• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Se a AL aprovar a PEC, nós vamos tomar providências, avisa procurador-geral de Justiça


Rafaela Maximiano - Da Redação

“Nós temos o dever da transparência. O melhor detergente que existe é a luz do sol”, dispara o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, sobre a exposição de nomes de investigados, antes do processo final de julgamento pela Justiça.  

Outra resposta contundente do procurador-geral de Justiça foi em relação a Proposta de Emenda à Constituição – PEC (7/2021), que tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso e trata da prerrogativa de apenas a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso investigar autoridades públicas. Inicialmente, a proposta recebeu parecer contrário na CCJR da AL. 

Se efetivamente a Assembleia Legislativa aprovar a PEC, nós vamos tomar as providências no sentido de arguir a inconstitucionalidade dessa emenda constitucional estadual”, afirmou.   

De acordo com José Antônio Borges, essa questão centralizaria na mão do procurador-geral de Justiça as investigações contra autoridades, o que não está prevista na legislação e o atual Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público entende que da forma que está descentralizada é o ideal.   

“Também há um vício de iniciativa da própria Assembleia, que é fazer através de PEC, há até uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal que diz que qualquer modificação nesse sentido teria que ser de iniciativa do procurador-geral de Justiça”, alerta José Antônio Borges.  

Esses e outros assuntos como a radicalização ideológica da sociedade, a Reforma Administrativa, a burocracia nas ações do Ministério Público e as polêmicas declarações do atual presidente da República, foram abordadas na Entrevista da Semana pelo FocoCidade.  

Borges já acumula dois mandatos como procurador-geral de Justiça do Estado. Ingressou no Ministério Público do Estado de Mato Grosso em 1992. Atuou nas comarcas de Alta Floresta, Dom Aquino, Jaciara e Cuiabá. A sua trajetória, na Capital é marcada pela atuação nas Promotorias de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente.   

Exerceu ainda a coordenação do Núcleo de Apoio para Recursos aos Tribunais Superiores (NARE) e do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público do Estado de Mato Grosso – CAOP. Ocupou também o cargo de diretor-geral da Fundação Escola Superior do Ministério Público e foi presidente, por três mandatos, da Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP).  

Boa Leitura!  

O senhor está em segundo mandato à frente do Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Uma das suas propostas era de renovação: "Renovar os quadros do Ministério Público, dentro da administração”. Qual avaliação o senhor faz da sua gestão? 

Para o segundo mandato, mantivemos a mesma equipe, com poucas mudanças, porque vem desenvolvendo um ótimo trabalho, é afinada e vem apresentando os resultados que almejávamos.  

Um dos avanços que tivemos foram os Centros de Apoio Operacional (CAOs) que implantamos, dando maior fluidez na atuação dos nossos membros, que passaram a contar com esse suporte técnico. Fortalecemos o Comitê de Políticas de Segurança Institucional (CPSI) e o Centro de Apoio Operacional do Conhecimento, Segurança e Informação (CAOP/CSI), tendo por objetivo a efetivação da Política de Segurança Institucional instituída pelo Conselho Nacional do Ministério Público. 

Criamos novas unidades do Gaeco no interior e o Gaeco Ambiental, uma iniciativa inédita. Realizamos concurso público e já empossamos 12 novos promotores substitutos. Promovemos uma reforma administrativa que proporcionou economia de recursos e um melhor aproveitamento dos nossos colaboradores, priorizando as atividades fim. 

Outra iniciativa que julgo importante é o programa de qualidade de vida no trabalho “Vida Plena – MPMT pensando em você”, criado no primeiro mandato e que estamos ampliando ainda mais. Este projeto promove a integração e a sinergia entre as duas mil vidas que constituem o Ministério Público de Mato Grosso, incluindo membros, servidores e terceirizados. Além disso, desenvolve ações de saúde física e mental, lazer, cultura, dentre outras. Com colaboradores sadios e satisfeitos com o ambiente de trabalho, a instituição pode oferecer melhores serviços à sociedade. 

Também buscamos valorizar a experiência e competência dos nossos procuradores, colocando-os em cargos-chave de segundo grau. 

O Gaeco foi reestruturado na sua gestão. Quais os resultados obtidos na prática? 

