Dr. Rommel Andriotti
Em um divórcio ou separação litigiosa, o momento da partilha de bens pode gerar intensos conflitos e, não raro, fraudes que prejudicam gravemente uma das partes. É comum que um dos cônjuges adote estratégias para ocultar ou desviar ativos, minimizando o valor real do patrimônio a ser dividido. Nesse contexto, a investigação patrimonial surge como um instrumento essencial para evitar perdas financeiras significativas e proteger não apenas os envolvidos, mas também os filhos, que podem ser indiretamente afetados pela instabilidade econômica resultante.
A verdade é que, em divórcios marcados por disputas acirradas, a investigação patrimonial é indispensável. Esses processos frequentemente envolvem tentativas de ocultação de bens, isto é, quando um cônjuge busca esconder do outro partes do patrimônio acumulado em conjunto. No Brasil, é frequente que apenas um dos parceiros gerencie a maior parte dos bens familiares. Ao chegar o divórcio, esse administrador pode restringir o acesso a contas bancárias, omitir saldos reais ou negar transparência sobre o patrimônio integral do casal.
Sem uma investigação patrimonial, o divórcio litigioso torna-se desigual e injusto. A investigação ilumina o patrimônio do casal, permitindo que ambas as partes conheçam a totalidade dos ativos partilháveis e as respectivas rendas tanto para o fim de partilhar os bens, a depender do regime patrimonial aplicável, bem como para fins de fixação de pensão alimentícia, quando for o caso. Na ausência dessa providência, a dissolução do casamento ocorre às cegas, deixando a parte que tem menos informação que a outra em posição vulnerável tanto nas negociações quanto no âmbito processual.
As fraudes em divórcios podem envolver táticas sofisticadas para dissimular bens conquistados em esforço mútuo. Servem como exemplos doações simuladas; vendas fictícias; empréstimos inexistentes; transferências de imóveis, veículos ou empresas para terceiros; criação de empresas de fachada para ocultar participação real e dificultar a rastreabilidade; abertura de contas bancárias em nome de laranjas; armazenamento de dinheiro em espécie; envios para paraísos fiscais ou investimentos não declarados em ações e fundos.
Quando empresas estão envolvidas, o cônjuge fraudador pode desviar lucros, omitir faturamento ou adiar receitas para declará-las após o divórcio. Outras artimanhas incluem a ocultação de bens móveis, como joias e objetos de valor, que podem ser facilmente escondidos ou desviados. Há ainda a subavaliação intencional de bens, assim como a invenção de dívidas fraudulentas para reduzir o montante partilhável.
No caso de dívidas alegadas por um cônjuge contra o outro, é crucial exigir comprovação de que elas de fato existam. Um cônjuge pode afirmar que o patrimônio é menor devido a obrigações pendentes, que seriam abatidas na divisão. Nesse cenário, o advogado do interessado deve requerer a intimação dos supostos credores para que confirmem a origem e a documentação da dívida. No caso das subavaliações, uma perícia judicial pode ser solicitada, com a contratação de um avaliador independente para determinar o valor real do bem.
Da mesma forma, o advogado pode demandar a apresentação de documentos idôneos pelo cônjuge que alega existirem débitos para diminuir o patrimônio a ser partilhado, como comprovantes de serviços prestados.
De outra ponta, em situações de desvio de rendimentos de ativos geradores de renda, é recomendável pleitear a quebra de sigilo bancário, abrangendo tanto contas pessoais quanto CNPJs relacionados. Isso permite rastrear o fluxo de dinheiro e verificar o destino dos recursos.
Para bens móveis e joias, a abordagem varia conforme seja o tipo de bem. Joias, por exemplo, podem "desaparecer" com facilidade. Uma medida inicial interessante nesses casos é requerer o sequestro desses bens, viabilizando que um oficial de justiça localize e apreenda objetos valiosos específicos. Outra estratégia é, logo após a separação, ingressar com uma medida cautelar de arrolamento de bens, na qual o oficial visita o domicílio e lista e registra itens como joias, obras de arte, relógios e esculturas que guarnecem a residência. Esse documento oficial, com fé pública, facilita contestações futuras em caso de eventual sumiço de bens que seja perpetrado por quem ficou no domicílio do casal enquanto o outro teve que sair.
Outro estratagema clássico é o desvio de rendimentos e receitas produzidas por ativos geradores de renda, especialmente quando apenas um do casal esteja controlando esses ativos, facilitando que desvios desse tipo sejam perpetrados. Nesse tipo de situação é importante requerer no processo a quebra de sigilo bancário, tanto da pessoa envolvida como, se possível e a depender do caso, de eventuais pessoas jurídicas vinculadas ao casal.
Aliás, são comuns casos em que apenas um dos cônjuges detém a administração integral de todos os bens do casal, assim como é normal situações nas quais cada cônjuge tem administração de seus próprios bens e rendas, mas não tem total visão sobre o patrimônio e rendas do outro.
Em situações tais, muitas vezes ocorre de o cônjuge administrador não querer abrir as informações completas sobre o patrimônio comum com o outro. Esse cônjuge se recusa a entregar o extrato das contas e outros dados sobre os bens partilháveis que estão sob sua administração e, com isso, tenta forçar o outro a um acordo baseado só nas informações unilaterais transmitidas por esse administrador. Isso gera uma situação de alta vulnerabilidade, pois o cônjuge que não está na administração daqueles bens não tem informação das finanças e do patrimônio do casal e, portanto, um acordo celebrado dessa forma estaria viciado pela assimetria de informações entre os envolvidos.
Naturalmente, não é possível aceitar um acordo a cegas desse tipo.
Exatamente por isso, quando atuamos em casos assim, sempre providenciamos, além de uma atuação processual enérgica, uma investigação patrimonial dedicada. Com essa medida é possível mapear toda a evolução pecuniária que fica documentada de diversas formas como, por exemplo, as transações imobiliárias que dependem de escrituras de compra e venda e ficam arquivadas em cartórios. Outras providências que podem fazer parte da investigação patrimonial incluem identificar as matrículas e comprovar documentalmente a evolução do patrimônio imobiliário; promover a quebra de sigilo fiscal para obter as declarações de imposto de renda; pedir no processo a quebra de sigilo bancário para descobrir o caminho do dinheiro, entre outras medidas. As informações obtidas dessa forma não raro auxiliam a dar subsídio para pedidos poderosos no processo, como uma medida liminar de bloqueio de bens.
Um case interessante para relatar e que ilustra esse tema foi um no qual havia um casal era abastado que estava se divorciando e que envolvia um cônjuge fazendeiro muito bem-sucedido e o outro cônjuge que era do lar e alheio à administração do patrimônio. O cônjuge administrador ofereceu uma fração muito ínfima do patrimônio ao outro na separação. Após profunda investigação patrimonial em favor do cônjuge alienado foram descobertas as fazendas não declaradas, apartamentos, veículos e algumas empresas, que por sua vez tinham diversos outros bens integralizados nelas.
Foi possível até mesmo encontrar rebanhos bovinos, cavalos de raça, e outros ativos de valor do tipo semovente. Para ser ter uma ideia da amplitude do patrimônio escondido, até aeronaves foram descobertas na investigação patrimonial. Muitas coisas encontradas na investigação a esposa nem imaginava da existência. Consequentemente, a investigação patrimonial acabou sendo essencial para o desfecho do caso e para que o cônjuge que estava fora da administração daqueles bens tivesse acesso a uma partilha mais justa.
A investigação patrimonial atua, portanto, como um farol em meio à névoa de incertezas e enganos que costuma pairar sobre os divórcios litigiosos. A investigação transforma a suspeita em prova e a desigualdade em equilíbrio. Ela entrega ao advogado não apenas argumentos, mas a própria matéria-prima da justiça: a verdade dos fatos. Ao juiz, oferece um mapa claro e seguro para navegar pelo complexo território da partilha, viabilizando o desmantelamento das fraudes eventualmente perpetradas. Um trabalho dessa magnitude, que combina a perspicácia investigativa à solidez jurídica, exige profissionais que dominem esse cenário. A contratação de uma equipe especializada nesse tipo de caso não é apenas uma recomendação, mas, sim, o passo decisivo para assegurar a efetividade da Justiça, a utilidade do processo e a prevalência da verdade.
*Dr. Rommel Andriotti é advogado e sócio fundador do escritório Rommel Andriotti Advogados Associados. Atua como professor de Direito Civil e Processo Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie e também na Escola Paulista de Direito (EPD). É mestre em Direito (concentração em processo civil) pela PUC/SP (2020). É também mestre em Direito (concentração em Direito Civil) pela FADISP (2020). Possui pós-graduação lato sensu em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito e é bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU, 2015).
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