Rafaela Maximiano - Da Redação
“A causa da secagem dos rios, córregos e nascentes é única e exclusivamente do homem, do ser humano”, dispara o professor Romildo Gonçalves que é biólogo e pesquisador de Ciências Naturais da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Para a Entrevista da Semana ao FocoCidade o especialista analisa o período severo de estiagem que chega a afetar o abastecimento de água nos municípios de Mato Grosso. Segundo o professor Romildo Gonçalves, a seca dos rios já era prevista devido ao desmatamento sem controle, principalmente no âmbito das pastagens e plantio de grãos.
“A água nem escorre, nem penetra no solo, porque passam o trator, tira a vegetação. Passa o trator, plantam uma vegetação exótica, com raiz em cabeleira, enquanto a raiz do cerrado é raiz pivotante, uma raiz profunda que vai buscar água a dez metros de profundidade e também retém a água da chuva nesse solo que é arenoso, como consequência os rios vão secar. Também não respeitam as nascentes e olhos d’água e desmatam tudo, e são eles que abastecem os córregos, que abastecem os rios. É uma realidade doida triste, lamentável”, denuncia o biólogo.
Ele também alerta que as duas grandes baías de Siá Mariana e de Chacororé, que compõe o ecossistema pantaneiro estão secando sequencialmente ano a ano e com previsão de irreversibilidade. “Isto porque nas últimas três décadas a pressão antrópica e o desmatamento desenfreado sem o mínimo de planejamento feito no planalto onde concentra o cerrado mato-grossense foi dizimado rapidamente pelo homem. Isto é uma realidade nua e crua”, pontua.
Romildo Gonçalves ainda explica como a remoção da vegetação nativa para o plantio pode tornar o cenário ainda pior. “A vida se exaurir de vez. Há um ditado que pontua a ignorância humana, é mais que paradoxal, adora um Deus invisível, e mata um Deus vivo botanicamente falando”, desabafa o professor.
Boa Leitura!
Professor, o período de estiagem tem ficado mais severo a cada ano, existe ação do homem para intensificar?
Nós estamos a 75 metros do nível do mar, Cuiabá. Em 1963 a lâmina d’água do Rio Cuiabá ficou zero em relação ao nível no mar. Para se ter noção. Isso quer dizer que, se não tivesse feito Manso, nós teríamos esse rio intermitente. Seca é uma coisa comum no mundo, ela ocorre periodicamente, isso é um fato.
Agora, estiagem que é um período mais prolongado e mais severo da falta de chuva também ocorre em determinadas regiões do mundo, mas em determinadas regiões, ela é mais severa e mais rigorosa. Isso são fenômenos naturais, não são fenômenos causados pelo homem. Mas nas últimas décadas, digamos assim, eu trabalho com o meio ambiente, dentro da Universidade Federal – eu já aposentei - eu trabalho há três décadas, então a gente está vendo a evolução de um fator importante: nós temos a baía Siá Mariana e Chacororé, ela tinha uma lâmina d’água na década de 70 de sete metros de profundidade. Hoje ela é capinzal, porque que ocorreu isso? O que vou explicar é aplicável com o Rio Cuiabá, para o Sepotuba, para o Rio Paraguai, para o Rio Vermelho, para o Rio Arareau e a maioria desemboca no Pantanal.
De década de 70 para cá só ocorreu desmate, pressão antrópica, ao remover a vegetação do planalto que é cerrado dominantemente solo de cerrado, e 80% dele é arenítico, tem mais areia do que matéria orgânica, quando você remove a vegetação nativa que tem raízes profundas e segura a água e planta vegetações exóticas como soja, milho, algodão, sorgo, etc, isso vai ressecando solo. Você vê a cachoeira, a Salgadeira secou praticamente, o Rio Cuiabá só não seca por causa do Manso. Os rios Arareau e Vermelho em Rondonópolis estão secos, a baía Sinhá Mariana e Chacororé está literalmente seca. O Mauro Mendes foi meu aluno, eu falei para ele: Governador, não adianta você assustar com isso não, o que tinha que fazer era manejar corretamente o Cerrado, desmatar a área que poderia ser e deixar outras e não desmatar tudo, e tocou vegetações exóticas, aí acabou com água e vai acabar.
É lógico que Belo Monte e outras grandes hidrelétricas no Brasil, ela vai recompor. Isso é fato. Porque o que ocorre no Brasil em 2021 já era previsto, ia acontecer, aconteceu e vai continuar acontecendo. Porque nós estamos em estiagem prolongada, não é seca é estiagem. Você está vendo aí que os biomas onde não correu incêndio florestal em 2020 este ano está queimando tudo. Em 2020 nós tivemos um grande incêndio no Pantanal, não foi falta d’água, foi pelo acúmulo de vegetação. Trabalho no Pantanal há três décadas e não se coloca fogo lá desde a década de 70. Ora, essa biomassa acumulada lá iria um dia pegar fogo. A natureza é perfeita.