A grande novidade do Gaeco na primeira gestão foi que nós criamos as unidades regionais de Cáceres, Barra do Garças, Sorriso e Rondonópolis. Essas unidades já estão implantadas, em funcionamento e, inclusive já realizam operações no interior do estado. Descentralizamos e ganhamos maior dinamismo na atuação no interior. Agora, no segundo mandato, criamos e estamos estruturando o Gaeco Ambiental, diante da necessidade de combatermos o crime organizado também na área ambiental. Percebemos, por meio da atuação das promotorias e procuradorias especializadas, que os grandes danos ambientais em Mato Grosso são praticados hoje pelo crime organizado. O desmatamento ilegal, a grilagem de terras públicas são problemas seríssimos em nosso estado, e ao combatê-los não apenas preservamos nossas florestas, seja na Amazônia, seja no Cerrado, como estamos contribuindo para a própria economia mato-grossense, baseada no agronegócio. As mudanças climáticas já afetam o regime de chuvas, por exemplo, e isso poderá comprometer nossa principal atividade econômica no futuro. 

E é impensável, inconcebível que o nosso presidente da República deixe brechas, buscando fazer fissuras no regime democrático, falando que o Exército é dele, que pode tomar medidas drásticas, quando na verdade nós temos uma pandemia que tem que ser tratada com base científica

O senhor chegou a declarar que “vê nazismo e fascismo em atos de bolsonaristas”. Em sua opinião, quais as consequências para a democracia brasileira dessa radicalização ideológica da sociedade, que ao invés de discussões salutares sobre política e leis, acaba por vezes em atos de violência? 

O Estado Democrático de Direito, instituído no país após o fim da ditadura militar com a promulgação da Constituição de 1988, tem uma estrutura de Estado de pesos e contrapesos. Então, nós temos o Poder Executivo e o Legislativo nas esferas federal, estadual e municipal, e temos o Judiciário nas esferas estadual e federal. O que a gente observa é que o atual governo vem buscando enfraquecer essas instituições, não estou falando de pessoas, mas instituições, e os principais alvos são o Supremo Tribunal Federal e o próprio Legislativo. Então, em um regime democrático, tem que se ter respeito a essas instituições. E é impensável, inconcebível que o nosso presidente da República deixe brechas, buscando fazer fissuras no regime democrático, falando que o Exército é dele, que pode tomar medidas drásticas, quando na verdade nós temos uma pandemia que tem que ser tratada com base científica.  

E ele também insiste em colocar em dúvida nosso sistema eleitoral, lançando suspeitas sobre a segurança do voto eletrônico quando, comprovadamente, sabemos que é seguro. Com a larga experiência que temos com o sistema de voto digital, seria um retrocesso voltar ao voto no papel. Trata-se de uma postura de desrespeito à nossa Justiça Eleitoral, que é uma justiça federal, integrada por juízes federais, juízes estaduais, procuradores da república, promotores estaduais, existem os próprios partidos, que fiscalizam com seus advogados. E há a imprensa fazendo a fiscalização.  

O que pode existir de irregular, ilegal numa eleição tem que se combater, como abuso do poder econômico e as fake news, para que o eleitor possa efetivamente fazer sua opção de voto de forma livre, democrática, com base em fatos concretos. Agora, jamais pensar da forma como o presidente vem fazendo, de fechar o Supremo, de desmerecer o sistema político-eleitoral, que é partidário e participativo. Então, essas atitudes do nosso presidente da República nos deixam estarrecidos, mas ao mesmo tempo alertas, porque a democracia não pode viver nesses sobressaltos, pois está sedimentada há mais de trinta anos desde a promulgação da Carta Magna de 1988. 

Muito se discute não termos a esperada Reforma Administrativa aprovada pelo Congresso, e um dos pontos são os chamados adicionais ao salário do funcionalismo público. O senhor concorda? 

Quanto à reforma administrativa, seja no âmbito estadual ou federal, o Executivo e o Legislativo têm plena legitimidade para fazê-la, naquilo que entenderem cabível, principalmente em um momento em que a gente vive a era digital. Claro que muitos serviços serão até extintos, inclusive no serviço público. Agora, qualquer reforma que venha, é importante ressaltar que tem que vir de forma igualitária para todos os poderes, e também para as Forças Armadas, Polícia Militar, Polícia Civil. O que não se pode pensar é que haja só uma reforma pontual e colocando os funcionários públicos como se fossem os culpados pela ineficácia das políticas públicas, que são decididas em nível de cúpula. Então essa distorção precisa ser ressaltada, até porque cada vez mais acaba sendo um desestímulo a ser servidor público. A gente vive sim um momento de transição, mas qualquer modificação que venha, que venha para todos os poderes e todas as categorias dos servidores do nosso país. 

Então, essas atitudes do nosso presidente da República nos deixam estarrecidos, mas ao mesmo tempo alertas, porque a democracia não pode viver nesses sobressaltos, pois está sedimentada há mais de trinta anos desde a promulgação da Carta Magna de 1988. 

O Ministério Público foi muito atacado sobre a compra de aparelhos celulares. O valor utilizado não poderia ter sido revertido em doação às ações gerais do Estado no combate à pandemia?  

Os celulares são um instrumento de trabalho, a instituição usa a tecnologia no exercício de suas atividades, seja meio, seja fim. Com a pandemia, necessitamos de recorrer ainda mais às ferramentas tecnológicas. Especificamente na aquisição desses aparelhos, fizemos até uma economia de mais de oitocentos mil reais. Saímos de um sistema de comodato, com custo pelo uso, cujos contratos se exauriram e a garantia também, para a compra de novos equipamentos, que têm tempo de uso de quatro anos, no mínimo. A aquisição foi feita com base em pareceres técnicos do nosso Departamento de Tecnologia da Informação e do Centro de Apoio Operacional do Conhecimento, Segurança e Informação (CAOP/CSI), pois membros e servidores trabalham com informações sigilosas, o que requer segurança contra invasões, vazamentos etc. Foi tudo feito dentro da legalidade, tanto que obteve parecer favorável do Tribunal de Contas e os questionamentos jurídicos foram rejeitados de pronto pelo Judiciário. 

Como o senhor avalia o parecer contrário da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Mato Grosso à PEC que prevê a prerrogativa de apenas a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso investigar autoridades públicas? 

Essa questão de centralizar na mão do procurador-geral de Justiça as investigações contra autoridades, a nossa legislação hoje não prevê. O nosso Colégio de Procuradores de Justiça entende que da forma que está descentralizada é o ideal, até em relação ao volume de trabalho, então não há motivo para modificar. Também há um vício de iniciativa da própria Assembleia, que é fazer através de PEC, há até uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal que diz que qualquer modificação nesse sentido teria que ser de iniciativa do procurador-geral de Justiça. E, naturalmente, para eu fazer isso primeiro tenho que submeter ao Colégio de Procuradores. Então, não há essa intenção e se efetivamente a Assembleia Legislativa aprovar a PEC, nós vamos tomar as providências no sentido de arguir a inconstitucionalidade dessa emenda constitucional estadual.  

O MP, por vezes é ponto de críticas de deputados no contexto da burocracia para se dar andamento a ações - como ocorreu em relação ao apoio do Poder Legislativo para aquisição de oxigênio... o senhor entende isso como uma crítica construtiva, o MP deve desburocratizar a metodologia de investigação, já que estamos numa pandemia? 

Bem, quanto à aquisição de oxigênio pela Assembleia Legislativa, nós temos que lembrar que o Legislativo não é o Executivo, não tem que executar políticas públicas, mas sim trazer caminhos por meio de uma legislação. Qualquer situação que ocorresse nesse sentido, e não houve nenhum tolhimento da parte do Ministério Público, era que se tivesse sobras financeiras no Legislativo, esse dinheiro teria que ir para o Executivo, que tem competência para fazer essas licitações e aplicar os recursos. Portanto, quem executa, o próprio nome diz, é o Executivo. O Legislativo não pode imiscuir naquilo que é da competência do Executivo, no máximo, se tiver sobras financeiras, é devolver ao Executivo, no caso até poderíamos dizer uma verba “casada” para essa finalidade de adquirir oxigênio. De qualquer forma, em nosso estado, que eu saiba, não faltou oxigênio e o governo tem condições financeiras, pelo menos está tendo até agora, para executar as políticas públicas necessárias ao combate à pandemia. 

Nós vivemos num regime democrático de direito, não há censura.

Municípios também reclamam da atuação do Ministério Público nas gestões municipais, dando abertura para operações policiais. Nesse caso, não seria mais sensato o MP acompanhar os procedimentos desde a fase inicial, o que evitaria, em tese, eventuais irregularidades?  

O Ministério Público atua preventivamente. Muitos casos chegam por meio de denúncia da própria população, ou o MP toma conhecimento, que é quando se faz notificações recomendatórias, com os devidos argumentos, claro, para que o gestor se abstenha de cometer irregularidades ou por falta de respaldo legal. Isso nós fazemos muito. E, além disso, em muitas situações o instrumento utilizado é o Termo de Ajustamento de Conduta, quando se tenta reparar o dano, se for o caso, ou evitar a continuidade de algum ato irregular. É rotineiro nas Promotorias de Justiça, quanto há eventuais irregularidades, atuar preventivamente ou barrar aquela situação com Termos de Ajustamento de Conduta, que é o nosso principal instrumento. 

Naturalmente que, muitas vezes o Ministério Público, diante da sua atuação, que tem que ser coercitiva e preventiva, claro que pode desgostar muitas das pessoas que estão fazendo coisa errada.

Muitos políticos e autoridades entendem que o Ministério Público às vezes extrapola na exposição de nomes de investigados, antes do processo final de julgamento pela Justiça. Qual sua leitura desse quadro, considerando que a Constituição presume a inocência até o final do trânsito em julgado?  

Bem, é uma situação delicada. Nós vivemos num regime democrático de direito, não há censura. Claro que ninguém deve ser exposto de forma temerária ou irresponsável, mas nós temos que prestar contas daquilo que fazemos, inclusive para a própria imprensa, e isso é feito com muito cuidado. Então, se evita exposições de nomes, ou de atuações que tragam constrangimento, filmagens, isso nós temos tomado todo o cuidado. Nesse esforço, existe até uma Lei de Abuso de Autoridade para qualquer agente público que possa cometer uma exposição desnecessária de qualquer cidadão.  

Agora, vivemos num regime democrático. Nós temos o dever da transparência. O melhor detergente que existe é a luz do sol. Então, naturalmente, naquilo que não tem sigilo, decretado judicialmente, claro que será prestado conta à sociedade de situações que ocorrem e em que o Ministério Público atua. Até porque é muito vasto, não é? Nós atuamos, por exemplo, na área da criança, do adolescente, que tem sigilo sempre absoluto, individual ou coletivamente. Mas em outras situações, como do meio ambiente, o próprio patrimônio público, saúde, educação, nossa atuação acaba sendo uma prestação de contas e um esclarecimento à população, até para saber que existem seus direitos e eles tão sendo defendidos e estamos buscando que sejam respeitados. 

Suas considerações finais, procurador... 

O Ministério Público brasileiro tem uma roupagem muito especial, trazida pela Constituição de 1988, quando deixou de atuar apenas na área criminal. Sendo dono da ação pública incondicional, mas tendo outros flancos, os chamados direitos coletivos e difusos. E o papel do Ministério Público desde 1988 tem sido fundamental na defesa da criança, do adolescente, do idoso, da mulher, do meio ambiente, do consumidor. Esse é o papel do Ministério Público trazido pela Constituição Cidadã, que tem tido grande repercussão. Naturalmente que, muitas vezes o Ministério Público, diante da sua atuação, que tem que ser coercitiva e preventiva, claro que pode desgostar muitas das pessoas que estão fazendo coisa errada.

O Ministério Público é um agente de transformação social exatamente fortalecendo a democracia, representa a sociedade e atua na defesa dessa sociedade, seja num direito individual indisponível, seja num direito coletivo ou difuso. Esse é o papel do Ministério Público e nós esperamos que continue sendo, para que a nossa democracia seja fortalecida e os direitos dos cidadãos sejam preservados, buscados, porque muitas previsões constitucionais sequer foram adimplidas. 




Deixe um comentário

Campos obrigatórios são marcados com *

Nome:
Email:
Comentário: