Rafaela Maximiano
A educação infantil e seu impacto nos primeiros anos de vida das crianças foi o tema da Entrevista da Semana com a educadora Márcia Cambahuba Zarzenon. Ao FocoCidade a educadora afirma: “para ser pai e mãe também é preciso estudar, aprender. Não é só deixar a criança na escola, a educação infantil e o desenvolvimento dessa criança passa por um apoio emocional, educacional, de organizar rotinas, de participar, de conversar, de liderar e principalmente de amá-la”.
Segundo Márcia, a educação infantil é fundamental nos primeiros anos de vida pois é quando o desenvolvimento é mais evidente. Ela ressalta a necessidade de estímulos adequados para evitar atrasos, enfatizando a formação do motor muscular e a importância do ambiente escolar no desenvolvimento da criança.
A resistência de algumas famílias em participar ativamente do processo educacional, deixando a responsabilidade quase exclusivamente para a escola é pontuado pela educadora que lembra também a importância da parceria entre escola e família, sendo crucial para o sucesso da formação das crianças.
A entrevista ainda aborda a integração eficaz da música na educação, utilizando o método fonético para facilitar a assimilação dos sons, a organicidade desse método, permitindo ensinar crianças a ler com dois ou três anos de idade; a importância das férias para a criança; a necessidade de manter uma rotina para evitar desregulações; bem como uma rotina também para as férias, mesmo que simples, para garantir o equilíbrio na volta às aulas.
Alerta ainda sobre os riscos do uso excessivo de tecnologia nos primeiros anos de vida, ressaltando a influência negativa nas rotinas de sono e no desenvolvimento cerebral da criança e a importância da interação humana para o aprendizado adequado, entre outros assuntos.
Confira a entrevista na íntegra e boa leitura!
Como você vê o papel da educação infantil na formação das crianças, especialmente nos primeiros anos de vida?
Nos primeiros anos de vida, a criança tem muitas questões da fase de desenvolvimento. Dos seis meses até oito anos é considerada a idade para se trabalhar a educação infantil. Esse desenvolvimento é muito nítido no início da fase da criança, ela tem picos de desenvolvimentos. E muitas vezes, se a criança não tem o estímulo necessário para formar, ela começa a ter atrasos, e quais são os atrasos? Um exemplo: uma criança que passa por um desfralde precoce, ou seja, deixa de usar a fralda muito cedo, tem o processo cognitivo, então dá para a gente ver o atraso ou o avanço. A criança precisa de ter fortalecimento do motor muscular.
Além disso, o que a escola favorece? O papel da educação infantil na formação da criança precisa ser muito lúdico, ou seja, aprender através dos jogos, brincadeiras e principalmente de muita música usando a voz, instrumento de percussão, entre outros. E, é na escola que é feita toda a parte de desenvolvimento motor onde ela aprende a manusear as coisas com mais delicadeza para até chegar lá na frente e aprender a pegar um lápis. É como um trabalho de pinça, porque nessa fase inicial, a criança ainda tem uns movimentos muito grossos. Não tem toda essa harmonia. Então, com isso, as atividades necessárias certinhas para o desenvolvimento da criança fazem eles terem um avanço e nesse período dá para poder detectar algumas coisas, se é somente um atraso de falta de estímulos ou muitas vezes a criança tem um autismo, por exemplo que quanto mais cedo detectar, melhor para ajudar a família e principalmente a criança.
Também é importante frisar que cada vez mais os pais deixam as crianças mais cedo na escola devido ao trabalho e também, mesmo em casa, nem sempre o pai está preparado para fazer essa educação inicial. É importante, para o desenvolvimento da criança, que tudo aconteça no momento certo. Outras vezes os pais não têm a paciência necessária para desenvolver aquela criança, ou seja, para ser pai e mãe, para ter um filho, a gente precisa estudar, entender o temperamento dele. Existem quatro tipos de temperamentos.
