal atividade econômica é resultante do agronegócio e, por consequência, tais produtos são destinados à exportação, a Lei Kandir que trata das normas gerais do ICMS, dispõe que tal operação é isenta do imposto. Nesse contexto, considerando que as despesas públicas são enormes, o Governo deixa de cumprir a Constituição Federal, uma vez que as maiores alíquotas de ICMS aplicadas são incidentes sobre o consumo de energia elétrica, comunicação e combustíveis. No caso tenho defendido através de embasamento técnico econômico e jurídico que a industrialização é a forma mais viável para o desenvolvimento da economia regional.
Nesses termos, o conceito de “dinheiro público” não existiria, e sim “dinheiro do contribuinte” como o senhor também faz questão de frisar. Quais os prejuízos ao cidadão sobre a incorreta interpretação acerca do conceito da proveniência dos recursos?
Os recursos públicos são provenientes da arrecadação tributária, que por sua vez, decorre de parte do patrimônio que o cidadão é obrigado a repassar ao Poder Público através dos tributos. Nesse contexto, a primeira grande questão que o cidadão deve ter é de que é ele quem mantém o Estado, é ele quem financia toda a estrutura estatal, de modo que é ele que tem todo o direito de exigir que o seu dinheiro seja bem aplicado a favor da sociedade. Por sua vez, cabe ao Poder Público demonstrar de forma clara à sociedade a sua arrecadação e a aplicação dos seus recursos, ou seja, o Estado deve sempre prestar conta ao cidadão pagador de impostos.
Primeiro que chamar de proposta de reforma tributária é equivocada, uma vez que está se tratando apenas de ICMS.
Sofremos em Mato Grosso uma das mais altas cargas tributárias, leia-se o ICMS sobre a energia elétrica. Isso move ações na Justiça, sobre a incidência a mais de impostos numa contabilidade a cargo da concessionária que é de difícil compreensão para a grande maioria que paga a conta, ou seja, a população de forma geral. Considerando que o ICMS é a maior fatia da arrecadação própria do Estado e sua prevista resistência para mudar as regras, somente a via da Justiça pode assegurar níveis aceitáveis sobre o valor a ser pago, ou o senhor sugere ao próximo governador uma revisão no sistema?
As alíquotas de ICMS estão previstas em lei estadual. Portanto, cabe não apenas ao Chefe do Executivo propor a alteração da aludida lei, como também a própria Assembleia Legislativa através dos respectivos deputados, ou seja, cabe ao eleitor provocar não apenas o candidato ao Governo, como também aqueles que queiram integrar o Parlamento Estadual levar tal discussão à frente. Tenho defendido que cabe ao cidadão exigir o debate da matéria e alteração da legislação, a fim de que seja aplicada a menor alíquota possível de ICMS incidentes sobre o consumo de energia elétrica, telefonia e combustíveis.
Seguindo a linha da alta carga tributária, a tão propalada Reforma Tributária de Mato Grosso simplesmente estacionou. Como é de se esperar, ocorre o receio de vários segmentos como o comércio sobre o aumento de impostos. Na sua análise, quais os aspectos positivos e negativos dessa proposta?
Primeiro que chamar de proposta de reforma tributária é equivocada, uma vez que está se tratando apenas de ICMS. Contudo, realmente houve avanços na proposta apresentada, principalmente quanto a redução dos percentuais de multas previstas e maior transparência com relação à aplicação da própria legislação. No tocante o receio de majoração da carga tributária de alguns segmentos, é importante destacar que realmente com a alteração do critério de apuração do imposto, ocorrerá a majoração tributária para algumas atividades.
Diria que a maior falha do Poder Público nesse cenário é a não resposta em termos de serviços públicos numa máquina inchada e de resultados duvidosos?
Sim, o inconformismo da sociedade é o fato de que se arrecada milhões e milhões de reais, porém nos deparamos com o aumento da violência, da falta de recursos para o setor de saúde e principalmente com os escândalos de desvio de dinheiro do cidadão pagador de tributos. Isso desmotiva o pagamento. Ninguém tem o prazer de pagar tributo sabendo que não será aplicado de forma satisfatória.
Ninguém tem o prazer de pagar tributo sabendo que não será aplicado de forma satisfatória.
No tocante à burocracia do sistema tributário no Estado, quais as conseqüências ao Poder Público e ao cidadão?
Está tramitando também na Assembleia Legislativa uma proposta de alteração da lei que trata dos processos administrativos tributários. Essa lei permite que o cidadão pagador de tributos possa questionar de forma bastante simples a exigência dos tributos estaduais, incluindo todas as taxas e impostos exigidos pelo Estado. Por isso é necessário que a proposta inclusive apresentada pelas entidades representativas dos segmentos empresariais e da sociedade, à exemplo da Ordem dos Advogados do Brasil, possa avançar.
A política de incentivos fiscais é outro tema que por vezes gera acaloradas discussões. De um lado se defende, como o senhor que coloca os termos constitucionais e diferenciação à aplicação para estados como Mato Grosso, em desenvolvimento. De outro, os críticos apontam perdas aos cofres, e o Governo estimou renúncia no atual exercício de R$ 3,5 bilhões. Na prática, há de se separar o joio do trigo?
Recente estudo realizado pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento e também pela Federação das Indústrias, através de critérios técnicos abordados, chegou-se a conclusão que para cada R$ 1,00 de incentivo fiscal concedido o Estado tem um retorno de R$ 1,50 revertido no aumento do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH nas regiões menos favorecidas, ou seja, não há outra forma do Estado crescer senão através da industrialização, que por sua vez, apenas é implementada se houver políticas claras e impessoais de programas de incentivos fiscais. É importante ressaltar que o Estado tem o poder/dever de implementar programas para diminuir as desigualdades sociais e fomentar o desenvolvimento das regiões menos favorecidas, tudo conforme previsto tanto na Constituição Federal, como também na Constituição Estadual.
A meu ver deve ser aplicada uma regra mais severa para que seja cumprida a obrigação, inclusive com a hipótese de improbidade administrativa do Presidente da República.
No artigo de sua autoria, “Eleições e a carga tributária”, o senhor trata do cenário geral passando pelo alerta de que não será o setor do agro o responsável pelo aumento da arrecadação – considerando aí a desoneração de pagamento de ICMS sobre produtos exportados. No Congresso ocorre o debate sobre a regulamentação da compensação pelas perdas geradas na Lei Kandir. Credita nessa proposta a forma mais célere para garantir certo alívio aos cofres dos estados e municípios?
A Lei Kandir dispõe que o ICMS é isento nas operações com produtos destinados à exportação e, em contrapartida, ficou definido de que a União deve compensar os Estados por força dessa desoneração. Contudo, é recorrente de que a União deixa de efetivar tal repasse, hipótese que acaba comprometendo as finanças estaduais e também municipais, uma vez que parte da arrecadação do ICMS é destinada aos municípios. A meu ver deve ser aplicada uma regra mais severa para que seja cumprida a obrigação, inclusive com a hipótese de improbidade administrativa do Presidente da República, inclusive com a possibilidade de abertura de processo de impeachment, pelo não cumprimento de tal dever.
E o senhor deixa no referido artigo a indagação aos candidatos ao Governo sobre “como resolver essa equação de diminuir a carga tributária nos moldes previstos na Constituição Federal, sem contudo, comprometer as despesas do próprio Estado”. Qual seria a sugestão, considerando sua expertise na área?
Um passo importante para isso foi a edição da Emenda Constitucional que impôs um teto de gastos do Poder Executivo, o qual deveria ser seguido pelos demais Poderes, ou seja, para diminuir a carga tributária precisa diminuir as despesas públicas através de uma fiscalização mais eficiente envolvendo Ministério Público, Tribunal de Contas e principalmente a imprensa, a qual tem um papel fundamental para divulgar os atos do Poder Público e propiciar que o cidadão pagador de tributos possa exigir que os recursos sejam geridos de forma mais transparente.

Ainda não há comentários.
Veja mais:
Interior: PM desmantela quadrilha com pasta base de cocaína
Operação da PM prende integrantes de facção por tentativa de crime
Justiça paga R$ 2,3 bi em atrasados do INSS; veja quem tem direito
Cada ano, um desafio
Quais os valores que regem a sua vida?
Nota MT: calendário de sorteios 2026 destaca R$ 10,8 mi em prêmios
Corpo de Bombeiros de MT alerta sobre choques elétricos
TJ manda loja indenizar consumidor por telhas com trincas
Operação da PM apreende madeira ilegal no interior de MT
Balança comercial brasileira registra superávit de US$ 2,1 bilhões