Paulo Lemos
Este artigo analisa as razões que levam gestores públicos a burlarem concursos públicos, desrespeitando o princípio constitucional da investidura mediante aprovação prévia em certame público. São examinadas as motivações políticas, econômicas e administrativas dessa prática, bem como suas conseqüências jurídicas e sociais, à luz da jurisprudência do STF e do STJ e da doutrina administrativa.
O concurso público, previsto no art. 37, II da Constituição Federal, é a regra para ingresso no serviço público, garantindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, é comum que gestores utilizem subterfúgios para evitar a nomeação de candidatos aprovados, optando por contratações temporárias ou comissionadas sem justificativa legítima.
Nepotismo e Apadrinhamento Político
Gestores utilizam cargos públicos para favorecer aliados, parentes ou cabos eleitorais, gerando redes de clientelismo e comprometendo a impessoalidade administrativa.
Controle Político sobre Servidores
Ao contratar temporários, o gestor exerce maior controle sobre o servidor, que, sem estabilidade, fica vulnerável a pressões e demissões arbitrárias.
Falsas Alegas de Emergência
Sob a justificativa de "necessidade temporária de excepcional interesse público" (art. 37, IX, CF), contrata-se sem base legal, mesmo existindo concursos válidos.
Economia a Curto Prazo
Contratações temporárias são, em tese, mais baratas, mas comprometem a continuidade e qualidade do serviço público.
Impunidade e Falta de Fiscalização
A ausência de sanções efetivas por órgãos de controle permite a repetição do desvio de finalidade administrativa.
Consequências jurídicas da preterição
Direito Subjetivo à Nomeação
O STF, no RE 766.304/RS (Tema 1010), consolidou o entendimento de que há direito subjetivo à nomeação quando o candidato aprovado é preterido por contratações precárias.
Responsabilidade Administrativa e Civil do Gestor
A burla ao concurso pode ensejar a responsabilização por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992) e ressarcimento ao erário.
Nulidade das Contratações
Contratações realizadas com desvio de finalidade podem ser declaradas nulas, sem geração de efeitos para os contratados, conforme o art. 37, §2º, da CF.
Doutrina e jurisprudência
Maria Sylvia Zanella Di Pietro adverte que a contratação temporária deve ser exceção e não regra, sob pena de fraude ao princípio do concurso.
STJ, AgRg no RMS 26.916/SP: reconhece o direito de candidato preterido por contratação temporária.
TJMT, Apelação Cível n. 1016736-23.2021.8.11.0041 (2024): "A preterição de candidato aprovado em concurso em razão da contratação precária é ilegítima e enseja direito à nomeação".
A burla ao concurso é manifestação de patrimonialismo e violação dos princípios republicanos. Enfrentar essa prática exige atuação firme dos órgãos de controle, participação social e fortalecimento da cultura republicana na administração pública.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
STF. RE 766.304/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/06/2022.
STJ. AgRg no RMS 26.916/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJe 10/11/2008.
TJMT. Apelação Cível n. 1016736-23.2021.8.11.0041, Rel. Des. Antônio Horácio da Silva Neto, j. 15/02/2024
Paulo Lemos é advogado especialista em Direito Público-administrativo e Eleitoral, Criminalista também, em Cuiabá e Mato Grosso.
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