Tem crianças que são mais observadoras, tem crianças que são mais ativas, tem crianças que são mais quietinhas, o que não quer dizer que tem algum problema. É o temperamento daquela criança. E o pai e a mãe precisam entender isso. A criança, ela é muito instintiva. Então, o pai e a mãe precisam dar o suporte emocional para a criança também. Muitas vezes a criança está toda descontrolada, nervosa e pai e a mãe ficam nervosos juntos. Na realidade, o ponto de segurança que a criança tem é o adulto porque ela ainda não sabe conter suas emoções.
O adulto que tem que ajudar a criança a ter paciência, a saber esperar, a ter calma. Quando alguns pais não conseguem é muito mais fácil deixar a criança na escola porque não querem enfrentar esse desafio por falta de conhecimento. Então é muito importante a escola também dar suporte para as famílias durante a formação dessas crianças.
Quais são os principais desafios enfrentados na educação infantil atualmente?
Principalmente as famílias que não estão muito abertas para serem ajudadas e acabam simplesmente deixando as crianças na escola. Aí o educador tem que fazer todo o trabalho da educação infantil, a gente precisa dar banho, educar, mostrar a questão da paciência, como uma família faria, além da parte do desenvolvimento pedagógico. A criança aprende a ler, aprende a contar, aprende sobre a natureza, sobre a sociedade. A gente dá todo esse suporte. Mas, para isso, a gente também precisa muito da ajuda da família.
Muitas vezes a criança fica na escola em período integral, mas apesar do esforço do educador existem alguns cuidados e suportes no processo educacional que precisam ser dados pela família por exemplo, uma palavra que não é adequada para a idade da criança ou quando ela começa a fazer coisas que não são adequadas para a idade. O educador consegue ajudar, porém, nesses casos as pessoas mais importantes para ajudar a criança são pai e mãe, ou então a criança pode passar o dia inteiro com a avó, mas eles não substituem os pais.
Então, o que nós educadores fazemos? Nós explicamos para as famílias e pontuamos que eles precisam estabelecer um tempo de qualidade com seus filhos, mesmo que seja pequeno. Também sugerimos criar uma rotina em casa. A gente sabe que é muito difícil, principalmente com pais que trabalham fora ou pais separados. Vejo que esses são os principais desafios na educação infantil.
Existem pais que mesmo trabalhando fora ou separados dão um suporte maravilhoso. O mesmo desafio enfrentamos com mãe ou pais ‘solos’. Muitas vezes entre as brigas de casais uma criança acaba querendo chamar a atenção do pai ou da mãe e eles não conseguem perceber. Nós educadores acabamos por dar esse suporte também, ou seja, já não é mais só a questão pedagógica a gente procura dar todo esse suporte para a família também. Hoje as escolas não trabalham somente com os alunos, trabalham primeiro com o pai e a mãe para que o rendimento do filho na escola ser excelente.
Como a música pode ser integrada de forma eficaz no ambiente educacional para crianças em idade pré-escolar?
A música, na realidade, existe desde os primórdios. A música, ela envolve a nossa vida. Antigamente, as pessoas se reuniam em volta de fogueiras, cantavam e dançavam. Mas o que a dança e a música têm a ver com a educação? Principalmente a música, o som, a melodia fazem parte do ser humano. Nos países de primeiro mundo os educadores usam muito o método fonético, eles ensinam em cima dos sons. Eu como educadora, particularmente utilizo método fonético, que infelizmente pouquíssimas escolas utilizam. Pois através do som a criança consegue assimilar muito bem. Então, a gente trabalha com essa metodologia.
Quando uma pessoa é surda eu também posso trabalhar um método fonético, porém através do corpo pois a dança e a música, elas sempre estão juntas, não tem como eu tocar um instrumento sem movimentar meu corpo, não tem como eu cantar sem movimentar meu corpo. Então, isso é orgânico e é um método extremamente eficaz, o método fonético, que nada mais é que um método de alfabetização que primeiro ensina os sons de cada letra e então constrói a mistura destes sons em conjunto para alcançar a pronúncia completa da palavra, permitindo dessa forma que se consiga ler toda e qualquer palavra.
Importante pontuar que o método fonético ele era muito trabalhado na época dos nossos avós, não é algo novo, porém não é muito utilizado, nem na faculdade. E com ele é possível ensinar crianças a ler com dois ou três anos porque é orgânico, natural.
Durante as férias escolares, como promover a continuidade do aprendizado e do desenvolvimento das crianças?
Primeiro, as férias são essenciais a criança ter. Ela precisa de férias. Ela precisa ter um momento igual ao adulto também precisa ter um momento de férias, para quebrar a rotina. Mas também é importante dizer que viver quebrando a rotina pode virar um problema. Então, no momento de férias escolares é importante quebrar a rotina, seja para a criança ou para os pais. É a hora de relaxar, tem momentos de descanso, momentos mais tranquilos, para que tudo volte ao seu lugar. As férias fazem com que a criança possa depois voltar para a rotina da escola sem problemas.
Importante salientar que os pais precisam entender que mesmo nas férias a criança tem que manter uma rotina, uma rotina de férias, e ela precisa disso senão fica desregulada. Uma rotina de levantar, participar de um café da manhã com a família, depois fazer atividades juntos, por isso oriento que os pais organizem para tirar suas férias juntos com os filhos, as vezes não é possível, mas seria o ideal.
No caso dos pais que não possam tirar férias junto com filhos, sempre vai ter alguém que possa cuidar da criança e essa pessoa vai ter que manter a rotina de férias da criança se o pai e a mãe não estiverem presentes. Sugerimos um cronograma de atividades semanais com a criança, por exemplo, de na segunda-feira ir ao parque, na quarta-feira ir à casa da vovó, na sexta-feira dar um passeio de bicicleta. Mesmo que atividades simples, mas programadas, elas causam menos ansiedade nas crianças, isso porque elas são extremamente responsáveis, às vezes mais responsáveis que um adulto.
Quando do retorno das aulas é importante que os pais levem as crianças para comprar o material escolar, quando no retorno da aula, é importante o processo de visitar a escola.
Precisa essa preparação. Não pode simplesmente trazer a criança no primeiro dia de aula e deixá-la lá. A criança nunca viu a escola, ela pode se assustar, se sentir desconfortável, com medo, ansiosa. A criança precisa ver o ambiente onde ela vai estar, ela precisa participar desse processo de conhecer a escola, de ir lá comprar as coisinhas dela, organizar a mochila, tudo com antecedência. O que todo esse processo mostra para a criança: a importância de voltar a estudar. Aí ela vai criar uma expectativa de chegar na escola, de ver os amiguinhos, de brincar, de aprender coisas novas. E quem deve fazer tudo isso? A família que muitas vezes não conversa com seus filhos.
Tecnologia demais é prejudicial ou é mito?
Sim é prejudicial principalmente nos três primeiros anos de vida da criança. Nesse período é importante evitar muito tempo as telas seja televisão, tablet, celular, videogame, etc. Isso porque é muito fácil, se os pais não fazem uma rotina e deixam a criança lá em frente a essas telas, elas passam o dia inteiro e nem fome sentem. Nesses primeiros três anos ocorre o desenvolvimento cerebral da criança que é muito rápido nessa fase e assistir uma tela é diferente do nosso mundo, utiliza cores fortes, tem uma luminosidade muito mais forte, a interação é muito rápida e prende a atenção da criança com facilidade. É bem diferente da interação com o humano.
A criança recebe tudo muito rápido e ainda não sabe distinguir o momento que ela tem que esperar, questionar, pois isso se aprende com a interação humana, ou seja, a criança precisa de pausas e as telas não tem isso.
Esse é um dos fatores que faz mal para a criança, não tem uma pausa para a criança processar a informação, isso deixa a criança muito mais acelerada, irritada, sem paciência. É natural a criança fazer birra? Sim é natural, só que um adulto precisa dar esse suporte emocional para a criança se acalmar. Aqui entramos em um outro ponto onde muitas vezes os pais não tem paciência com essa criança, não dão esse suporte emocional para a criança e deixam elas em frente às telas. Por isso que sempre falo que pai e mãe precisam estudar também.
As famílias precisam de planejamento familiar. Como era o planejamento antigamente? Não era no papel, mas antigamente as mulheres ficavam em casa, não saíam para trabalhar, tinham que fazer café da manhã, fazer almoço, colocar a criança para dormir, costuravam roupa, aí as crianças iam brincar no quintal, depois chamavam as crianças para um lanche, tudo isso é uma rotina.
Hoje a rotina das famílias mudou e isso precisa estar bem claro, os pais precisam fazer uma rotina para seus filhos mesmo que eles não estejam em casa. Se os filhos ficarem com uma cuidadora ou outro familiar, quando os pais chegam em casa a noite é necessário perguntar se a rotina foi cumprida. Caso não tenha sido os pais devem completar essas atividades com os filhos no tempo de qualidade que reservaram para ter com eles.
Quero enfatizar também que temos um hormônio que é produzido no cérebro chamado de melatonina e ele vai sendo produzido quando a claridade do dia vai diminuindo. Quando ficamos assistindo televisão até tarde, ou ficamos em frente a qualquer tela esse hormônio não é produzido e isso afeta a nossa rotina do sono.
Tem aumentado o número de diagnóstico de crianças com síndromes no mundo todo - a exemplo do TEA, Asperger, etc - como incluir elas na rotina nos demais alunos?
Principalmente, para esse público se você quebra a rotina é muito difícil para eles. Hoje, temos mais diagnósticos de pessoas com síndromes porque nós sabemos mais, então identificamos com mais facilidade, isso melhorou. E antes também essas pessoas às vezes nem estudavam, ficavam em casa, as pessoas não sabiam como lidar elas. Hoje está muito melhor pelo conhecimento que é libertador, antigamente tiravam essas pessoas do convívio social. Hoje temos terapias que são excelentes para os pais que não buscam conhecimento, muitos acham que tem TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) pela grande exposição de tela, ou porque fica o dia inteiro olhando a vida fictícia dos outros nas redes sociais e vem a depressão, isso tudo acontece com as pessoas normais.
Então a rotina é bom para todos e indico também terapias e tratamentos que podem inclusive serem acessadas pelo próprio Sistema Único de Saúde.
Como incentivar a participação e o envolvimento dos pais ou responsáveis na educação de seus filhos?
Bom, eu por exemplo, tenho um filho de 7 anos e é sagrado todos os dias ele precisa ler um livro, tocar teclado e fazer a lição de casa. Ele só faz outra coisa que ele quer após essas três etapas, é prioridade e não fica para depois. Isso se chama liderança. Vejo muito crianças sendo líderes de seus pais, e ser líder não é gritar, ser explosivo ou agressivo com a criança. O adulto tem que mostrar que aquilo que parecia ser chato é bom. No início é difícil, mas com o tempo a criança fará automaticamente.
Pais que trabalham fora devem direcionar o cuidador o que precisa ser feito e perguntar se a criança executou. O que não foi executado deve ser feito junto com os pais no tempo de qualidade que eles separaram com os filhos, ou seja, fazer um resumo do dia, a repetição, ter uma agenda de tarefas da semana e uma do mês, evitar ao máximo as telas, mesmo os que moram em apartamento, sugiro uma rotina de pequenos passeios, mesmo para ir ao mercado, atividades para fazer em casa como jogos de tabuleiros, desenhos; de qualquer forma tem que planejar se não o dia a dia vai ser estressante.
O pai e a mãe também podem conversar com o educador na escola para que ele dê sugestões. Eu, por exemplo, gosto de mandar além da tarefa de casa uma mensagem para os pais onde eu direciono essa conversa que ele vai ter com o filho. Então, quando os pais se interessam pelo filho, pelo seu dia a dia, se dispõem a estudar, como é ser um bom pai e uma boa mãe à educação infantil, o desenvolvimento dessa criança seja a escola ou a família acabam sendo complementares.
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