Agora, de um modo geral eu posso dizer que, o fenômeno é natural mas tem uma parte que há a interferência humana. Aonde você remove uma vegetação nativa, principalmente regiões que você tem areia, que é o caso do Cerrado você vai ter consequências disso.
Então podemos afirmar que as áreas desmatadas para o agro e pecuária no Pantanal é o principal fator para a falta de água atual e para a seca no Pantanal?
É. A água nem escorre, nem penetra no solo, porque passam o trator e tira a vegetação, passa o trator, plantam uma vegetação exótica, com raiz em cabeleira, enquanto a raiz do cerrado é raiz pivotante, uma raiz profunda que vai buscar água a dez metros de profundidade e também retêm a água da chuva nesse ambiente. Quando você remove a vegetação, o sol é muito quente, o calor emanado do solo é muito forte, faz com que a evaporação e até mesmo a evapotranspiração – que é a perda de água das plantas para o meio ambiente, é como se nós estivéssemos suando no sol; se você não tem água no planalto para que ele continue perene, os rios, córregos, nascentes e olhos d’água, vão secar.
Também não respeitam as nascentes e olhos d’água e desmatam tudo, e são eles que abastecem os córregos, que abastecem os rios. É uma realidade doida triste, lamentável, mas chama-se: a causa da secagem dos rios, córregos e nascentes é única e exclusivamente do homem, do ser humano.
O Governo, a Assembleia Legislativa e outros órgãos, visitaram recentemente o Pantanal e após ver a situação de seca chegaram a questionar que Manso estivesse contribuindo com a falta de água, questionaram Furnas se isso seria possível e eles responderam que não. Qual sua avaliação?
Esses desses deputados são de uma imbecilidade singular. Você pode até escrever isso aí em letras garrafais: o professor Romildo coloca que é assustador a ingenuidade dos deputados. Manso não tem nada a ver com a seca no Pantanal, literalmente, nada. Ele é um contribuidor porque se não tivesse Manso, o Rio já tinha secado aqui em Cuiabá porque as nascentes, lá em cima, que hoje tão cheias com o represamento da água, teriam secado todas.
O que vai acontecer com a visita dos deputados: nada. Pode escrever: a visita das autoridades governamentais do Estado, à baía Siá Mariana e Chacororé, para o professor Romildo Gonçalves da UFMT vai resultar em nada vezes nada. Um chegou a dizer assim: “Nós temos que abrir corixos”. Olha só a ingenuidade do cara da Sema falar isso. Eu pesquiso isso há 30 anos, na década da de 70 a gente ia daqui para Barra do Garças era só cerrado, onde hoje é Primavera, Campo Verde, você só tinha um município pequeno chamado General Carneiro e mais nada. Hoje você vai daqui lá, só tem um pedacinho que é dos indígenas, o resto tudo é soja e algodão, acabou. O Rio das Mortes que nasce lá em São Vicente, no Colégio Agrícola de São Vicente, ele está assoreando e vai secar também. Ele atravessa todo o Planalto vai sair no Araguaia, ele vai secar também. Do jeito, esta coisa está.
Outros ponderam que se Manso estivesse produzindo energia dispensaria mais água para o Rio Cuiabá, para o Pantanal, e o rio está seco. Estão represando e não dão vasão para água, faz sentido?
Outra imbecibilidade do nível da falta de conhecimento, de ser leigo. Aliás as pessoas votam em outros que não sabem nem escrever. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, absolutamente totalmente desconexo. As turbinas têm controle de vazão de água. Você pode por vazar um milhão de litros por segundo ou dois bilhões, ou, fechar a turbina. Não tem nenhuma turbina de Manso fechada. A hidrelétrica de Manso foi construída com o objetivo de multiuso para produção agrícola junto aos produtores rurais, com a água caindo por declividade e ela tem essa função. Ela é importantíssima. Ela funciona regulando o Rio Cuiabá para que não tem enchentes gigantescas no período das chuvas, e ela está funcionando dentro da normalidade.
O que teve esses dias foi gente fazendo criatório de peixe dentro do Manso, sem autorização da Sema. Como morreu mais de toneladas de peixe, temos que ver que veneno foi esse. Nós temos diversas cidades como Mirassol D’Oeste, Acorizal, Cuiabá, Várzea Grande, Barão de Melgaço, todo mundo utiliza água para consumo humano dessa região e temos que saber que produto químico é esse que matou esses peixes e que essa água poderia contaminar nós que a utilizamos. Nem isso sabemos o que aconteceu de verdade.
Mas o Rio Cuiabá está dentro da normalidade de vazão de água, para esse período. E, ele está assim ainda com essa vazão, graças ao represamento de Manso, se não tivesse esse represamento estaria intermitente. Quero dizer algum lugar seco e algum lugar com poças de água.
As cachoeiras de Chapada dos Guimarães também estão sentindo a estiagem, por quê pela primeira vez o Véu de Noiva secou? As propriedades particulares podem estar represando água em Chapada ou outro fator?
Remoção da vegetação do Planalto, literalmente. Plantação de grãos e espécies exóticas: gramíneas para a plantação de pastagens, fez com que a nascente, o pequeno córrego secasse. Causa da questão da secagem das cachoeiras: o ser humano, desmatamento da região, remoção da vegetação nativa. Em qualquer lugar que a gente for discutir sobre isso termos a remoção da vegetação nativa.
Vivemos então uma crise hídrica, os rios não têm mais água suficiente para abastecer a população e municípios de Mato Grosso devido a esse desmatamento de anos?
Eu digo biologicamente falando, que é uma estiagem severa por várias razões. Quais são elas: nós estamos mais tempo sem chuva, como em consequência disso você tem vegetação mais seca, ressequida. Você tem o ar mais quente que faz com que a evapotranspiração, ou seja, a perda da água das plantas para o meio ambiente seja maior. E, você tem com isso maior movimentação eólica, ou seja, ventos mas intensos, aqui em Cuiabá não tanto porque estamos dentro de uma bacia, essa movimentação eólica forte vai ressecar mais ainda o solo e faz com que você tenha no ambiente aéreo matéria particulada, poeira, fumaça e faz com que a respiração tanto humana como dos animais silvestres, sofra mais. Mas falta de água para consumo não. Estamos dentro da normalidade são somente em Mato Grosso mas no Brasil.
Eu estive no estado do Rio Grande do Norte, lá está uma chuvinha aqui outra acolá, não tem estiagem. Não tem falta da água, assim como havia a anos atrás. Está bem mais controlado, é claro que estamos com usinas importantíssimas, com um baixíssimo nível de água. Para se ter noção, das 10 turbinas de Belo Monte só uma está vazando 60% da capacidade dessa única turbina. Porque o rio secou lá.
Alguns municípios estão tomando medidas para evitar escassez como Rondonópolis que tem estocado água. Isso é um paliativo, é válido ou pode piorar a situação?
Não só é um paliativo como é um equivocado. Você estocar agua para a coletividade, ainda mais Poder Público, é ingenuidade sem precedente. Se você tiver uma represa e você evitar o ladrão onde vaza água e essa agua ficar retida no ambiente, ótimo. Mas você estocar ou fazer poço artesiano é pior. Os gestores públicos têm que ter o mínimo de noção de lógica e trabalhar o coletivo a médio e longo prazo e não ficar nesse apaga fogo, nessas coisas sem pé e sem cabeça.
O que os políticos fazem é roubar e nesse ínterim eu incluo todos. Tem alguns municípios Mato Grosso que não tem água. Já acabou a água dos córregos, por exemplo Poconé, que está dentro do Pantanal. E, o fio d’água do Rio Pixaim que abastece o município secou. O único caminho é ele furar um poço artesiano alternativo e alcançar o lençol freático, aí de 10 metros para abastecer, até que as chuvas retornem. Agora, esse fenômeno de estiagem, de seca do Pantanal, o Pantanal vai acabar. Do jeito que está indo, vai acabar. Se continuar desmatando planalto, vai acabar.
Eu estive em Botsuana na África. Lá tem um pantanal com grandes animais, lá nunca seca porque o parque é gigantesco, e não desmata. Em Mato Grosso do Sul grande parte do Pantanal hoje é braquiária, vegetação exótica introduzida pelos paulistas. E não quer seca? O Rio Paraguai lá em Diamantino está seco. A cabeceira dele só soja e algodão e acabou.
Qual sua mensagem para que cada um possa contribuir e evitar as extinções do rio e degradação ambiental em geral?
Eu falo sempre haja como ser humano não destrua, não desperdice! Se você pode fechar a torneira enquanto escova os dentes, fecha. Economize não só no período da estiagem, é todo tempo. Se você vai passear na floresta, fazer uma trilha, não jogue plástico lá, traga sua garrafinha. Porque quebrar o galho de uma árvore se ele não tiver utilidade para você. Essa é a minha lição para todo mundo.
É igual o fogo. Por exemplo, meu trabalho, meu mestrado e doutorado, foi na área do meio ambiente, Educação e Fogo. Nós sabemos que 80% do fogo no mundo é desnecessário, mas eu ficar sem o fogo uma hora eu sinto falta, quem fuma menos de uma hora sente.
Sem o fogo nós iríamos comer cru. Mas o problema é que se você perguntar para a grande massa o que é fogo: é um fato, fenômeno, ou uma referência? Dificilmente as pessoas vão saber responder. Ele é um instrumento, o quarto elemento mais importante da natureza: água, ar, terra e fogo que constrói a vida. Sem isso não, não teríamos vida, mas o povo não entende. O que eu passo para a sociedade é isso, porque isso é educação ambiental.
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