Por Ingrid Soares - Correio Braziliense
Em discurso na Cúpula das Américas, em Los Angeles (EUA), o presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas internacionais à sua gestão do meio ambiente, voltou a falar em "voto auditável" nas eleições de outubro, defendeu pautas ideológicas e elogiou o presidente americano, Joe Biden.
Bolsonaro negou acusações de desmatamento na Amazônia, um dos temas centrais do evento. "Somos um dos países que mais preservam o meio ambiente e suas florestas. Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo", enfatizou.
"Mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para pecuária e agricultura, somos uma potência agrícola sustentável. Não necessitamos da região amazônica para expandir nosso agronegócio. Somente no bioma Amazônia, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta."
O chefe do Executivo admitiu dificuldades em relação à política de preservação diante da extensão territorial das florestas e disse que "nossos desafios são proporcionais ao nosso tamanho". "Nosso Código Florestal deve servir de exemplo para outros países, afinal, somos responsáveis pela emissão de menos de 3% de carbono do planeta, mesmo sendo a 10ª economia do mundo", frisou.
As declarações ocorreram no mesmo dia em que dados de satélites mostraram que o desmatamento na Amazônia brasileira registrou o segundo pior mês de maio desde 2016 (leia reportagem na página 6).
Indiretamente, o presidente criticou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defendeu "liberdade de expressão". "Atualmente, vemos no Brasil e em parte do mundo, um ataque às liberdades individuais por opinar de forma diferente. Ao longo do meu mandato, o Brasil manteve-se presente nos fóruns hemisféricos e regionais, trabalhando pela democracia, pela liberdade e pela prosperidade econômica e social", destacou.
Ele também acenou ao eleitorado com pautas ideológicas, como aborto e defesa da família. "Temos um governo que acredita em Deus, que respeita os seus militares, é favorável à vida desde a sua concepção, defende a família e deve lealdade ao seu povo", frisou. "No Brasil, já se entende que a liberdade é um bem maior que a própria vida, pois um homem ou mulher sem liberdade não têm vida."
Admirador declarado do ex-presidente americano Donald Trump e um dos últimos chefes de Estado a reconhecer a vitória de Biden, Bolsonaro comentou sobre o primeiro encontro com o presidente americano, na quinta-feira. "Estive com o presidente Biden numa bilateral ampliada e, depois, em uma mais reservada, com pouquíssimas pessoas. Ficamos por 30 minutos sentados, numa distância inferior a 1 metro e sem máscara", relatou. "A experiência foi simplesmente fantástica. Estou realmente maravilhado e acreditando em suas palavras e naquilo que foi tratado reservadamente entre nós."
Pressionado pela comunidade
internacional, o chefe do Executivo também comentou sobre o trabalho de buscas ao indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Araújo Pereira e ao jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian.
Segundo Bolsonaro, o Brasil realiza busca pelos dois de maneira "incansável". "Desde o primeiro momento, nossas Forças Armadas e Polícia Federal têm se destacado na busca incansável da localização dessas pessoas. Pedimos a Deus que sejam encontrados com vida", completou (leia mais sobre o caso na página 6).
Análises
Para Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, Bolsonaro mentiu no discurso. "Disse que cuidava do meio ambiente, enquanto todos sabem que o desmatamento na Amazônia subiu 76% desde o início de seu mandato, assim como cresceram a destruição do Cerrado, da Mata Atlântica e do Pantanal", listou. "Ele afirmou que 84% da Amazônia está preservada, o que é falso, pois quase 20% da floresta foram perdidos para o corte raso e praticamente o mesmo percentual para a degradação."
De acordo com o especialista, o chefe do Executivo "mentiu também quando disse que nenhum país possui lei ambiental tão rigorosa quanto a nossa e sobre defender democracia e liberdades". "Ele não só não faz ou fez nada disso, como desmontou todas as estruturas de proteção ambiental, atacou jornalistas, as ONGs, demitiu o presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre inúmeros outros atos desde 2019", completou.
Para Astrini, "a mentira mais cruel" foi dizer que desde o primeiro momento atuou nas buscas dos desaparecidos. "Em nota à imprensa, mais de 30 horas depois do desaparecimento, o Comando Militar da Amazônia declarou que aguardava 'acionamento por parte do Escalão Superior'. Ninguém esquecerá que Bolsonaro não fez esforços para ampliar as buscas, como classificou de 'aventura' a presença dos dois na região."
Mariana Mota, coordenadora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, observou que Bolsonaro fez um discurso cego do país que governa, e que Biden abriu mão de uma postura mais dura. "É uma situação caótica que a Amazônia e seus povos enfrentam sob o atual governo, ainda mais escancarada neste momento, em meio ao desaparecimento de Bruno e Dom Phillips", afirmou.
"Não é razoável buscar proteger a Amazônia e a democracia ao lado de quem justamente as ataca. Biden dá um sinal de confiança que Bolsonaro não merece e que pode legitimar sua destruição", acrescentou.
Insegurança alimentar
Assessora de política do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos ressaltou que o presidente repetiu dados inverídicos, a exemplo de outras participações em eventos internacionais. "Chega a ser curiosa a fala sobre o papel do Brasil na questão da segurança alimentar mundial na mesma semana em que uma pesquisa demonstrou que 60% da população brasileira sofre algum tipo de insegurança alimentar", ressaltou.
"A menção ao desaparecimento de Bruno e Dom, no discurso, reforça a sensação de que foi feito para agradar à comunidade internacional. Mas mesmo aí ele não foi fiel aos fatos, já que o governo demorou a atender aos pedidos para intensificar as buscas."
Já Arthur Wittenberg, professor de políticas públicas do Ibmec, apontou que a participação do Brasil na Cúpula foi uma boa oportunidade. "Esse contato pessoal melhora o diálogo entre os dois maiores países americanos. Os EUA precisavam elevar a importância da Cúpula, e o Brasil entendeu que seria uma boa oportunidade para essa aproximação porque, apesar de diferenças ideológicas, é fundamental o engajamento político e econômico com os EUA", disse.
Para ele, o discurso de Bolsonaro foi "razoável", por trazer as questões ideológicas numa perspectiva mais equilibrada, distanciando-se, de certa forma, da convergência ideológica com Trump. "Bolsonaro e Biden entenderam que é preciso restabelecer as bases centrais da relação entre Brasil e EUA, ampliando a inserção internacional do Brasil", afirmou.
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