• Cuiabá, 11 de Setembro - 2025 00:00:00

TJ concede prisão domiciliar para filho de ex-governador de MT


Da Redação

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso - 2ª Câmara Criminal, "liberou" Carlos Alberto Gomes Bezerra para "prisão domiciliar". 

Filho do ex-governador e líder do MDB, Carlos Bezerra, ele é acusado de matar em janeiro sua ex-namorada Thays Machado e o companheiro dela, Willian Moreno - em Cuiabá. 

À época, ele foi preso em flagrante - numa fazenda em Campo Verde.  

A defesa está à cargo do renomado advogado, Francisco Faiad. 

Na decisão, a Justiça acatou os argumentos da defesa sobre os problemas de saúde de Carlos Gomes Bezerra, com condicionantes: 

1 – Recolhimento domiciliar durante todo o dia (vinte e quatro horas) na sua residência nesta capital, sem qualquer exceção para dela se ausentar, salvo por autorização judicial expressa.

2 – Retenção imediata do passaporte.

3 – Monitoração eletrônica.

4 – Apresentação de relatório médico circunstanciado, a ser fornecido, no prazo de 90 (noventa) dias, com detalhamento da evolução do quadro clínico, para reavaliação da continuidade da medida.

 

Decisão

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

 

Número Único: 1020154-39.2023.8.11.0000

Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307)

Assunto: [Homicídio Qualificado, Feminicídio]

Relator: Des(a). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA

Turma Julgadora: [DES(A). JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, DES(A). PEDRO SAKAMOTO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO]

 

Parte(s): 

[EDUARDO UBALDO BARBOSA - CPF: 036.041.181-90 (ADVOGADO), CARLOS ALBERTO GOMES BEZERRA - CPF: 353.578.601-06 (PACIENTE), Juízo da 1º Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá/MT (IMPETRADO), THAYS MACHADO - CPF: 694.571.401-25 (VÍTIMA), WILLIAN CESAR MORENO - CPF: 034.977.821-30 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), FRANCISCO ANIS FAIAD - CPF: 495.976.049-49 (ADVOGADO), EDUARDO UBALDO BARBOSA - CPF: 036.041.181-90 (IMPETRANTE), JUÍZO DA 1ª VARA ESPECIALIZADA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE CUIABÁ (IMPETRADO), FRANCISCO ANIS FAIAD - CPF: 495.976.049-49 (IMPETRANTE)]

 

                        A C Ó R D Ã O

                        Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).  RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONCEDEU PARCIALMENTE A ORDEM.

                        E M E N T A

HABEAS CORPUS – PREVENTIVA - PRETENDIDA CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR – INDEFERIMENTO – TRATAMENTO DE SAÚDE DOMICILIAR – DEFERIMENTO CONDICIONADO E COM PRAZO ASSINALADO – CONCESSÃO EM PARTE.

Em razão do abalo e da repercussão intensa causados pelos crimes praticados, a conversão da prisão preventiva em domiciliar poderia causar sensação de impunidade por parte do Estado, o que obsta a concessão.

Admite-se, no entanto, o tratamento médico domiciliar quando se busca conservar a higidez do segregado, desde que em período pré-fixado e condicionado à apresentação de relatório circunstanciado.

 

                           R E L A T Ó R I O 

 

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado por Carlos Alberto Gomes Bezerra, contra ato supostamente ilegal praticado pelo Juízo 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, consistente na decisão proferida nos autos da Ação Penal n. 1001239-10.2023.8.11.0000, que indeferiu o pedido de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar por ele formulado.

O inconformismo do impetrante é contra ilegalidade hipoteticamente perpetrada pela autoridade coatora na aludida decisão, pois assevera que estão presentes os requisitos necessários para a substituição da prisão preventiva por domiciliar, notadamente pelo estado de saúde debilitado em que o paciente se encontra em razão de moléstias físicas e psicológicas e, ainda, pela insuficiência estrutural do estabelecimento penitenciário em que se encontra para suprir as necessidades prementes que a condição frágil do paciente impõe.

 

Acrescenta que, a rigor, o impetrante continuará preso cautelarmente, porém, em sua residência em período integral de 24 horas diariamente, sendo que em caso de descumprimento injustificado de qualquer das situações impostas, retornará ao cárcere.

O pedido liminar foi indeferido.

Tanto a autoridade coatora, quanto o juízo da execução penal da Comarca de Rondonópolis prestaram informações.

O impetrante se manifestou no Id. 188402192, reiterando os argumentos trazidos na exordial e enfatizando as informações prestadas pelo juízo da execução penal de Rondonópolis, as quais trazem as circunstâncias relatadas pela equipe de saúde da penitenciária, que, segundo seu critério, corroboram a necessidade do deferimento da prisão domiciliar.

Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria Geral de Justiça, opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.                

                        V O T O  R E L A T O R

EXMO. SR. DES. JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA (RELATOR)

 Como asseverado, o inconformismo que rendeu ensanchas ao presente Habeas Corpus, consiste na alegação de que é ilegal a decisão proferida pela autoridade coatora, que indeferiu o pedido de conversão da prisão preventiva em domiciliar, especialmente pelo estado de saúde debilitado em que o paciente se encontra em razão de moléstias físicas e psicológicas e, ainda, pela insuficiência estrutural do estabelecimento penitenciário em que se encontra, para suprir as necessidades prementes que a condição frágil do paciente demanda.

No caso em apreço, o paciente foi preso em flagrante em razão da prática dos crimes de homicídio qualificado e feminicídio consumados em 18 de janeiro do presente ano, sendo vítimas respectivamente, Willian César Moreno, e Thays Machado, ex-namorada do paciente, que na ocasião do infortúnio mantinha relacionamento amoroso com a outra vítima.

A instrução processual já foi finalizada, na qual, com relação à vítima Thayz, o réu foi pronunciado pela prática dos delitos insculpidos no artigo 121, § 2º, I, III, IV e VI, do Código Penal, e com relação à vítima Willian, foi pronunciado pela prática dos crimes previstos no artigo 121. § 2º, I, III e IV, do mesmo Diploma Legal.

 

Contra tal decisão foi lançado recurso em sentido estrito, ao qual foi negado provimento, por unanimidade, por esta Egrégia Câmara.

 

Pois bem, o writ merece acolhimento parcial.

 

Isto porque, como espécie de medida cautelar, a prisão preventiva há de ser assentada nos critérios da necessidade e adequação, referidos no art. 282 do Código de Processo Penal, bem como no subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, como prega a boa doutrina. 

Nesse viés, cumpre ao juiz, primeiramente, verificar a necessidade de se restringir a liberdade do indiciado ou acusado, para tutela aos interesses do processo (conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal), da paz social (garantia da ordem pública) ou da ordem econômica, requisitos insculpidos no artigo 312, do Código de Processo Penal. 

Diante de um juízo positivo da necessidade, cabe analisar, dentre as medidas existentes, aquelas que, em observância à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, apresente-se adequada à salvaguarda dos referidos interesses superiores. 

Assim, as circunstâncias fáticas do caso é que devem mostrar a necessidade da aplicação de medidas cautelares, entre elas a prisão preventiva. 

Este é o ensino de Gustavo Henrique Badaró quando assevera:

“A prisão não pode ser um corolário automático da imputação, o que significaria restaurar um regime de prisão obrigatória. A decretação da prisão não pode ter por fundamento apenas a gravidade abstrata do crime (por exemplo, por se tratar de tráfico de drogas ou de roubo). Aliás, tal prisão, além de desrespeitar a garantia constitucional da motivação das decisões judiciais, também fere a presunção de inocência, uma vez que decorreria do tipo penal imputado, independentemente da necessidade concreta da medida” (Processo Penal, 3ª edição, 2015, Ed. Revista dos Tribunais, p. 991).  

Dessa forma, e após analisar as circunstâncias que norteiam o caso em apreço, não visualizo, neste momento processual, a imprescindibilidade da medida extrema imposta ao paciente. 

Registro que não questiono a gravidade dos fatos a ele imputados, pois, não há como afastar a extrema magnitude dos crimes de feminicídio e homicídio qualificado praticados. 

Entretanto, a despeito da gravidade da conduta imputada ao paciente, após examinar o conjunto probatório reunido no presente feito, não verifiquei nesta quadra processual a presença de base empírica satisfatória a comprovar sua acentuada periculosidade, ou indícios de que, em liberdade, voltará a praticar outros atos delituosos.

 

Com isso e tendo em vista que a prisão preventiva é o derradeiro recurso a ser utilizado pelo Poder Judiciário e possui natureza cautelar excepcional, não pode ser alçada a mera antecipação da resposta punitiva do Estado à conduta praticada pelo réu.

Nesse sentido é a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CORRUPÇÃO PASSIVA. GESTÃO FRAUDULENTA. DESVIO DE RECURSO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. LAVAGEM DE DINHEIRO. CUSTÓDIA PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. NECESSIDADE EVIDENCIADA NO MOMENTO DA PRISÃO. FATOS PASSADOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DESARTICULADA. RISCOS DE REITERAÇÃO DELITIVA PRESENTES, MAS DIMINUÍDOS. FINALIDADE DAS CAUTELAS PESSOAIS. FUNÇÃO NÃO PUNITIVA. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA DE CAUTELARES MENOS GRAVOSAS. ORDEM CONCEDIDA.

1. A prisão preventiva possui natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, de modo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém, para compatibilizar-se com a presunção de não culpabilidade e com o Estado Democrático de Direito - o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade individual quanto a segurança e a paz públicas -, deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que justificam a cautela, nos termos dos arts. 312, 313 e 282, I e II, do Código de Processo Penal. 2. A decisão que impôs prisão preventiva ao paciente não possui vício de fundamentação, uma vez que, além da indicação de indícios razoáveis de cometimento de inúmeros crimes, justificou a necessidade de proteção da ordem pública ao salientar, em relação ao paciente, a existência de "indícios fortes de montagem e estruturação da organização criminosa e sua total liderança no grupo do conglomerado bancário Banco de Brasília".

 

3. O decreto de prisão preventiva, apoiado em representação do Ministério Público Federal, indica a prática de atos de corrupção (ativa e passiva), lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, em contexto de organização criminosa, da qual participariam ex-dirigentes do Banco Regional de Brasília, que promoviam o aporte de volumosos recursos de RPPS, fundos de pensão e fundos privados administrados pela BRB DTVM - braço do banco responsável pela gestão de recursos, distribuição de títulos e valores mobiliários e administração de ativos - em investimentos e empreendimentos promovidos por terceiros, de quem recolhiam propinas em vultosas quantias, como contrapartida ilícita por suas decisões.

4. Noticiam os autos que os fatos ilícitos ocorreram há cerca de 3 anos, permanecendo, todavia, a suspeita de continuidade da organização criminosa quando decretadas as cautelas. Entretanto, o grupo criminoso foi identificado e desmontado com a deflagração da Operação Circus Máximus, que culminou na prisão e bloqueio de bens dos suspeitos e o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Federal.

 

5. Passados cinco meses desde então, com a troca da diretoria e dos conselheiros por meio de quem as ilicitudes teriam sido cometidas, e com a ausência de sinais de possível interferência do paciente nas decisões políticas do atual governo do Distrito Federal, não mais se apresenta a prisão cautelar como único meio adequado e necessário para a tutela dos interesses que, no momento da prisão, se encontravam sob risco de lesão (sobretudo a evitação da prática de novos crimes), sendo suficiente, para eliminar tal risco, a imposição de medidas cautelares pessoais com igual idoneidade para preservar esses interesses, em juízo de estrita proporcionalidade, na forma dos artigos 282, I e II c/c 319, ambos do Código de Processo Penal.

6. Habeas corpus concedido para substituir a prisão preventiva por cautelares descritas no voto, sem prejuízo de imposição de outras que o prudente arbítrio do Juiz natural da causa entender cabíveis e adequadas.

(HC n. 496.533/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/6/2019, DJe de 18/6/2019.) (grifei)

No mesmo sentido, trago excerto da ementa do voto proferido pelo Exmo. Sr. Des. Rui Ramos Ribeiro, no HC nº 1011350-82.2023.8.11.0000, publicado no DJE em 30/06/2023, onde esclarece acerca da impossibilidade da prisão preventiva se prestar para antecipar eventuais efeitos da sentença penal condenatória, sendo pertinente apenas quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, in verbis:

A prisão preventiva não possui o cunho de antecipar os eventuais efeitos condenatórios, mas, sim, de afastar o agente do convívio social, uma vez que presentes os requisitos do art. 312 do CPP, como também não representa desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência, o que só ocorreria na hipótese de ausência daqueles pressupostos. Trata-se apenas de medida eficaz para garantir a aplicação da lei penal. (grifei)

 

Na hipótese dos autos, entendo que o caso versado não chega ao ponto de abalar de forma contundente a ordem pública, econômica, a conveniência da instrução criminal ou a segurança da aplicação da lei penal, comportando, todavia, a imposição de medidas cautelares alternativas, em atenção à gravidade do crime e à sua necessidade para se garantir a aplicação da lei penal, nos termos do art. 282 do Código de Processo Penal.

A corroborar tal entendimento, trago à colação decisão desta Egrégia Câmara, in verbis: 

“HABEAS CORPUS – AÇÃO PENAL – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, LAVAGEM DE DINHEIRO, CONTRAVENÇÃO PENAL, EXTORSÃO E EXTORSÃO MEDIANTE – 1) DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA ORIGEM UTILIZOU COMO UM DOS FUNDAMENTOS O BOLETIM DE OCORRÊNCIA JÁ IMPUGNADO NESTA CORTE – SEGREGAÇÕES CAUTELARES DECRETADAS DECORREM DO INQUÉRITO POLICIAL N. 74/2017/GCCO – OPERAÇÃO MANTUS – FATOS DIVERSOS – SEQUESTRO – OPERAÇÃO MANTUS – 2) DECISÃO TARIFADA COMO DESTITUÍDA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – PLAUSIBILIDADE NA INDIGNAÇÃO – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFIQUE A CONSTRIÇÃO CAUTELAR – INEXISTÊNCIA DE BASE EMPÍRICA A COMPROVAR O RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA – SEGREGAÇÃO QUE NÃO ATINGE A FINALIDADE A QUE SE DESTINA – POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES DIVERSAS – MEDIDA EXCEPCIONAL QUE DEVE SER PONDERADA COM PRUDÊNCIA E RAZOABILIDADE – PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA – ORDEM CONCEDIDA COM MEDIDAS CAUTELARES.

 

Observa-se que as segregações cautelares decretadas nestes autos decorrem do inquérito policial n. 74/2017/GCCO – Operação Mantus, ou seja, fatos diversos daqueles investigados no mencionado boletim de ocorrência, anteriormente impugnado.

A imposição de medidas cautelares exige a demonstração da necessidade e adequação da providência, que deve se fundar ainda na proporcionalidade em sentido estrito.

Presente a necessidade, cabe ao juiz perscrutar, dentre as medidas existentes, aquelas que, em observância à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado ou acusado, apresente-se adequada à salvaguarda dos interesses superiores do processo, da paz social ou da ordem econômica, considerando como tal aquela que se mostre com menor potencial de invasão aos direitos fundamentais do indivíduo, máxime diante de sua presunção constitucional de inocência.

A ausência de indicativos concretos a apontar que a liberdade do paciente colocará em risco a garantia da ordem pública, obsta o reconhecimento do periculum libertatis, requisito indispensável para manutenção da custódia cautelar, que poderá ser substituída por outras medidas cautelares menos gravosas, em homenagem ao princípio da intervenção mínima”. (N.U 1008058-31.2019.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 07/08/2019, Publicado no DJE 12/08/2019) Destaquei 

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça trilha o mesmo norte, in verbis:

 “HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CÁRCERE PREVENTIVO. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MEDIDA DESPROPORCIONAL. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP). 2. Deve, ainda, ficar concretamente evidenciado, na forma do art. 282, § 6º, do CPP, que, presentes as justificativas que autorizam a custódia provisória, não é suficiente e adequada a sua substituição por outra (s) medida (s) cautelar (es) menos invasivas à liberdade. 3. A gravidade abstrata da infração penal não é bastante para embasar a cautela mais onerosa do acusado, caso o decreto prisional não contextualize, em subsídios concretos dos autos, o periculum libertatis. 4. (...) 6. Ordem concedida, para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares diversas, sem prejuízo do restabelecimento da cautela mais austera, se violadas as medidas alternativas ou se sobrevier situação que configure sua exigência”. (STJ - HC: 588402 PE 2020/0139197-7, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 13/10/2020, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2020) Destaquei 

Nesse contexto, e frise-se, passados mais de 08 (oito) meses da data da prática das infrações penais, nenhum dos requisitos do art. 312, do Código de Processo Penal, permanecem presentes.

Isto porque, embora evidenciada a magnitude da conduta criminosa, tendo em vista o que foi apurado na instrução, é certo que se tratou de ato pontual na vida do paciente, que não se mostra passível de repetição, pelo menos pelo seu histórico criminal, que, como frisei, aponta para um fato isolado e com particularidades de relacionamento amoroso envolvido.

Assim, afastado o risco efetivo à ordem pública ocasionado pela liberdade do paciente, a preventiva se mostra impertinente nesta fase processual.

Do mesmo modo não há como afirmar que há risco para instrução criminal, por um motivo básico, a instrução já foi finalizada, logo inexiste demonstração de que o periculum libertatis se concretize por este motivo, não havendo mais hipótese do réu, por exemplo, perturbar o rito da instrução processual mediante ameaça a testemunhas ou qualquer outro artifício que prejudique a colheita de provas.

Por derradeiro, também não há demonstração de que posto em liberdade o paciente tente de forma deliberada atentar contra a aplicação da lei penal, pois em nenhum momento desde sua prisão em flagrante demonstrou qualquer intenção de atentar contra a consolidação do direito de punir do Estado, seja por alguma tentativa de evadir-se do distrito da culpa ou por demonstrar qualquer interesse em não colaborar com a aplicação da lei penal.

Portanto, não há que se falar em decreto da medida extrema de privação de liberdade, podendo a prisão preventiva do paciente ser substituída por outras medidas cautelares, que, aliás, é a regra insculpida no ordenamento jurídico vigente, ex vi do teor contido no art. 282, § 6º, do CPP, segundo o qual “A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”.

Por sua vez, outro aspecto deste caso que me chama atenção é a névoa que circunda a questão da saúde do paciente, na qual não consigo visualizar elementos definitivos acerca da capacidade do estabelecimento penal em oferecer condições suficientes para suprir suas necessidades patológicas físicas e psicológicas, que emergem graves, consoante declaração prestada pelo Dr. Wilson Luiz Gonçalves, médico responsável do estabelecimento penal, em 05/05/2023, na qual afirma que o paciente é “portador de Diabetes Mellitus 2, além de Hipertensão Arterial, de difícil controle e longa data (mais de 15 anos) e já apresentando complicações decorrentes pelo seu controle deficiente tais como Polineuropatias, além de Distúrbio Neurovegetativo, com dores generalizadas, além de constantes alterações de humor com isolamento social, compulsão alimentar, ideias autodestrutivas contribuindo para agravar mais ainda sua saúde física e mental”.

Para elucidar tal situação determinei, quando do indeferimento do pedido liminar, que o juízo da execução penal da Comarca de Rondonópolis, onde o paciente encontra-se segregado, informasse se o estabelecimento prisional tem condições de salvaguardar a saúde do paciente, e confesso que as novas informações prestadas ao juízo pelo médico responsável pela penitenciária, Dr. Wilson Luiz Gonçalves (Id. 184610683), somado ao laudo endocrinológico fornecido pela Dra. Denise Maria Dotta Abech (Id. 180575673), médica do paciente e, ainda, ao parecer técnico particular firmado pelo Dr. Hewdy Lobo Ribeiro (Id. 180575675), Psiquiatra Forense, Psicogeriatra, Psicoterapeuta e Nutrólogo de nomeada, me fizeram inclinar para a real necessidade de, ao menos por ora, o paciente receber tratamento específico na sua residência, onde teria melhores condições de tratamento.

Diante deste quadro, e tomado pela prudência e razoabilidade que o caso requer, embora entenda inexistirem no momento os requisitos para continuidade da prisão preventiva do paciente, em razão dos crimes terem abalado à sociedade local, com repercussão intensa, a concessão da prisão domiciliar pode gerar um sentimento de impunidade por parte do Estado, logo me posiciono no sentido de não cambiar a prisão preventiva em domiciliar, porém, notadamente para salvaguardar as condições de saúde do paciente para que este esteja hígido para enfrentar o cumprimento da pena que eventualmente poderá advir após o veredito do Tribunal do Júri e, consequentemente, também para garantir a efetiva aplicação da lei penal em caso de condenação, se mostra pertinente que o paciente receba neste momento tratamento para suas patologias da maneira mais plena possível, o que somente pode ser alcançado fora do estabelecimento prisional.

 Com esses fundamentos, concedo em parte a ordem de habeas corpus impetrada em favor de Carlos Alberto Gomes Bezerra para que receba tratamento de saúde em sua residência nesta Capital, e fixo as seguintes medidas cautelares:

 1 – Recolhimento domiciliar durante todo o dia (vinte e quatro horas) na sua residência nesta capital, sem qualquer exceção para dela se ausentar, salvo por autorização judicial expressa.

2 – Retenção imediata do passaporte.

3 – Monitoração eletrônica.

4 – Apresentação de relatório médico circunstanciado, a ser fornecido, no prazo de 90 (noventa) dias, com detalhamento da evolução do quadro clínico, para reavaliação da continuidade da medida.

Em tempo, nada impede que a autoridade acoimada coatora estabeleça outras medidas cautelares que considerar necessárias e adequadas ao caso concreto ou, sobrevindo fatos novos, revogue a concessão.

Determino que, com urgência, o Juízo de primeiro grau de cumprimento à determinação.

É como voto.




Deixe um comentário

Campos obrigatórios são marcados com *

Nome:
Email:
Comentário: